Banif poderá ter duas comissões de inquérito
No Parlamento, PS, BE e PCP preparam proposta conjunta de criação de uma comissão de inquérito. Na Assembleia Legislativa da Madeira, o PS da região propõe ainda esta semana a criação de outra comissão sobre o banco.
Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, a mesma situação – no caso, o processo que levou à resolução do Banif - poderá vir a ser objecto de duas comissões parlamentares de inquérito a funcionar em simultâneo, uma na Assembleia da República e outra na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
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Pela primeira vez na história da democracia portuguesa, a mesma situação – no caso, o processo que levou à resolução do Banif - poderá vir a ser objecto de duas comissões parlamentares de inquérito a funcionar em simultâneo, uma na Assembleia da República e outra na Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A nível nacional, PS, BE e PCP estão a trabalhar numa proposta comum de criação, na Assembleia da República, de uma comissão parlamentar de inquérito ao Banif. Na Madeira, o PS do arquipélago promete entregar até ao final desta semana um pedido de instalação, na assembleia legislativa, de uma comissão de inquérito para apurar eventuais responsabilidades do PSD-Madeira e da administração pública regional na queda do Banif.
A proposta de comissão parlamentar de inquérito na Assembleia da República só agora dá os primeiros passos, depois do anúncio da intenção de a constituir feito durante a discussão do Orçamento Rectificativo que permitiu a injecção de capital no banco, dias antes do Natal. PS, BE e PCP estão a trabalhar num texto conjunto com os fundamentos para a proposta da comissão de inquérito. A proposta deverá estar pronta nos próximos dias e ser aprovada também com os votos de PSD e CDS. No entanto, as duas bancadas da direita não excluem vir a apresentar uma proposta própria.
O inquérito em causa incidirá no período posterior a 2012, ao momento em que o Estado assumiu 61% do capital do banco e lhe concedeu uma ajuda financeira no valor de 1100 milhões de euros. As atenções estarão viradas para a actuação do anterior Governo liderado por Passos Coelho, que concedeu a ajuda financeira mas não nomeou nenhum administrador para o banco. As bancadas do PS, BE, PCP e PEV estão a concertar posições, embora não haja divergências de fundo quanto aos fundamentos para propor o inquérito parlamentar. O PSD e o CDS mostraram-se disponíveis para apoiar uma comissão que procure apurar o que se passou no banco nos últimos três anos.
O documento da esquerda ficará concluído nos próximos dias, mas já só na conferência de líderes que acontecerá dentro de duas semanas é que poderá ser agendado o debate e votação da proposta. Só depois de aprovada a comissão é que as bancadas podem indicar os deputados que a integrarão.
Mais adiantado, o PS-Madeira vai entregar ainda esta semana no parlamento regional um pedido de instalação de outra comissão de inquérito. Carlos Pereira, líder dos socialistas madeirenses, diz ao PÚBLICO que o banco, que tinha sede no Funchal, esteve sempre estreitamente ligado à governação madeirense, tendo-se, muitas vezes “confundido” a gestão das duas entidades. “Importa clarificar e esclarecer até que ponto estas relações e cumplicidades contribuíram para a situação a que chegou o Banif”, acrescenta Carlos Pereira, lembrando que vários dirigentes do PSD-Madeira ocuparam cargos nos órgãos sociais do banco e que outros se mantinham na administração quando o banco foi vendido.
O presidente do PS-Madeira, que é deputado na Assembleia da República, argumenta que, mesmo existindo uma comissão de inquérito em São Bento, não cabe aos deputados nacionais fiscalizarem o executivo regional. Daí que faça todo o sentido avançar com esta iniciativa no Funchal, argumenta. “A assembleia legislativa regional é que tem competências de fiscalização do Governo Regional e este tema exige uma atenção profunda e cuidada dos deputados regionais, de modo a tornar mais transparentes as acções, decisões, políticas e intervenções de índole governativa que possam ter contribuído para a situação do banco com sede na região”, justifica Carlos Pereira.
Já os social-democratas, que têm maioria na assembleia madeirense, não se comprometem com a aprovação do pedido de comissão. “Precisamos de saber quais são os termos em que assenta o pedido de audição, só depois podemos avaliar em conformidade”, comenta o líder parlamentar do PSD-Madeira, Jaime Filipe Ramos. Para já, adianta, os social-democratas madeirenses ficam satisfeitos com a abertura de uma comissão de inquérito na Assembleia da República. “É um assunto bastante sério que importa clarificar, porque teve implicações para milhares de madeirenses”, afirma, ressalvando que o tema deve ser analisado sem qualquer tipo de preconceito, principalmente político.
Mas, no entender dos socialistas madeirenses, a queda do Banif não pode ser dissociada da política. Carlos Pereira enumera a dívida a rondar os três milhões de euros da Fundação do PSD-Madeira ao banco, as perdas estimadas em oito milhões de euros da Empresa de Electricidade Madeirense, que era accionista do Banif, a exposição do banco à dívida regional e à dívida oculta ou as dívidas de algumas figuras regionais ligadas ao PSD-Madeira que ficaram por pagar. Existiram, insiste, muitas relações e cumplicidades que é necessário clarificar.
Jaime Filipe Ramos concorda com a necessidade de responder a todas as questões, mas rejeita que a Madeira tenha sido o problema do banco. “O Banif tinha sede na região, mas tinha actividade em todo o país e, ao que sei, os principais devedores estão nos Açores e no continente”, argumenta, dizendo que a bancada do partido vai avaliar se o pedido do PS-Madeira é “pertinente” ou “complementar” à comissão que vai ser criada em Lisboa.
Para o pedido de comissão passar no parlamento madeirense, os socialistas precisam dos votos dos sociais-democratas, mas o PÚBLICO sabe que, se a iniciativa for chumbada, o PS-Madeira avançará para uma comissão protestativa, cuja criação depende apenas do apoio de dez deputados. O partido tem cinco assentos na assembleia e está já a negociar com a restante oposição apoios para garantir que a investigação avança também no Funchal.
O Banif, que teve origem na falência da Caixa Económica do Funchal, tinha um peso relativo no continente, onde a sua quota de mercado não ultrapassava os 5%, mas nos Açores (34%) e na Madeira (26%) era o principal banco, tendo ainda uma fatia importante dos depósitos dos emigrantes de ambas as regiões autónomas. Era contudo na Madeira, principalmente durante os governos de Aberto João Jardim, que o peso do banco fundado e liderado por Horácio Roque, um admirador do ex-governante madeirense, se sentia mais na administração pública. O Banif foi um dos grandes financiadores das políticas de Jardim, viabilizando investimentos e, nalgumas situações, resolvendo problemas de tesouraria do executivo, adiantando verbas para pagamentos de salários e assegurar compromissos da administração regional.
Pelos corpos sociais do banco passaram figuras importantes do PSD-Madeira, como Tranquada Gomes, actual presidente da assembleia madeirense, e Miguel de Sousa, ex-vice do parlamento regional e actual deputado. Pelo Banif passaram também dirigentes socialistas como Luís Amado, ex-ministro de José Sócrates e ex-deputado socialista na Madeira e em Lisboa.