As contas da resolução do Banif

A medida de resolução bancária aplicada ao Banif pelo Banco de Portugal é mais complexa do que a aplicada ao BES. Divide o Banif em três partes: O Banif “mau”, que deverá ser liquidado; o Banif “intermédio”, que ficou para o Fundo de Resolução através de uma nova sociedade Naviget; e o Banif “bom”, que foi vendido ao Santander.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A medida de resolução bancária aplicada ao Banif pelo Banco de Portugal é mais complexa do que a aplicada ao BES. Divide o Banif em três partes: O Banif “mau”, que deverá ser liquidado; o Banif “intermédio”, que ficou para o Fundo de Resolução através de uma nova sociedade Naviget; e o Banif “bom”, que foi vendido ao Santander.

Existe uma enorme falta de transparência o que dificulta o escrutínio detalhado da operação de resolução. Ao contrário do que ocorreu em Agosto de 2014, o Banco de Portugal não publica os balanços provisórios pós-resolução nem quantifica o balanço de activos e passivos vendidos ao Santander. Acresce que existem inconsistências nos dados fornecidos pelo Banco de Portugal e pela Comissão Europeia.

Mas é possível preparar algumas estimativas dos efeitos da resolução recorrendo ao que é de conhecimento público:

  • O montante e o tipo das injecções de capitais públicos no que era o antigo Banif;
  • O balanço financeiro do antigo Banif no 3º trimestre de 2015.

Com base nesta informação e assumindo que, em Dezembro, ocorreu uma fuga de depósitos de mil milhões de euros, é possível estimar o novo balanço do Banif (se este não tivesse sido dividido em três partes) após as injecções de capital realizadas no âmbito da resolução e assim estimar quem ganhou o quê.

Parte I. Injecções de capital:

1. O Estado realiza um aumento de capital de 1766 milhões de euros ao Banif;

2. A Naviget (“Banif intermédio”) transfere 746 milhões de euros de obrigações garantidas pelo Fundo de Resolução e contra-garantidas pelo Estado para o “Banif bom” adquirido pelo Santander. Em resultado desta garantia pública, activos que antes eram ilíquidos passam a ser de elevada liquidez e, pelas regras de supervisão bancária, os rácios de capital do banco melhoram;

3. Assim, o montante de dinheiros públicos injectados directa ou indirectamente no que era antes o Banif é de 2512 (=1766+746) milhões de euros.

4. A Comissão Europeia indica que o total de ajudas públicas pode ir até cerca de 3 mil milhões de euros, incluindo uma garantia pública de 323 milhões de euros. Mas a garantia pública aprovada pelo Banco de Portugal é de 746 milhões de euros, pelo que, na dúvida, nas estimativas aqui apresentadas optou-se por só considerar os montantes de ajudas públicas explicitamente referidos nas deliberações do Banco de Portugal. No pior cenário, que não é considerado nestas estimativas, as ajudas públicas totalizariam 3423 milhões de euros  a que acresceriam benefícios fiscais públicos de perto de mil milhões de euros (de activos por impostos diferidos) (1)

Parte II – O balanço financeiro do antigo Banif

O rácio de capital CET1 mínimo obrigatório é de 7%. O rácio de solvabilidade mínimo (que inclui outros instrumentos de capital) é de 8%. Em Setembro de 2015, o Banif declarava que tinha capital e reservas de 675 milhões de euros, rácio de capital CET1 de 8,5% e um rácio de solvabilidade de 9,5%, ou seja, os dois rácios de capital do Banif situavam-se bem acima do mínimo legal exigível.

O balanço do antigo Banif é aqui apresentado de forma simplificada dividindo os activos em duas categorias: activos de elevada liquidez, que tendem a conservar o seu valor e a exigir pouco capital; e em outros activos.

A classificação simplificada do balanço do Banif permite estimar o que ocorre, após a resolução bancária, ao rácio de alavancagem financeira (“leverage ratio”) e permite igualmente estimar, de forma aproximada mas conservadora (subestimando) o que ocorre ao rácio de capital CET1 do Banif (que designo Rácio de capital CET1 simplificado), que é o rácio relevante para regulação prudencial da banca.

