Há Alentejo, espaço e vinho na guitarra de Grutera

Sabemos que foi gravado numa adega na Herdade do Esporão, no Alentejo, e isso funciona como sugestão. Mas mesmo que não o soubéssemos, é fácil ouvir no novo álbum de Guilherme Efe, ou seja Grutera, a planície e a arte vinícola a reverberar na sua guitarra acústica.

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É um intuitivo. Alguém que explora o som da guitarra acústica de forma pouco convencional, quase performativa dir-se-ia, como se não utilizasse apenas os dedos, mas todo o seu corpo, como se a guitarra e o espaço envolvente jorrassem comunicação ao mesmo tempo. No caso do seu novo álbum, Sur Lie, somos transportados para o Alentejo, ou pelo menos assim nos sugere uma música espaçosa, com horizonte, profundamente aparatosa na interacção com o silêncio, sem deixar de ser calorosa e intensa. Como outros guitarristas que têm dado nas vistas nos últimos anos em Portugal (de Norberto Lobo a Filho da Mãe) a música de Guilherme Efe, a residir no Porto, adoptando a designação Grutera, é instrumental, trabalhando o instrumento com a espontaneidade de quem veio do rock. O disco foi registado numa noite, no Túnel das Barricas da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, uma opção que dá continuidade à escolha de locais pouco usuais e que possuem uma reverberação natural bem vincada.

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É um intuitivo. Alguém que explora o som da guitarra acústica de forma pouco convencional, quase performativa dir-se-ia, como se não utilizasse apenas os dedos, mas todo o seu corpo, como se a guitarra e o espaço envolvente jorrassem comunicação ao mesmo tempo. No caso do seu novo álbum, Sur Lie, somos transportados para o Alentejo, ou pelo menos assim nos sugere uma música espaçosa, com horizonte, profundamente aparatosa na interacção com o silêncio, sem deixar de ser calorosa e intensa. Como outros guitarristas que têm dado nas vistas nos últimos anos em Portugal (de Norberto Lobo a Filho da Mãe) a música de Guilherme Efe, a residir no Porto, adoptando a designação Grutera, é instrumental, trabalhando o instrumento com a espontaneidade de quem veio do rock. O disco foi registado numa noite, no Túnel das Barricas da Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, uma opção que dá continuidade à escolha de locais pouco usuais e que possuem uma reverberação natural bem vincada.

Acabou de lançar o terceiro álbum, que foi registado numa adega, na Herdade do Esporão, no Alentejo. Já o seu anterior disco, O Passado Volta Sempre (2014), havia sido gravado no Mosteiro de Santa Maria de Cós, em Alcobaça. O que o leva a procurar estes lugares?
Gosto de gravar em sítios onde a guitarra adquira uma certa identidade sonora. Em estúdio o som é mais seco e padronizado. Agrada-me a ideia de ir para um lugar onde quem está a ouvir tenha uma sensação de espaço. Isso não é possível em estúdio. Andava à procura de sítios para gravar e o Vasco Durão, mentor do projecto Guitarras ao Alto, que vive no Alentejo, às tantas contactou-me sugerindo que gravasse numa adega no Alentejo. Num fim-de-semana fui ao Alentejo, com o produtor, experimentamos algumas e quando entrámos no Túnel das Barricas foi amor à primeira vista, esteticamente e acusticamente.

Quando partiu para a gravação do disco já existiam uma série de ideias estruturadas previamente ou foi na adega que elas surgiram? 
R – Antes de ir para o espaço já tinha uma ideia formada do disco, mas como é evidente o lugar acabou por afectar essas ideias. A interpretação e a dinâmica das músicas acabaram por ser muito influenciadas pelo espaço. Não diria tanto na composição, mas em termos acústicos, na forma, na dinâmica, na maneira como captámos o som, aí sim. E depois todo o conceito do disco foi-se afirmando enquanto lá estive. O disco chama-se Sur Lie e não é por acaso, porque remete para o processo de fermentação e amadurecimento do vinho – e eu, enquanto músico, ao longo dos anos, também sinto que amadureci na forma de tocar. Havia esse vínculo.

A sensação de amplitude e espaço, e o ambiente melancólico, de parte dos temas transportam-nos com facilidade para o Alentejo, ou existe um efeito de sugestão por sabermos o que rodeou a sua feitura? 
As duas coisas são verdadeiras. Claro que essas coisas podem acontecer quando se parte para a audição já com uma ideia prévia. O facto de o disco ter sido gravado numa adega, no Alentejo, ajuda a criar essa sensação que é perfeitamente válida. Eu sinto isso. Mas estive lá. Por isso fico satisfeito que existam outras pessoas que também sintam isso apenas pelo facto de serem transportadas pela música. Já havia um conceito, ideias estruturadas e tínhamos as coisas bem pensadas, daí que o processo de gravação tenha sido rápido. Começámos a gravar à meia-noite e terminámos de madrugada. Sabíamos que não iríamos controlar tudo, mas a ideia também era essa, estarmos disponíveis para receber o que o sítio e o momento nos dessem. O processo de feitura foi muito imediato. As coisas saíram praticamente à primeira. Fomos muito bem recebidos pela equipa do Esporão, fomos jantar como se não fôssemos gravar de seguida, e foi assim, num ambiente muito descomprometido e relaxado, que as coisas foram feitas. Foi um dia e uma noite perfeitos.

No seu passado esteve ligado a formações de heavy metal. O que o levou a escolher agora uma música aparentemente tão distinta?
Continuo a ser um ouvinte atento de bandas que fazem música mais pesada. Mas também oiço outras coisas, como música brasileira, jazz ou rock. Mas o meu pêndulo é a música mais pesada. E como sempre foi isso que ouvi, quando comprei uma guitarra eléctrica foi isso que comecei por tocar. Acontece que quando entrei para a faculdade no Porto, vindo da Nazaré, a minha vida e a dos meus amigos das bandas transformou-se. Não havia tempo para ensaiar. Como tinha uma guitarra clássica em casa, que era da minha irmã, comecei a fazer malhas nela e como era facilmente transportável levei-a para o Porto. O curioso é que eu acho que aquilo que eu faço em guitarra clássica não é distante do metal, só que não existe distorção… [risos]. Mais tarde um amigo, realizador de cinema, pediu-me para gravar algumas músicas para uma curta-metragem dele. O filme ganhou um prémio e a banda-sonora também, surgindo mais tarde um convite para gravar o primeiro disco e foi assim que tudo isto começou. Acabei por largar as bandas e dediquei-me por inteiro à guitarra clássica.

Nos últimos anos têm sido lançados uma série de álbuns de música instrumental da autoria de guitarristas como o Norberto Lobo, o Filho da Mãe ou o Tó Trips. De alguma forma são uma referência para si?
Quando comecei a tocar guitarra clássica não os conhecia. Sou um pouco mais puto. Depois foram-me mostrando a sua música e comecei a respeitá-los imenso. Não tenho qualquer dúvida de que esses três são dos melhores guitarristas que já alguma vez ouvi. Admiro-os. Cada um tem a sua identidade, mas é óbvio que existem algumas conexões. Da minha parte só lhes posso estar agradecido porque me abriram muitas portas, tendo eu começado há menos anos. Já toquei uma vez com o Norberto Lobo e só tenho boas recordações. São músicos bons em qualquer parte do mundo, apesar de nem sempre serem reconhecidos dessa forma.