Estado português enfrenta processo em Milão por contrapartidas nos torpedos
A execução de uma garantia bancária de 11,6 milhões por incumprimento de contrato está a ser contestada em tribunal pelo Grupo Finmeccanica.
A italiana Whitehead Alenia Sistemi Subacquei (WASS) não se conformou com o facto de o Estado português ter executado, em 2013, a garantia bancária de 11,625 milhões de euros pelo incumprimento do contrato de contrapartidas resultante da venda de torpedos aos submarinos da marinha.
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A italiana Whitehead Alenia Sistemi Subacquei (WASS) não se conformou com o facto de o Estado português ter executado, em 2013, a garantia bancária de 11,625 milhões de euros pelo incumprimento do contrato de contrapartidas resultante da venda de torpedos aos submarinos da marinha.
Depois de uma providência cautelar com que tentou evitar, sem sucesso, que o dinheiro fosse resgatado de uma sucursal do BBVA em Milão, a empresa do Grupo Finmeccanica pôs o Estado português e o banco espanhol em tribunal. O processo está neste momento “a seguir os devidos trâmites no tribunal de Milão”, confirmou ao PÚBLICO fonte oficial do Ministério da Economia, sem adiantar mais detalhes.
A assessorar o Estado neste processo estão advogados do escritório italiano Legance – Avvocati Associati, contratado no final de 2014 por 142,5 mil euros, como detalha a minuta do contrato publicado no Portal Base no ano passado.
O contrato de “aquisição da prestação de serviços de assessoria jurídica e representação judiciária” ao gabinete do então secretário de Estado Adjunto e da Economia, Leonardo Mathias, teve origem no “processo judicial intentado pela WASS contra o Banco Vizcaya [BBVA] e o Estado Português, que corre no Tribunal de Milão”, refere o documento publicado no Base.
O processo foi iniciado pela fornecedora italiana depois de o Estado português ter resolvido o contrato de 2005 em que a WASS se comprometia a realizar negócios com empresas portuguesas num montante de 46,5 milhões de euros. A WASS entregou os torpedos, mas os projectos de contrapartidas, que deveriam ter sido desenvolvidos entre 2006 e 2014, nunca saíram do papel.
“Com uma obrigação contratual de contrapartidas no montante de 46,5 milhões de euros, o programa apresentava inicialmente nove operações de contrapartidas valorizadas em 49,7 milhões”, refere o relatório de 2014 da Direcção-geral das Actividades Económicas (DGAE) responsável pelo acompanhamento e fiscalização dos diversos programas de compras militares, como as viaturas blindadas Pandur, os submarinos ou os aviões C–295, entre outros.
Estes foram apenas alguns dos contratos de compra de equipamentos e veículos militares (assinados, quase todos, quando Paulo Portas era o ministro da Defesa) que em 2014 motivaram a realização de uma comissão parlamentar de inquérito destinada a averiguar se o interesse público foi protegido na execução das contrapartidas, dado o reduzido grau de cumprimento dos contratos ao longo dos anos.
“É uma autêntica falácia” a ideia que o país beneficiou com as contrapartidas militares, disse então aos deputados da comissão o ex-ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, que anulou o contrato com os italianos mesmo antes de sair do Governo (em Julho de 2013) e deixar o cargo a António Pires de Lima. Na passagem pela comissão de inquérito, o antigo governante também classificou a generalidade das contrapartidas como “imaginárias”, tendo em conta a não concretização da maioria dos projectos.
No caso da WASS, o incumprimento foi total, como frisa o relatório da DGAE: “A não concretização, pela WASS, de qualquer projecto, determinou a não creditação de contrapartidas neste programa”, refere o documento que menciona ainda as “várias tentativas” que o Estado fez para “viabilizar o cumprimento da obrigação contratual”, como a “aprovação de projectos de substituição”.
Sem resultados positivos, em Outubro de 2013, o ministério da Economia entregou à WASS a comunicação prévia de incumprimento do contrato, precisa a DGAE. Alguns dias depois, o Governo iniciou o processo de execução da garantia bancária junto da sucursal de Milão do BBVA, onde a WASS a tinha depositado. Os italianos tentaram travar a execução com uma providência cautelar, mas os advogados do Estado português conseguiram anulá-la, permitindo que duas semanas depois (a 21 de Novembro) entrassem nos cofres do IGCP os 11,625 milhões de euros.
Segundo a DGAE, que a partir de 2012 passou a acompanhar e fiscalizar os contratos de contrapartidas que transitaram da extinta Comissão Permanente de Contrapartidas, a 20 de Dezembro foi declarada a resolução do contrato de contrapartidas pelo Governo português. Mas um ano depois, a 29 de Dezembro de 2014, a secretaria-geral do Ministério da Economia contratava um escritório de advogados italiano para defender o Estado no processo em Milão.
De acordo com o contrato, os advogados italianos terão recebido 54,9 mil euros em 2014 e o remanescente em 2015. O prazo de execução da prestação de serviços estava inicialmente estimado em 12 meses.