Chico Buarque é insultado por jovens na rua por causa do seu apoio ao PT
O cantor não comentou publicamente o incidente. Limitou-se a partilhar no Facebook uma das suas canções mais famosas. Vai Trabalhar, Vagabundo.
Quando se é Chico Buarque, herói da MPB, cantor de protesto na ditadura militar, escritor, celebridade “reconhecível a milhas marítimas de distância”, como escreveu o jornalista Eric Nepomuceno, ser abordado na rua é inevitável. Mas na segunda-feira à noite, o cantor de 71 anos foi hostilizado por um grupo de jovens quando saía de um restaurante no Leblon, bairro de classe alta do Rio de Janeiro. “Você é um merda”, disse um dos jovens, dirigindo-se ao cantor. "Quero ouvir da sua boca: quem apoia o PT o que é?", pergunta o mesmo interlocutor, numa referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), que preside ao governo do país há 13 anos, e que Chico Buarque apoia publicamente. “É um petista”, responde Chico. “É um merda”, rebate o jovem.
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Quando se é Chico Buarque, herói da MPB, cantor de protesto na ditadura militar, escritor, celebridade “reconhecível a milhas marítimas de distância”, como escreveu o jornalista Eric Nepomuceno, ser abordado na rua é inevitável. Mas na segunda-feira à noite, o cantor de 71 anos foi hostilizado por um grupo de jovens quando saía de um restaurante no Leblon, bairro de classe alta do Rio de Janeiro. “Você é um merda”, disse um dos jovens, dirigindo-se ao cantor. "Quero ouvir da sua boca: quem apoia o PT o que é?", pergunta o mesmo interlocutor, numa referência ao Partido dos Trabalhadores (PT), que preside ao governo do país há 13 anos, e que Chico Buarque apoia publicamente. “É um petista”, responde Chico. “É um merda”, rebate o jovem.
A discussão foi gravada num telemóvel e divulgada terça-feira num site de celebridades. As redes sociais amplificaram o episódio, com comentários e memes, vendo nele mais uma lamentável confirmação do clima de ódio e polarização política que dividiu o Brasil no último ano, sobretudo desde as eleições presidenciais de 2014, que deram uma vitória sofrida e tangencial a Dilma Rousseff, cuja legitimidade governativa está a ser posta em causa por um processo de impeachment. No início deste mês, Chico Buarque subscreveu um abaixo-assinado de vários artistas contra o impeachment de Dilma.
O realizador Cacá Diegues, um dos fundadores do Cinema Novo brasileiro, que fazia parte do grupo de amigos que jantou com Chico, resumiu o episódio como “um sinal de como está o país, onde ninguém quer o diálogo". "Não se trata de estar certo ou errado, mas de poder expressar suas ideias. Essa coisa de que, se você não pensa igual ao outro você não presta, é nazista. Não havia uma discussão com argumentos, eles não deixavam o Chico falar”, disse à Folha de São Paulo.
Segundo a imprensa brasileira, Chico Buarque tinha acabado de jantar num restaurante no Leblon com um grupo de amigos que incluía Cacá Diegues, Eric Nepomuceno, o músico Edu Lobo e Miguel Faria Jr., realizador de um recente documentário sobre o cantor, Chico – Artista Brasileiro, que ainda está em cartaz nos cinemas do Rio de Janeiro. Segundo Cacá Diegues e Eric Nepomuceno, o cantor começou a ser provocado assim que saiu do restaurante e atravessou calmamente a rua para dialogar com os jovens que gritavam “petista”, termo pejorativo com que a direita brasileira se refere aos simpatizantes do PT. Chico mostra-se diplomático e cordial, sorri, aperta mãos, pergunta os nomes dos seus interlocutores. Um deles é um rapper e ex-namorado de uma actriz de telenovelas da Globo, Tulio Dek. Outro é filho de um empresário e apresentador de televisão, Álvaro Garnero. Num comentário sobre o incidente que escreveu para a Carta Maior, portal de esquerda, Eric Nepomuceno descreveu-os como “um grupo de garotões cuja profissão principal é ser filho de pai rico”.
Durante a discussão, um dos jovens grita que “o PT é bandido!”, ao que Chico responde: “Acho que o PSDB é bandido, e agora?". O PSDB é o partido do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e de Aécio Neves, que disputou as últimas eleições presidenciais com Dilma. Noutro momento, o cantor recomenda a um dos jovens: “Procure se informar mais porque, com base na revista Veja, você não vai chegar muito longe”. A Veja é uma revista de informação semanal, a mais lida no Brasil, alinhada com sectores conservadores. Uma das suas recentes capas exibia uma fotomontagem do ex-Presidente Lula da Silva vestido com farda prisional.
Um dos jovens, que se identifica como Guilherme Mota, diz a Chico, num tom crítico: "Para quem mora em Paris, é fácil". O cantor vive no Leblon, a poucos minutos do local onde ocorreu a discussão.
“Mais grave é saber que não foi a primeira nem a décima ocasião, e também não terá sido a última”, escreveu Eric Nepomuceno na Carta Maior. “O país está polarizado como poucas vezes esteve nos últimos 50 ou 60 anos. O grau de agressividade, de furiosa intransigência dessa direita recém-saída de um imenso armário – certamente embutido – é o que mais chama a atenção.”
Chico Buarque não comentou publicamente o caso. Limitou-se a partilhar no seu Facebook oficial um vídeo do YouTube com uma das suas canções mais famosas. Vai Trabalhar, Vagabundo.
Lula e Dilma publicaram mensagens nas suas páginas de Facebook, solidarizando-se com Chico Buarque. "É muito triste ver a que ponto o ódio de classe rebaixa o comportamento de alguns que se consideram superiores, mas não passam de analfabetos políticos", escreveu Lula, que termina citando a letra de uma música de Chico: "Apesar de vocês, amanhã há-de ser outro dia".