A resolução bancária consiste na reestruturação de activos e passivos, constituindo imparidades adicionais para reflectir perdas nos “Empréstimos e outros activos”. Em consequência, o banco passaria a ter capitais próprios negativos. Após (i) a injecção de 2512 milhões de euros em dinheiros e garantias públicas, (ii) a imposição de perdas a accionistas e a credores subordinados e (iii) o pagamento de dívida aos Bancos Centrais, o balanço do antigo Banif passaria a ser de cerca de 9,2 mil milhões de euros, com capitais próprios de 1,1 mil milhões de euros.

O valor estimado para o rácio de capital do Banif – CET1 simplificado – passaria a ser 15,5%, cerca do dobro do mínimo legal exigível.

Note-se que o Banif, a 30.9.2015, já tinha constituído cerca de 1600 milhões de euros de imparidades nos seus activos líquidos. Mas a injecção de capitais públicos descrita acima, sugere a constituição de imparidades adicionais no montante de 2512 milhões de euros.

Foto

Este nível de imparidades é inacreditável – 4,1 em 11,0 mil milhões de euros de activos brutos – só seria possível se o Banif estivesse a “cozinhar” os livros e os auditores “a olhar para o lado”!

Admita-se, por hipótese, que as contas do Banif estavam “limpinhas e direitinhas” como afirma o seu antigo presidente. Então o balanço optimizado do antigo Banif passaria a ser o que está descrito na infografia.

Se o presidente do antigo Banif tiver razão, então o Banif, após a resolução passaria a ser um banco com rácio de capital CET1 que provavelmente estaria próximo dos 40% e teria capitais próprios de 3,6 mil milhões de euros!

Mas mesmo que o Banif estivesse a empolar os seus activos, por exemplo em 1,5 mil milhões de euros, e que fosse necessário constituir imparidades adicionais nesse montante, após a resolução e injecção de capitais públicos ter-se-ia: capitais próprios de cerca de 2,1 mil milhões de euros; e rácio de capital CET1 e rácio de solvabilidade mais de 3 vezes superior ao rácio de capital mínimo legalmente exigível.

Em síntese:

  • Se as contas do Banif estavam “limpinhas e direitinhas”, como defende o antigo presidente do banco, então, após a resolução, utilizando estimativas conservadoras, os capitais próprios do antigo Banif aumentariam para 3,6 mil milhões de euros e os rácios de capital CET1 para cerca de 40%, ou seja, 5 vezes os rácios mínimos legalmente obrigatórios – algo similar ocorre mesmo que existam imparidades adicionais significativas no balanço;
  • É estranho que a DG-Comp da Comissão Europeia, após uma análise que necessariamente demorou menos de um dia afirme que não existe ajuda estatal ao Santander e que, afinal, a ajuda estatal ao Banif, de 1100 milhões de euros, concedida em Janeiro de 2013, era legal;
  • O Santander compra um banco supercapitalizado pagando muito menos do que o valor contabilístico do banco. Por conseguinte, afigura-se que o objectivo primeiro da medida de resolução aplicada ao Banif não foi o saneamento deste banco mas sim a recapitalização do Santander, recorrendo a injecções de capital público no Banif;

Se assim tiver sido, existem vias para o Estado português procurar corrigir a situação e reaver uma parte significativa dos dinheiros públicos “investidos no Banif”.

[1] A medida de resolução limita os activos por impostos diferidos a adquirir pelo Santander a 179 milhões de euros, uma fracção do montante potencial desse tipo de activos. Parece que esses activos ficarão na Naviget (Banif intermédio), propriedade do Fundo de Resolução. Contudo, porque este ponto não é clarificado nas deliberações do Banco de Portugal, não se inclui a injecção de capitais públicos via “activos por impostos diferidos” nestas estimativas, que resultariam em activos líquidos, capitais próprios e rácios de capital mais elevados para o antigo Banif, do que aqui estimado.

Economista, professor universitário

A versão mais longa desta análise pode ser vista em http://blogues.publico.pt/tudomenoseconomia/