A Érica Fontes não é uma vaca
Eis um facto inegável, que custa admitir: os homens portugueses não sabem cuidar das mulheres
Está armado o berbicacho. Como se não bastassem as polémicas dos “piropos” (a que a imprensa devia ter chamado, inicialmente, de “assédio sexual verbal”, porque a letra da lei não se refere ao piropo espirituoso e inocente) e as indignações perante a piada de mau gosto mas inofensiva do Rui Sinel de Cordes, agora é a vez de um restaurante nortenho (lamento, não farei publicidade de borla e não lhe mencionarei o nome) entregar a sua comunicação a aventesmas, fazendo uma laracha em forma de trocadilho comparando a actriz pornográfica Érica Fontes a um pedaço de carne de vaca. (Como disse uma amiga minha, recentemente emigrada na Ucrânia, tanto e tão bom "copywriter" desempregado por aí e põem boçais a escrever "posts".)
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Está armado o berbicacho. Como se não bastassem as polémicas dos “piropos” (a que a imprensa devia ter chamado, inicialmente, de “assédio sexual verbal”, porque a letra da lei não se refere ao piropo espirituoso e inocente) e as indignações perante a piada de mau gosto mas inofensiva do Rui Sinel de Cordes, agora é a vez de um restaurante nortenho (lamento, não farei publicidade de borla e não lhe mencionarei o nome) entregar a sua comunicação a aventesmas, fazendo uma laracha em forma de trocadilho comparando a actriz pornográfica Érica Fontes a um pedaço de carne de vaca. (Como disse uma amiga minha, recentemente emigrada na Ucrânia, tanto e tão bom "copywriter" desempregado por aí e põem boçais a escrever "posts".)
Num mundo ideal, o feminismo seria tão mal visto quanto o machismo, por ser extremista e segregador. A regra seria a paridade – é por aí que nos devemos orientar. Num mundo ideal, não haveria Dia da Mulher porque as mulheres não têm de ter um dia no ano em que não lavam a loiça, estendem a roupa, fazem o jantar – o trabalho doméstico é, em igual parte, de quem habita a casa. Num mundo ideal, não haveria mentecaptos a atirar bocas jocosas e taradas a miúdas bonitas que vestem aquilo com que se sentem bem. (Atenção: nada contra taradices, mas sempre com consentimento mútuo.) Só que não vivemos num mundo ideal, vivemos num país onde até um candidato a Presidente da República se arma em taberneiro depois de ter lido (erradamente, diga-se) um cartaz de campanha de Marisa Matias. Caríssimo Jorge Sequeira: POR é diferente de PARA. Percebo que seja difícil ler quatro letras em vez de três, mas faça um esforço.
Eis um facto inegável, que custa admitir: os homens portugueses não sabem cuidar das mulheres. É mais que habitual ouvir rapazes vangloriando-se de que fizeram isto e aquilo a uma rapariga, como se fosse uma humilhação e uma subjugação. No entanto, esta ideia não está apenas na cabeça deles. Voltamos ao dilema antigo: porque raio é que um tipo que engata muitas miúdas é um galã e um garanhão e, inversamente, elas são galdérias, porcas, putas? Fosse o esforço empregue no hábito de cuidar das mulheres, e depressa haveria menos frustrações em forma de impropérios machistas.
Estamos a muitos palmos de distância da perfeição. Precisamos de tino nas ideias e menos impulsos nas virilhas. Precisamos de olhar para as mulheres como bichos encantadores, que é o que são. Tenho uma pergunta para os broncos que julgam que atirar ao ar uma observação indecorosa sobre um corpo feminino: e se fosse um bronco como vós a lançar um piropo à vossa mãe, à vossa irmã, à vossa filha? Aos que gostam de ser porcalhões para com as mulheres (sem consentimento, naturalmente), há aqui outras perguntas não menos relevantes.
Faz falta em Portugal uma outra Maria Capaz, mas para bestinhas do sexo masculino. De homens a sério para homens tontos que ainda não se esqueceram do que é viver no jardim-escola, que ainda acham engraçado espreitar por baixo das saias das meninas ou fazer cantilenas meio inocentes, meio badalhocas. Ah, e já agora, façam o favor de deixar a Érica Fontes em paz. A mulher é um Cristiano Ronaldo da pornografia, e não há mal nenhum nisso. Muito pelo contrário.