Ao volante no episódio de Comedians in Cars com Obama e Jerry Seinfeld
Como se preparou Seinfeld para o programa com o Presidente dos EUA, que se estreia no dia 30? O comediante quer captar o normal numa vida anormal. “Quero saber até quão longe ele pode andar de roupa interior até se tornar esquisito” na Casa Branca.
Jerry Seinfeld não conseguia livrar-se da sensação do espectáculo da noite anterior. Um público difícil num casino, explicou: “Foi como apunhalar um minotauro até à morte com uma faca de cozinha”. Mas agora estava em Washington, a entrar num Corvette Stingray de 1963 com mulheres na Avenida Constitution a gritar-lhe “que carro cool!” em vez de “Mulva?!”, a famosa expressão usada num episódio da sua série.
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Jerry Seinfeld não conseguia livrar-se da sensação do espectáculo da noite anterior. Um público difícil num casino, explicou: “Foi como apunhalar um minotauro até à morte com uma faca de cozinha”. Mas agora estava em Washington, a entrar num Corvette Stingray de 1963 com mulheres na Avenida Constitution a gritar-lhe “que carro cool!” em vez de “Mulva?!”, a famosa expressão usada num episódio da sua série.
“Uau, que carro”, disse Seinfeld, saindo do veículo perto do lago espelhado do Capitólio no início deste mês. “Mas que carro! É como comer um cachorro quente no 4 de Julho com Scott Carpenter [um dos primeiros astronautas]”. E foi por isso que ele o escolheu para guiar até à Casa Branca e dar uma boleia ao Presidente dos Estados Unidos, um dos próximos convidados da sua série na web Comedians in Cars Getting Coffee.
Tal como o título sugere, o número 1600 da Avenida Pennsylvania é um desvio da normalidade para a série de Seinfeld, que na última temporada contou com nomes como Jim Carrey, Steve Harvey ou a sua companheira de sitcom Julia Louis-Dreyfus a conduzir em carros vintage enquanto trocam piadas com a estrela. Mas este tipo de aparição especial no mundo do espectáculo – o episódio com Barack Obama estreia-se online no dia 30 – é business as usual para o Presidente, que colaborou com vários entertainers para comunicar as suas políticas, polir a sua imagem pública ou dar um empurrão para debates a nível nacional. Em 2014, esteve no programa que parodia os talks-shows Between Two Ferns, de Zach Galifianakis, para falar do site HealthCare.gov depois do seu lançamento atribulado. Este Verão, sentou-se na garagem de Marc Maron para uma entrevista para o seu podcast que tocou em vários temas, nomeadamente raça e racismo. E na semana passada esteve em Running Wild, um programa da NBC sobre natureza e aventura com o conhecido britânico Bear Grylls, para verbalizar as suas preocupações sobre as alterações climáticas.
Depois de Obama ter mencionado que Seinfeld é um dos seus comediantes favoritos no podcast de Marc Maron, Seinfeld brincou que a sua equipa de produção devia contactar a Casa Branca. O produtor executivo de Comedians in Cars fez exactamente isso. “Foi uma oportunidade de afastar a cortina e mostrar aos americanos como é a vida na Casa Branca”, disse o gabinete de imprensa do Presidente dos EUA em comunicado. “O Presidente e Jerry tiveram uma conversa única e franca que se centrou sobretudo no lado mais leve da presidência”.
Seinfeld foi para Washington um dia antes da gravação do programa com Obama para registar imagens pela cidade; ao contrário dos seus convidados habituais, este não podia andar sem destino com ele pelas ruas. Só dentro dos portões da Casa Branca.
No Capitólio, os turistas estavam a começar a notar a presença de Seinfeld - mas só depois de se terem dado conta do carro, uma miragem tremeluzente de azul metálico num pequeno parque de estacionamento no lado oeste do edifício. O seu vidro traseiro, divido ao meio, inclina-se numa espécie de curva dorsal que se assemelha ao seu nome de baptismo marinho – “Stingray” é uma raia. Foi emprestado por um ricaço do Connecticut que já tinha telefonado à equipa para perguntar como estava o seu bebé, que não saía da sua vista há 32 anos.
“As linhas”, disse um Seinfeld arrebatado, como se estivesse a descrever a Arca da Aliança. Assinalou a intimidade espacial entre a carroçaria do carro e as rodas – justo, mas não demasiado justo. Depois apontou para um Chevy Suburban nas imediações, um grande naco de metal preto que pertence à produção do programa.
“Vê quanto espaço há entre a roda e a carroçaria? É por isso que é deprimente. O que faz realmente falta no mundo são carros que podemos simplesmente contemplar”, disse, com as mãos na cintura das suas calças de ganga incaracterísticas, afastando para trás o blazer azul marinho. “Decidimos que é mais importante permanecer vivo do que ter um ar cool.”
Jerry Seinfeld adora comédia e carros – valoriza a busca de perfeição mecânica e de precisão – e há alguns anos combinou-os com o seu amor por café e lançou esta série, que consiste em vídeos curtos de pessoas cómicas e ricas a andar de carro em automóveis clássicos que só elas poderiam ter dinheiro para ter. Deu boleia a Ricky Gervais num Austin Healey 3000 azul-gelo de 1967. Deu boleia a Tina Fey num Volvo 1800S vermelho vivo de 1967.
E em menos de 24 horas daria boleia a Barack Obama no Stingray.
