A sociedade aberta e os seus inimigos
A direita e a esquerda democráticas deveriam sublinhar o seu compromisso comum com a liberdade e a democracia ocidentais.
Esta é a última segunda-feira de Dezembro e a última de 2015. É também esta a minha última crónica no Público. Agradeço ao jornal e a Bárbara Reis terem-me acolhido ao longo dos últimos cinco anos, primeiro com as “Cartas de Varsóvia”, depois com as “Cartas do Atlântico”.
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Esta é a última segunda-feira de Dezembro e a última de 2015. É também esta a minha última crónica no Público. Agradeço ao jornal e a Bárbara Reis terem-me acolhido ao longo dos últimos cinco anos, primeiro com as “Cartas de Varsóvia”, depois com as “Cartas do Atlântico”.
Na hora do adeus, gostaria de recordar a linha condutora que procurei imprimir a estas crónicas: a defesa do Ocidente, do Atlantismo e da Europa, em associação com a defesa de um patriotismo não nacionalista, centrado na soberania dos Parlamentos nacionais. Em suma, a defesa da sociedade aberta contra os seus inimigos.
Todas estas causas estão hoje em declínio entre nós. É uma razão adicional para as defender. O culto da conformidade colectivista, ou do instinto da horda (como lhe chamou Karl Popper), não é bom conselheiro. No Ocidente, nós orgulhamo-nos de divergir.
E divergir é preciso. Antes de mais, é preciso divergir da patética aliança dos socialistas com a extrema-esquerda e os comunistas. É uma aliança contra-natura que foi recusada pelos socialistas nos quarenta anos da nossa democracia.
É bom deixar claro que não se trata de um governo ilegítimo, nem de qualquer tipo de fraude. A “geringonça” é legítima, uma vez que tem maioria parlamentar — ainda que intermitente, como observou Francisco Assis. O grande problema da “geringonça” é outro: trata-se de um arranjo terceiro-mundista que nos aproxima de experiências não recomendáveis.
É o caso da Grécia, em primeiro lugar. E pode vir a ser o caso de Espanha. A Grécia tem no Governo uma coligação de um partido de extrema-esquerda com um de extrema-direita. Ambos elogiam a Rússia. Na vizinha Espanha, as recentes eleições deram o terceiro lugar a um partido de extrema-esquerda, com mais de 20% dos votos, que também elogia a Rússia — e que descreve a União Europeia como uma “oligarquia capitalista”.
Talvez seja uma coincidência. Mas pode ser que não seja: duas democracias muito recentes, precedidas por ditaduras e guerras civis, assistem à erosão dos partidos que viabilizaram as transições democráticas — e à emergência de partidos anti-sistema que fazem a corte a regimes anti-ocidentais.
Por outro lado, enquanto o discurso da esquerda continua a radicalizar-se contra a “direita neo-liberal”, uma velha direita autoritária, anti-liberal e xenófoba reemerge paulatinamente em vários países europeus, a começar pela França. Discursa contra os mercados, a concorrência, o comércio livre. Reclama a intervenção do Estado na economia, a protecção dos produtos nacionais contra a concorrência externa… e até a garantia de reforma aos 60 anos.
Uma das origens do seu sucesso reside no discurso politicamente correcto que insiste na equivalência entre todas as tradições culturais, políticas, religiosas, estéticas ou outras. Umas são no entanto mais iguais do que outras. O cristianismo é afastado da praça pública — até o Natal é substituído pelas “saudações da estação”. Mas as chamadas “identidades particulares” são estimuladas — sobretudo se “pertencem” a culturas que o politicamente correcto descreve como tendo sido “oprimidas”, ou colonizadas, ou “exploradas” pelo Ocidente.
Este dogma politicamente correcto gera a legítima revolta das comunidades nativas europeias — sobretudo em zonas mais desfavorecidas em que a presença de comunidades imigrantes é mais patente, e onde cresce o fundamentalismo islâmico. Nestas condições, os partidos extremistas, sobretudo de direita, terão o terreno fértil para crescer, apresentando-se como os únicos defensores das raízes europeias das populações nativas.
Perante estes sinais muito preocupantes, a direita e a esquerda democráticas fariam bem em parar para reflectir. Fariam bem em sublinhar o seu compromisso comum com a liberdade e a democracia ocidentais. Deviam recordar o alerta lançado por Elie Halévy, nas suas eloquentes Rhodes Lectures, em Oxford, em 1929, acerca da contribuição mútua da política revolucionária e da política nacionalista para a emergência do que chamou “a era das tiranias”.
A Minha Europa, de Maria Filomena Mónica com fotografias de António Barreto (Esfera dos Livros), é um livro tocante e inspirador que recomendo a todos os que ainda acreditam na civilização europeia e ocidental. O capítulo mais tocante é, a meu ver, o que dedica a Inglaterra. “É difícil explicar o quanto devo à cultura, à tolerância e até à beleza do campo ingleses. (…) A Inglaterra mudou-me para sempre. De nenhum outro país é possível dizer o mesmo” (p. 159).