Abono de família continua em queda: num ano, menos 48 mil crianças
Dados da Segurança Social não eram actualizados desde Julho. Secretária de Estado quer perceber o que se passa com o abono de família. Cortes no RSI também atingem em especial as crianças.
A redução do número de crianças e jovens abrangidas pelo abono de família tem sido uma constante. E em 2015 voltou a acontecer: menos 48 mil beneficiaram desta prestação que tem como objectivo compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens. É o que mostram as estatísticas da Segurança Social, a que o PÚBLICO teve acesso, e que serão divulgadas nesta quarta-feira.
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A redução do número de crianças e jovens abrangidas pelo abono de família tem sido uma constante. E em 2015 voltou a acontecer: menos 48 mil beneficiaram desta prestação que tem como objectivo compensar os encargos familiares respeitantes ao sustento e educação das crianças e jovens. É o que mostram as estatísticas da Segurança Social, a que o PÚBLICO teve acesso, e que serão divulgadas nesta quarta-feira.
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É certo que em anos anteriores a redução do universo de beneficiários tinha sido bem mais acentuada. Por exemplo, em 2010, ano em que as famílias com mais rendimentos (dos 4.º e 5.º escalões) passaram a estar excluídas deste apoio, o corte foi superior a 384 mil crianças e jovens. Mas ao contrário do que se passou então, no período mais recente não houve mudanças significativas nas regras do abono, como nota a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim E mesmo assim, passou-se de pouco menos de 1,167 milhões de crianças e jovens com abono de família, em Novembro de 2014, para pouco mais do que 1,118 milhões, em Novembro de 2015. Ou seja: menos 4%.
“Esta é uma prestação que vamos ter de avaliar com atenção. Porque o abono de família, ao contrário do Rendimento Social de Inserção (RSI) e do Complemento Solidário para Idosos (CSI) não sofreu grandes alterações legislativas nestes quatro anos”, diz Cláudia Joaquim. Admitindo que a redução da natalidade possa ter algum impacto [apesar de o Instituto Ricardo Jorge já ter revelado que este ano os nascimentos aumentaram], isso não explicará tudo. “Ainda não tivemos oportunidade de ver com detalhe, mas de facto há aqui uma tendência de diminuição do abono que é difícil de compreender e sobre a qual o PS, ao longo dos últimos quatro anos, questionou bastante o anterior Governo.”
Pode ter a ver, continua, “com procedimentos, com a prova escolar, porque é em Setembro que ela é feita e depois há sempre um aumento nos meses a seguir”, admite. Mas os números de 2015 mostram que em todos os meses do ano, e não apenas no arranque das aulas, o universo de beneficiários do abono esteve abaixo do ano anterior.
No seu programa, o actual Governo compromete-se a aumentar os montantes do abono de família. Questionada sobre se haverá também a reposição do apoio para as famílias do 4.º e 5.º escalões, a secretária de Estado limita-se, para já, a responder o seguinte: “O que está no programa do Governo é uma avaliação do abono de família” que deverá acontecer “rapidamente” — “Há um conjunto de medidas relacionadas com as crianças e elas vão ser todas analisadas de forma integrada.”
Actualmente, o valor do abono varia conforme a idade das crianças e o rendimento dos pais. No máximo, chega a 140 euros por mês, para crianças até um ano de idade que pertençam a famílias do escalão mais baixo de rendimentos (ou seja, com um rendimento de referência de até 209 euros mensais), passando a 35 euros a partir dos 36 meses.
Crianças são quem mais perde RSI
Quem não se surpreende nada com mais um corte no universo dos beneficiários do abono é Amélia Bastos, investigadora do Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa, que tem estudado nos últimos anos as questões relacionadas com a pobreza infantil. “Não é mais do que o reflexo das políticas de combate à pobreza, se é que lhes podemos chamar assim, do anterior Governo. Políticas marcadas pelo carácter assistencialista — ‘tem fome, dá-se de comer’ —, associadas a uma redução das prestações sociais”, diz. O impacto nas crianças, sublinha, tem sido tremendo.
Olhe-se para outra prestação, destinada a atenuar situações de grave carência económica, retratada pelos números agora divulgados: os cortes no RSI resultaram, nos últimos cinco anos, numa redução de 40% no número total de beneficiários (para cerca de 206 mil em Novembro passado). Esta redução atenuou-se no último ano — foi de 0,11% face a Novembro 2014. Mas quando se põe o foco apenas nos beneficiários com menos de 18 anos, o cenário é diferente. Em Novembro de 2015, havia 66.665 menores abrangidos pelo RSI, contra 131.507 cinco anos antes (ou seja, menos 49%) e contra quase 70 mil um ano antes (ou seja, menos quase 5%).
“Em Fevereiro de 2013 a Comissão Europeia recomendou aos Estados-membros que dessem especial atenção ao grupo etário das crianças, porque era o que estava a ser mais atingido pela crise”, lembra Amélia Bastos. “Em Portugal fez-se completa tábua rasa, essa recomendação não teve qualquer impacto.” E mais de um quarto das crianças estão em risco de pobreza, sublinha.
CSI pouco divulgado
A última actualização das estatísticas da Segurança Social tinha sido feita em Julho. Daí em diante, e durante o período da campanha eleitoral para as eleições legislativas, não foi possível avaliar a evolução das diferentes prestações sociais. A partir de agora, a intenção do Governo é que estas estatísticas passem a ser disponibilizadas online “até ao dia 20 de cada mês”, fez saber a secretária de Estado da Segurança Social, Cláudia Joaquim.
Os dados que fazem o retrato das prestações sociais até Novembro mostram que também no que diz respeito ao CSI o universo de beneficiários voltou a encolher. Em Novembro passado havia 166 mil idosos abrangidos, menos 2,86% do que um ano antes. “A alteração do valor de referência [dantes podia receber CSI quem tivesse rendimentos até 5022 euros/ano, em 2013 o valor passou para 4909 euros/ano] teve dois impactos: excluir idosos da prestação e diminuir a prestação aos que a estavam a receber. Mas o facto de a prestação ter sido pouco ou nada divulgada e não ter havido uma sensibilização” também contribui para que ela chegue a menos pessoas, diz a secretária de Estado. “É necessário que a Administração Pública tenha campanhas e divulgue o CSI porque estamos a falar de um público particular que tem muito mais tendência a estar excluído e a não ter conhecimento dos direitos de que pode beneficiar. Essa é uma vertente em que queremos apostar. Em paralelo com a alteração do valor de referência.”