Tribunal de Contas revela fragilidades financeiras dos Açores

Juízes não conseguiram perceber se foram ultrapassados limites legais ao endividamento, por não lhes ter sido fornecida informação suficiente.

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O Governo regional liderado por Vasco Cordeiro discorda do TdC em muitos casos RUI SOARES

Não é tranquilizadora a análise que o Tribunal de Contas fez às finanças da região autónoma dos Açores em 2014.

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Não é tranquilizadora a análise que o Tribunal de Contas fez às finanças da região autónoma dos Açores em 2014.

A um agravamento do défice soma-se um “elevado desequilíbrio de exploração e endividamento” da quase totalidade das empresas públicas. “A dívida titulada pelos hospitais (471 milhões de euros), empresas do grupo SATA (228,9 milhões) e pela Sociedade de Promoção e Reabilitação e Infra-estruturas (177,3 milhões) corresponde a 44% da dívida global, o que consubstancia riscos elevados para as finanças públicas regionais”, pode ler-se no relatório sobre a conta da região autónoma do ano passado.

E o futuro também não se afigura muito risonho: os encargos das parcerias público-privadas e dos contratos de desenvolvimento com a administração local totalizaram quase 600 milhões – o equivalente a 16,2% do Produto Interno Bruto da região autónoma em 2013 – e terão um impacto directo nos orçamentos regionais até 2039. No sector público administrativo, as necessidades de financiamento para a amortização da dívida financeira no período 2015-2019 ascendem a 701,7 milhões. “A elevada concentração da dívida do sector público administrativo no período até 2018 poderá constituir um factor de risco para a estabilidade das finanças públicas regionais” em caso de dificuldades de acesso aos mercados financeiros, alerta o tribunal. As demonstrações financeiras do ano passado “evidenciam a degradação da situação económica e financeira” de parte substancial das empresas públicas, algumas das quais, como a Sinaga, a Pousadas de Juventude e a SATA, “não conseguiram gerar os recursos necessários para a cobertura dos gastos operacionais”.

Os juízes mostram-se incapazes de verificar se foram ou não ultrapassados os limites legais ao endividamento: tal como noutras matérias, também aqui não lhes foi fornecida informação que permita aferir do cumprimento destas disposições legais. Um empréstimo até ao montante de 1,2 milhões de euros que o Fundo Regional para a Ciência e Tecnologia contraiu para fazer face a dificuldades de tesouraria não foi inscrito como devia ter sido nas contas oficiais nem submetido a visto prévio do Tribunal de Contas. O Governo regional liderado por Vasco Cordeiro, que sucedeu ao também socialista Carlos César em 2012, alegou não ter tido consciência dessa obrigação, mas em muitas outros casos discorda das apreciações do TdC.

O próprio orçamento da região para 2014 aprovado pela Assembleia Legislativa “não observou a regra do equilíbrio, reflectindo um saldo global negativo” da ordem dos 30,3 milhões de euros. Isso mesmo fez questão de dizer o presidente em exercício do Tribunal de Contas, Carlos Morais Antunes, quando este mês se deslocou a Ponta Delgada para entregar este parecer à presidente da Assembleia Legislativa. O magistrado falou ainda da renitência dos governantes da região autónoma em cumprirem as directivas deste tribunal: das 16 recomendações feitas “apenas duas foram acolhidas totalmente e uma parcialmente”. Mesmo reconhecendo que algumas delas não são fáceis de executar, Carlos Morais Antunes deixou um aviso: “O seu incumprimento reiterado pode justificar eventual responsabilidade financeira” dos prevaricadores. Além de dados sobre o cumprimento dos limites do endividamento, os juízes querem informação que lhes permita, por exemplo, analisar com detalhe a atribuição e eficácia das subvenções públicas. Ao certo, sabe-se que os 12 maiores beneficiários dos subsídios do Governo regional absorveram 16,8 milhões de euros, correspondentes a 16,6% do total de subvenções. Uma empresa de produção de biocombustíveis e um lar de idosos lideram a lista de beneficiários.

Até aqui a gestão financeira dos Açores tinha vindo a ser apresentada como contraponto positivo da situação da Madeira. Apesar de todos os reparos, o Tribunal de Contas atribuiu às contas de 2014 da região um parecer globalmente favorável, muito embora com reservas.