O ano que mudou a nossa política

Uma coisa é certa: Portugal termina 2015 de uma forma que muito poucos julgavam possível quando este ano começou, ou o outro ano antes deste, ou qualquer outro ano passado nos últimos quarenta anos. Em janeiro passado ouvimos dizer incontáveis vezes que seria impossível ocorrer um acordo entre as esquerdas para a governação do país. E, no entanto, aconteceu. Este foi, sem dúvida, o acontecimento nacional do ano, e as suas razões e consequências ainda não estão completamente exploradas.

“Toda a gente” pode dizer que uma certa coisa é assim porque foi sempre assim, ponto. E essa convicção geral é, por si só, uma força. Mas não uma força maior do que ir de novo aos fundamentos dessa suposta realidade e verificar, passo a passo, se ela é tão imutável assim.

Se o fizermos, rapidamente chegaremos à conclusão de que o muro entre as esquerdas já era frágil há muito tempo e aguentou muito mais do que deveria. Em primeiro lugar, esse muro não tinha apoio social: bastava falar com o povo de esquerda nas ruas para entender que a divisão à esquerda era circunscrita às direções partidárias. Em segundo lugar, quatro anos de governo da direita mais ideológica que tivemos desde o 25 de Abril serviram para provar na prática quão elevado era o preço que se pagava por essa divisão.

Aquilo que a opinião convencional sabia há um ano é que teríamos um governo de bloco central. Não é de mais lembrar o que isso significaria: cada um dos grandes partidos esconderia os defeitos do outro, política alternativa seria tomada por extremismo e a dificuldade em atingir uma maioria absoluta levaria certamente a uma reforma eleitoral para beneficiar os partidos do governo. Ou seja, teríamos um regime político em degenerescência. Salvámo-nos desse destino por pouco.

Uma vez introduzida a normalidade política na esquerda da política portuguesa, todavia, quem já negociou não pode voltar a dizer que jamais negociaria. Perdem validade o discurso do purismo ideológico, do lado do BE e do PCP, e o do voto útil, do lado do PS. Na busca de um posicionamento novo, podem estes partidos entender que é melhor alinharem esforços para conquistar o que os seus eleitorados desejam do que apenas fazê-lo para evitar o que receiam. A esquerda pode ser plural sem deixar de ser eficaz — assim o queira. E isso não mudou só a política do ano que passou, como a dos anos que estão para vir.

Só não mudou uma coisa. A banalidade é, e continuará a ser, uma força maior na análise política nacional. E é essa banalidade que permeia o comentariado e enche as televisões com muitas horas de tudo sobre quase nada onde, extraordinariamente, nunca parece encontrar-se tempo para uma tese inesperada ou original. Em relação às eleições legislativas do ano passado — como em relação às presidenciais do próximo — a única coisa que as televisões querem ouvir é aquilo que confirme o que já sabem. Esse é o maior risco para o ano que aí vem: que o banal se imponha como se fosse inevitável.
 

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Uma coisa é certa: Portugal termina 2015 de uma forma que muito poucos julgavam possível quando este ano começou, ou o outro ano antes deste, ou qualquer outro ano passado nos últimos quarenta anos. Em janeiro passado ouvimos dizer incontáveis vezes que seria impossível ocorrer um acordo entre as esquerdas para a governação do país. E, no entanto, aconteceu. Este foi, sem dúvida, o acontecimento nacional do ano, e as suas razões e consequências ainda não estão completamente exploradas.

“Toda a gente” pode dizer que uma certa coisa é assim porque foi sempre assim, ponto. E essa convicção geral é, por si só, uma força. Mas não uma força maior do que ir de novo aos fundamentos dessa suposta realidade e verificar, passo a passo, se ela é tão imutável assim.

Se o fizermos, rapidamente chegaremos à conclusão de que o muro entre as esquerdas já era frágil há muito tempo e aguentou muito mais do que deveria. Em primeiro lugar, esse muro não tinha apoio social: bastava falar com o povo de esquerda nas ruas para entender que a divisão à esquerda era circunscrita às direções partidárias. Em segundo lugar, quatro anos de governo da direita mais ideológica que tivemos desde o 25 de Abril serviram para provar na prática quão elevado era o preço que se pagava por essa divisão.

Aquilo que a opinião convencional sabia há um ano é que teríamos um governo de bloco central. Não é de mais lembrar o que isso significaria: cada um dos grandes partidos esconderia os defeitos do outro, política alternativa seria tomada por extremismo e a dificuldade em atingir uma maioria absoluta levaria certamente a uma reforma eleitoral para beneficiar os partidos do governo. Ou seja, teríamos um regime político em degenerescência. Salvámo-nos desse destino por pouco.

Uma vez introduzida a normalidade política na esquerda da política portuguesa, todavia, quem já negociou não pode voltar a dizer que jamais negociaria. Perdem validade o discurso do purismo ideológico, do lado do BE e do PCP, e o do voto útil, do lado do PS. Na busca de um posicionamento novo, podem estes partidos entender que é melhor alinharem esforços para conquistar o que os seus eleitorados desejam do que apenas fazê-lo para evitar o que receiam. A esquerda pode ser plural sem deixar de ser eficaz — assim o queira. E isso não mudou só a política do ano que passou, como a dos anos que estão para vir.

Só não mudou uma coisa. A banalidade é, e continuará a ser, uma força maior na análise política nacional. E é essa banalidade que permeia o comentariado e enche as televisões com muitas horas de tudo sobre quase nada onde, extraordinariamente, nunca parece encontrar-se tempo para uma tese inesperada ou original. Em relação às eleições legislativas do ano passado — como em relação às presidenciais do próximo — a única coisa que as televisões querem ouvir é aquilo que confirme o que já sabem. Esse é o maior risco para o ano que aí vem: que o banal se imponha como se fosse inevitável.