“A subvenção estatal não pode ser um tabu”

O papel do Estado na comunicação social em Portugal é reequacionada enquanto cenário para a viabilidade financeira das empresas pela presidente em exercício do Sindicato dos Jornalistas, Ana Luisa Rodrigues, que alerta: é a democracia que começa a estar em risco.

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Miguel madeira

Os tempos estão muito difíceis no sector, sucedem-se os anúncios de encerramentos, reestruturações. Quantos jornalistas deixaram a profissão nos últimos anos?
Este final de ano foi um toque a rebate; em duas semanas houve problemas em vários jornais e empresas de media, com notícias de despedimentos e de reestruturações que depois resultam em rescisões ditas amigáveis. Já tinha começado com a Impresa há umas semanas, depois o Diário Económico, o i e o Sol, e por último o PÚBLICO.

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Os tempos estão muito difíceis no sector, sucedem-se os anúncios de encerramentos, reestruturações. Quantos jornalistas deixaram a profissão nos últimos anos?
Este final de ano foi um toque a rebate; em duas semanas houve problemas em vários jornais e empresas de media, com notícias de despedimentos e de reestruturações que depois resultam em rescisões ditas amigáveis. Já tinha começado com a Impresa há umas semanas, depois o Diário Económico, o i e o Sol, e por último o PÚBLICO.

Estas questões não são novas. Um trabalho do Observatório da Comunicação, com dados da Comissão da Carteira Profissional e do Sindicato dos Jornalistas, concluiu que entre 2007 e 2014 mais de 1200 jornalistas perderam o emprego, o que representa cerca de 20% dos jornalistas registados na Comissão da Carteira.

Isso tem-se repercutido na qualidade dos conteúdos?
Tem um impacto, obviamente, no jornalismo que se faz. São menos olhos, menos mãos, menos cabeças, menos pessoas a pensar o nosso quotidiano. O sindicato tem feito alguns trabalhos, não tanto na percepção da qualidade do jornalismo – temos sobretudo colocado em cima da mesa as questões do trabalho e emprego do jornalismo, da precariedade. Fizemos inquéritos: um a jornalistas freelancers e precários mostrou que cerca de metade ganha perto do salário mínimo; no âmbito da negociação do contrato colectivo de trabalho para a imprensa, lançámos um inquérito online e percebemos que as condições de trabalho têm piorado.

O sindicato debruça-se sobre as condições de trabalho, mas têm que se tirar ilações. Defendemos um jornalismo livre e de qualidade como pilar da democracia. Os artigos 37.º e 38.º da Constituição, sobre a liberdade de informar e ser informado, são direitos fundamentais de todos os Estados democráticos. É evidente que tudo isto tem problemas na qualidade do trabalho. Se existem os mesmos programas informativos de TV, o número de páginas de jornais não diminuiu, as antenas de rádio têm os mesmos noticiários, e se se faz tudo isso com muito menos gente nas redacções, não deixa margem para a melhoria da qualidade.

O princípio constitucional de a comunicação social ser um pilar da democracia está em risco?
Há sérios riscos, mas não podemos aceitar que é um ponto de não retorno, isso seria desistir. Continuo a acreditar que por mais que o dia-a-dia nos coma o tempo, é fundamental continuar a fazer um jornalismo que pense, que vá além do óbvio, que não seja um mero repetir das notícias em todos os lados. É fundamental achar que não só é possível como é necessário levantarmo-nos contra este estado de coisas, e tem que ser uma convicção de que não podemos abrir mão. Nesta voragem informativa do ambiente digital, o trabalho jornalístico de contextualização é cada vez mais necessário.

Numa altura em que temos cada vez mais informação a circular e menos jornalistas, como se faz este casamento?
É um desafio, desde logo do ponto de vista do modelo de negócio e do financiamento. Não sei se todos os aspectos dos modelos tradicionais de negócio estão esgotados. É preciso olhar para os media e o jornalismo em concreto como um negócio que não é como os outros, há uma responsabilidade social das empresas jornalísticas que não é igual a outro tipo de empresas. Não se pode ter uma visão utilitária, como se uma empresa de comunicação social fosse uma fábrica. O impacto da redução de jornalistas e das redacções não é só no número de desempregados, mas também na saúde da própria democracia.

A ideia de subvenção pública faz sentido? Não há o perigo da governamentalização?
E porque é que não paira essa dúvida sobre o poder económico? O sindicato não tem ideias fechadas sobre isso. É evidente que temos que buscar outros modelos de negócio. O debate sobre as fontes de financiamento tem que ser aberto, as questões e as várias soluções têm que ser colocadas em cima da mesa. A subvenção estatal não pode ser um tema tabu, tem que ser levantado e discutido sem pejo, além de outras formas de mecenato.

A questão do financiamento é global e algumas respostas estão a ser ensaiadas noutros países. Como a Propublica, em que o jornalismo de investigação é financiado por mecenato, mas também outros órgãos, como em Espanha a infoLibre, ou em França, com órgãos na Net detidos por jornalistas.

Também é função do sindicato apontar isso.
Há muitas questões em cima da mesa: precariedade, desemprego, o degradar das condições de trabalho, os desafios. Vamos organizar um congresso dos jornalistas no final do ano onde vamos discutir, trabalhar as questões, ensaiar soluções, e a presidente vai ser a Maria Flor Pedroso (Antena 1). O último foi em 1998, num ambiente bastante diferente, quando quase não havia Internet nas redacções, e já se discutia a precariedade, que entretanto se agudizou brutalmente.

Vão propor alterações legislativas?
O que temos claro é que não será apenas para tomar o pulso à situação. É preciso que o jornalismo não seja comido pelo pragmatismo e pela voragem da informação que se repete e que se mantenha alguma visão romântica a par de uma dose de realismo. A informação de qualidade, a investigação, o ir para além da superfície só se faz com gosto, e é importante que ele não se perca. Recusamo-nos a pensar que ter esta visão do jornalismo é fora de moda, utópica.