Estava nervoso.
“Ao longo dos anos aprendemos a comportar-nos quando somos tirados da nossa zona de conforto e colocados numa situação que envolve diferentes riscos e em que a parada é mais elevada”, disse Seinfeld. Mas antever estar com o Presidente dos Estados Unidos por 60 ou 90 minutos era diferente. “Não falo com ninguém sobre amanhã. Não quero falar nisso. Gosto de andar de um lado para o outro nos bastidores antes de entrar em palco, por isso ando a fazer isso há mais ou menos cinco dias”.
A equipa também estava nervosa, porque a Casa Branca parecia nervosa. A filmagem de Comedians in Cars foi combinada ao longo do Verão, mas agora o tiroteio de San Bernardino, na Califórnia, tinha acabado de acontecer; enquanto Seinfeld filmava cenas de ligação e imagens gerais, o Presidente preparava-se para uma comunicação ao país no horário nobre.
Seinfeld acompanha a política, mas a política não tem qualquer lugar nos seus números. As piadas políticas definham lentamente. Ele gosta que os seus sketches sejam verdejantes. Ainda assim, considera que o ponto alto da sua carreira foi actuar na Sala Leste em frente a Obama e Paul McCartney em 2010, e não consegue pensar noutro Presidente dos EUA que fosse tão bom para participar em Comedians in Cars.
“Ele fez um trabalho verdadeiramente bom nos seus monólogos nos jantares dos correspondentes – é assim que se qualifica para poder entrar no programa”, disse Seinfeld, referindo-se ao encontro anual dos jornalistas da Casa Branca, um evento formal mas conhecido pelo seu humor.
“Onde é que está o Kramer?”, gritou um turista de bigode que comia pipocas na esquina da Quarta Avenida e da Avenida da Independência quando o Stingray passava. “Onde está o Kramerrrr?”
Seinfeld, que está sempre à procura de um ângulo inovador para as câmaras, sugeriu colocar uma GoPro no limpa pára-brisas do Stingray. “Oh meu Deus, isso é genial”, disse depois, vendo as imagens captadas num parque de estacionamento ao pé do lago espelhado do Capitólio, com a voz a chegar àquele tom de histeria Seinfeldiano. “Olhem para esta imagem! Isto é tão engraçado. Vejam aquele ângulo maluco!”
Os turistas que se foram juntando começaram a gritar "Jerr-y! Jerr-y!" quando ele abria a porta do Stingray para guiar até ao Museu do Ar e do Espaço. Acenou-lhes, com os botões de punho a reluzir ao pôr-do-sol.
“Já não vinha aqui desde que era miúdo”, disse Seinfeld, apressando-se museu fora, de óculos escuros postos, para ir à casa de banho. Depois, já na caravana de quatro carros que descia o Tidal Basin, passava pelo memorial à II Guerra e rumo à estrada interestadual 66 e à auto-estrada George Washington. Os membros da equipa penduravam-se na porta lateral de uma carrinha para filmar os outros carros. Toda a gente estava ligada por walkie-talkies.
"Jerry, podes vir pela nossa direita?”
“Falharam uma saída.”
“Encontramo-nos em Gravelly Point."
Seinfeld conduziu o Stingray até à relva enquanto um jacto aterrava, chiando, no Reagan National Airport. O sol já quase tinha desaparecido. O ar esfriou em sua substituição. Seinfeld emergiu do carro e caminhou até ao seu carro de fuga, um SUV enfadonho de marca e modelo esquecível.
"Festivus para o resto de nós", gritou-lhe um ciclista vestido de lycra [sobre o feriado ficcional que se introduziria, com a ajuda de Seinfeld, na cultura popular e que parodia e enfatiza o lado menos comercial e suas pressões do Natal]. Seinfeld girou os dedos em direcção ao ciclista, porque não se merece mais reconhecimento que isso se o melhor que consegue fazer é disparar uma citação desse tipo.
O comediante estava cansado. A equipa ainda iria filmar o carro no lusco-fusco, parado junto ao rio Potomac, mas ele dirigir-se-ia ao hotel e pediria comida no quarto, onde poderia continuar a andar de um lado para o outro e preparar-se. Os temas para a conversa com o Presidente seriam quotidianos. Seinfeld queria apreender o normal numa vida anormal, o nada no tudo.
“Quero saber até quão longe ele pode andar de roupa interior até se tornar esquisito”, disse Seinfeld do assento da frente do SUV. “E consegue mesmo dormir-se bem naquele sítio? Para mim, dormir na Casa Branca é como [o filme] À Noite no Museu. E tenho outra pergunta: Alguma vez está a falar com alguém e pensa ‘Este gajo é doido’?”
No dia seguinte, tudo correu conforme o planeado. Obama guiou o Stingray nos terrenos da Casa Branca. O par conversou numa sala de jantar na cave e Seinfeld fez perguntas sobre as rotinas da casa de banho presidencial e a diferença entre o lixo presidencial e o lixo não-presidencial.
“Foi uma experiência fora-do-corpo para mim”, disse Seinfeld ao telefone depois da gravação. “Não sou um tipo que goste de honras. Na verdade, detesto qualquer tipo de honraria. O facto de poder ser comediante, isso é uma honra. Mas isto foi uma honra: que [Obama] estivesse bem comigo, que tenha confiado em mim para fazer alguma comédia com ele na verdadeira Casa Branca”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post