Morreu André Courrèges, o futurista da moda

Aos 92 anos, desaparece um dos pioneiros da moda que ajudou a popularizar peças carregadas de significado social como a mini-saia.

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O costureiro francês André Courrèges morreu esta quinta-feira aos 92 anos. Dono de um olhar orientado para o futuro e um dos pioneiros da moda na sua utilização de peças carregadas de significado social como a mini-saia, presente na sua colecção para a Primavera de 1965, fundou a sua casa de alta-costura, que permanece no activo até hoje, em 1961. 

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O costureiro francês André Courrèges morreu esta quinta-feira aos 92 anos. Dono de um olhar orientado para o futuro e um dos pioneiros da moda na sua utilização de peças carregadas de significado social como a mini-saia, presente na sua colecção para a Primavera de 1965, fundou a sua casa de alta-costura, que permanece no activo até hoje, em 1961. 

Courrèges licenciou-se em Engenharia e só depois foi estudar moda e design têxtil, como lembra o museu Victoria & Albert, uma das muitas instituições mundiais de referência que guardam nas suas reservas exemplares de peças do couturier francês  também o lisboeta Museu do Design e da Moda (Mude) conta com peças de Courrèges na Colecção Francisco Capelo. André Courrèges foi um dos motores da revolução de estilo da década de 1960 (e também nos anos 1970), ajudando (com Paco Rabanne, Mary Quant ou Pierre Cardin) a redefinir códigos de vestuário e a colorir a imagem de ídolos como Françoise Hardy ou a emprestar a Audrey Hepburn uma das suas imagens marcantes, fotografada por Douglas Kirkland de chapéu e óculos brancos e associada a Como Roubar Um Milhão (1966).

“Mais do que para qualquer outro criador contemporâneo, podemos dizer que há um antes e depois de Courrèges”, diz Olivier Saillard, responsável pela programação do Museu de Moda e Têxtil de Paris, no diário francês Le Figaro. “Um designer revolucionário. Ao utilizar novos materiais e formas geométricas, André Courrèges deixou uma marca no mundo da moda de autor”, assinalou esta sexta-feira o Presidente francês François Hollande no Twitter.

Courrèges viria a desenhar várias décadas de vestuário influente, não só a mini-saia que com a britânica Mary Quant ajudou a popularizar – os dois reclamavam a “invenção” da sintomática peça de roupa simbólica da revolução juvenil e da emancipação feminina dos anos 1960 , mas também pelo uso de materiais habitualmente pouco conotados com a couture, como a gabardine ou o metal. Chamavam-lhe, entre outros epítetos, o costureiro da Era Espacial, pelas colecções de cortes limpos, formas simplificadas e blocos de cor que evocavam esse ideal da exploração do espaço, e futurista, mas também, em tempos e nos seus 60s de glória, o enfant terrible da alta-costura parisiense. 

Ainda assim, considerava-se herdeiro da “tradição” francesa do estilo  e não da moda, “que está sempre em sobe e desce, é abrupta” , na linha directa de Coco Chanel ou do seu mentor Cristóbal Balenciaga. "Há pessoas que vivem num mundo negro”, disse sobre a cor que abominava, porque via o mundo “em cores vivas”, como contou ao New York Times em 1986. 

Representante do século

Nascido em Pau, França, André Courrèges morreu depois de “um longo combate, de mais de 30 anos, contra a doença de Parkinson”, como informa a Maison Courrèges em comunicado divulgado esta sexta-feira, em sua casa em Neuilly-sur-Seine (região de Paris). Já não trabalhava em moda desde a década de 1990, tendo-se dedicado em parte à pintura e à escultura, segundo detalha a edição britânica da revista Vogue. Estudou também arquitectura e fez a sua formação em moda já em Paris, após a II Guerra, precisamente na escola da Chambre Syndicale de la Couture Parisienne.

Depois de ter encontrado a sua vocação na moda, trabalhou na distintiva casa Balenciaga durante uma década. Ali, como outros discípulos do costureiro basco (Hubert de Givenchy, Oscar de la Renta, Emanuel Ungaro), aprimorou as suas técnicas de corte e o olhar. E foi em 1964, com apenas três anos de casa em nome próprio, que lançou a colecção baptizada exactamente como Space Age: óculos, formas geométricas, plástico, botas curtas de salto baixo (as famosas botas go-go), muito branco e pedaços do tronco e das costas à mostra – tudo isto cinco anos antes da chegada do ser humano à Lua. “Sempre propus coisas novas”, disse em 1986, quando apresentou a sua primeira colecção masculina apontada para o mercado norte-americano, citado pelo New York Times. “Representei as necessidades do século.” Na década de 1960 disse à entretanto extinta revista Life que “as mulheres de hoje são arcaicas na sua aparência: “Quero ajudá-las a coincidirem com o seu tempo.”  

A mulher mostrava mais as pernas, abdicava dos soutiens, usava calças, e os seus vestidinhos brancos juntavam-se às influências que até aos dias de hoje desfilam nas passerelles. O visual pop, indelevelmente marcado pelo espírito dos anos 1960, ficaria com ele. Didier Grumbach, presidente da Fédération de la Couture, lembra ao Le Monde que André Courrèges foi o primeiro a misturar nos desfiles de alta-costura – um dos píncaros do luxo no vestuário – peças de pronto-a-vestir e até uma linha desportiva. 

Nos anos seguintes, a sua marca perderia o fulgor dos tempos em que na confecção de Pau trabalhavam 250 pessoas, com a mulher (e sua stylist e organizadora dos seus desfiles), Coqueline, a tentar mantê-la à tona. Como lembrava o diário francês Le Monde em 2012 – quando a Courrèges se relançava com investidores vindos da publicidade –, dos 180 pontos de venda que chegara a ter nos anos 1970, a marca ficara apenas com uma loja em Paris e três dezenas de pontos de venda no Japão. A certa altura, e porque era detida em parte por uma empresa japonesa, André Courrèges perdera mesmo o seu título (muito difícil de obter, dadas as condições rigorosas de atribuição) de couturier. "A criatividade do mundo parou em 1970”, disse ao New York Times. “Se querem criar algo novo têm de regressar à Courrèges de 1970.” 

Os actuais directores criativos da Courrèges são Sébastien Meyer e Arnaud Vaillant.

com I.G.