É tudo uma questão de abordagem

As coisas mudam. A perspectiva é alterada. O gourmet chega e a mente do homem é descodificada. Que me lembre não havia menu infantil em bolo do caco

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São inúmeras as provas de que mudámos a nossa perspectiva em relação ao que nos oferece a cidade. É tudo uma questão de abordagem. Há que chamar as coisas pelos nomes. Mas o significado das palavras não é fixo, nem estático. Através da nossa querida imaginação, as palavras podem ganhar amplitude. Mas mais do que isso, é a forma como as coisas nos são apresentadas hoje em dia.

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São inúmeras as provas de que mudámos a nossa perspectiva em relação ao que nos oferece a cidade. É tudo uma questão de abordagem. Há que chamar as coisas pelos nomes. Mas o significado das palavras não é fixo, nem estático. Através da nossa querida imaginação, as palavras podem ganhar amplitude. Mas mais do que isso, é a forma como as coisas nos são apresentadas hoje em dia.

Lembro-me que ir a um telhado ou a um terraço era apenas quando a bola ia lá parar ou quando íamos dar voltas circulares com a bicicleta fazendo o tempo passar. Hoje em dia, se subo a um prédio vou lá beber Martini ou comer com vista para o rio. Ir ao mercado era chato. As senhoras tinham um avental azul às riscas brancas e falavam muito alto. Cheirava muito a peixe e a esfregão ao final do dia. Agora não. Temos aventais pretos com letras brancas em itálico, há música ao vivo e cheira a pica-pau com mostarda Dijon. Tasca era uma palavra que nos envergonhava. Tínhamos que esperar que o empregado levantasse o papel escrevinhado do cliente anterior, serviam vinho num jarro e cheirava a batata-frita. A Tasca de hoje leva um T Grande, é envidraçada, os copos são altos e cheira a batata regada em azeite de trufas.

Mexilhão dava-nos vómitos. Agora dá-nos estilo. Peixe cru dava a sensação de que a pessoa não tinha fogão mas agora é um vício. Palitos eram repugnantes. Mas hoje não teríamos como levar a carne ao molho e do molho à boca. Quiosque? Era para ler as gordas e comprar cigarros, não para beber uma imperial depois do trabalho. Um hambúrguer era para safar a criança à hora do almoço no menu infantil. Para fazer com que não chorasse. Tal como o prego, para nos safar do tempo que passava a correr. Que me lembre não havia menu infantil em bolo do caco. As coisas mudam. A perspectiva é alterada. O gourmet chega e a mente do homem é descodificada. “Embebedou-se com vinho” trazia-nos logo à cabeça a imagem e o rosto de um homem de barba com o nariz avermelhado aos soluços pela estrada. Nos dias de hoje, “embebedou-se com vinho” é perfeitamente natural que possa ter acontecido a alguém que acabou de sair de um cocktail de apresentação da nova linha de biquinis.

Mais do que as palavras, são as experiências, as tendências, as divergências e as exigências do quotidiano. Ter um cantinho soava-nos a pouco. Deduzíamos que alguém trabalharia em miseráveis condições num sítio fechado e pouco espaçoso. Agora? Vejam lá se o Avillez se queixa…