"É inaceitável que continuem a morrer mulheres"

Secretária de Estado da Igualdade e da Cidadania tem plano de territorialização para levar serviços de apoio a vítimas ao interior do país

Foto
Nelson Garrido

A secretária de Estado da Igualdade e da Cidadania, Catarina Marcelino, esteve sábado de manhã no funeral da mulher decapitada pelo marido em Santa Marinha do Zêzere, no concelho de Baião. Ao participar na cerimónia fúnebre, quis homenagear aquela e todas as outras mulheres mortas por alguém com quem mantinham ou tinham mantido uma relação de intimidade.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A secretária de Estado da Igualdade e da Cidadania, Catarina Marcelino, esteve sábado de manhã no funeral da mulher decapitada pelo marido em Santa Marinha do Zêzere, no concelho de Baião. Ao participar na cerimónia fúnebre, quis homenagear aquela e todas as outras mulheres mortas por alguém com quem mantinham ou tinham mantido uma relação de intimidade.

“É inaceitável que continuem a morrer mulheres às mãos de namorados, companheiros, maridos, ex-namorados, ex-companheiros, ex-maridos”, afirmou, já numa sala da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, no Porto. Pelas contas do Observatório de Mulheres Assassinadas, um projecto da União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) baseado nas notícias publicadas nos jornais, 430 mulheres foram mortas desde o início de 2004 – duas delas já este ano, uma em Baião, dia 6, e outra em Porto Santo, na passada sexta-feira. “Números tão expressivos seriam, provavelmente, muito mais noticiados e debatidos se fossem sobre outro tipo de acontecimento”, comentou.

A governante reconhece que o país evoluiu muito desde 2000, ano em que a violência doméstica se tornou crime público. Acha que ainda há muito para fazer. Desde logo, quebrar os silêncios da comunidade. Acredita que, “se a comunidade – instituições públicas, instituições privadas, vizinhos, amigos, familiares, todas as pessoas enquanto agentes – sinalizar”, poder-se-á evitar “casos radicais de homicídio”.

“Foi muito duro constatar que aquela mulher morreu como morreu”, disse. “Uma das filhas esteve o tempo todo que eu estive na igreja agarrada à urna da mãe, dizendo: 'Mãe, tu não me podes deixar'. Isto não é admissível. Enquanto secretária de Estado da Cidadania e da Igualdade, com as organizações não governamentais, quero dizer que podemos melhorar a nossa intervenção, o nosso combate a este flagelo.”

Catarina Marcelino anunciou três medidas, na conferência de imprensa que convocou para este sábado à tarde, ladeada por representantes da Cruz Vermelha Portuguesa, da UMAR, do Clube do Porto das Soroptimist e da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas.

Começou por revelar que já está formado um grupo de trabalho com organizações do terceiro sector destinado a pensar, de forma sistemática, acções concretas. Um passo que, embora “simples”, lhe parece “fundamental”, uma vez que significa passar a ter uma “plataforma de resposta conjunta e de pensamento conjunto”. Depois, contou que tem na calha um “projecto de territorialização dos núcleos de apoio às vítimas”.

Aquele tipo de resposta sempre esteve concentrado no litoral. Há uma década, houve uma tentativa de a fazer chegar ao interior. Com o fim dos governos civis, algumas tentativas frustraram-se. Hoje existem 21 no distrito do Porto, dois no de Bragança e um no de Vila Real, por exemplo. O que Catarina Marcelino quer é que haja uma real cobertura nacional. A base poderá ser a freguesia, o município ou a comunidade intermunicipal, depende da realidade específica. Cada sítio deverá partir de “um plano de igualdade com uma componente de combate à violência de género”. “Estamos a estudar a possibilidade de dar um incentivo financeiro para esta territorialização”, adiantou. O projecto só será apresentado em Março.

A secretária de Estado referiu-se ainda à criação de um grupo de trabalho com o Ministério da Educação, que será incumbido de desenhar um plano curricular capaz de ensinar cidadania e igualdade. “A média de idades dos agressores e vítimas está nos 40 anos. Cresceram e foram formados em democracia. Significa que nós, enquanto sociedade, ainda não fomos capazes de dar formação e competências a estas pessoas para que não tenham este tipo de comportamento”, sublinhou.

Não se trata de criar uma disciplina nova, mas de integrar competências sociais e pessoais, de modo transversal. O grupo de trabalho deverá começar a trabalhar em Fevereiro, tendo em conta as experiências do país, mas não é certo que os resultados que vier a produzir possam ser aproveitados já no próximo ano lectivo.

As medidas agora anunciadas mereceram a aprovação das organizações não governamentais presentes. Maria José Magalhães, presidente da UMAR, defendeu que é preciso mudar o foco, retirá-lo da vítima, que em 90% dos casos tem de sair de casa depois de apresentar queixa, e pô-lo nos agressores. Em aberto ficou a possibilidade de o Governo apresentar medidas que possam evitar a institucionalização das vítimas, promover a sua autonomia, o seu "empoderamento".  

No fim, instigada pelos jornalistas, a governante revelou que será apresentada uma proposta de legislação que defina quotas de género nas administrações do sector empresarial do Estado e das cotadas em bolsa, seguindo a lógica de uma directiva comunitária há muito em cima da mesa. "Estamos a trabalhar no sentido de desenvolver uma medida legislativa para que quer as empresas do Sector Empresarial do Estado quer as empresas cotadas em bolsa tenham, por via de legislação, obrigação de cumprir quotas do género menos representado. Podem ser homens ou mulheres", afirmou