Tribunal Europeu condena Estado português em caso de negligência médica
Homem morreu após uma operação para extracção de pólipos nasais, em 1998. Processos arrastaram-se durante vários anos em tribunal.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português ao pagamento de uma indemnização de 39 mil euros, por danos morais, à viúva de um homem que morreu com uma septicemia (infecção generalizada), após uma operação para extracção de pólipos nasais, há quase duas décadas, em 1998.
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O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) condenou o Estado português ao pagamento de uma indemnização de 39 mil euros, por danos morais, à viúva de um homem que morreu com uma septicemia (infecção generalizada), após uma operação para extracção de pólipos nasais, há quase duas décadas, em 1998.
Depois de ter recorrido a todas as instâncias possíveis em Portugal por acreditar que a morte do marido se devera a sucessivos actos de negligência médica, sem que os tribunais e a Ordem dos Médicos lhe dessem razão, Isabel Fernandes decidiu queixar-se ao TEDH em 2013, invocando o artigo 2 (direito à vida) da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Pôs ainda em causa a demora dos processos judiciais que interpôs e que se arrastaram anos a fio e por não ter obtido esclarecimentos sobre a causa exacta da morte do marido.
O TEDH veio agora dar-lhe razão, por considerar que houve violação do artigo do direito à vida, e devido ao facto de as averiguações efectuadas não terem permitido estabelecer um nexo de causalidade entre os problemas de saúde do doente e a cirurgia a que tinha sido submetido. Concluiu também o tribunal europeu que o sistema jurídico português não funcionou “de uma maneira efectiva”, devido à demora dos vários processos judiciais interpostos pela viúva.
Sem querer "especular sobre as hipóteses de sobrevivência" do marido de Isabel Fernandes, os juízes do TEDH defendem que a falta de coordenação entre o serviço de otorrinolaringologia e o serviço de urgências do hospital onde foi operado revelam "um disfuncionamento" do serviço hospitar público, privando o paciente da possibilidade de acesso aos serviços de urgência "apropriados".
Este é mais um caso paradigmático de demora do funcionamento da justiça portuguesa. A história começa em 27 de Novembro de 1997, quando o marido de Isabel Fernandes foi sujeito a uma operação para a extracção de pólipos nasais no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia. A operação decorreu sem incidentes e ele foi para casa no dia seguinte. Mas começou a sentir fortes dores de cabeça e nesse mesmo dia procurou ajuda no serviço de urgência do centro hospitalar, onde os médicos lhe receitaram tranquilizantes.
No dia seguinte, foi examinado por nova equipa médica, que lhe diagnosticou uma meningite bacteriana. Foi transferido para a unidade de cuidados intensivos em 5 de Dezembro, ainda passou para uma enfermaria e deixou o hospital em 13 de Dezembro, porque o seu estado de saúde foi considerado estável. Mas as dores persistiam e acabou por voltar três vezes ao serviço de urgência. Em 3 de Fevereiro deixou a unidade de saúde, mas o seu estado piorou e em 17 de Fevereiro foi internado no Hospital de Santo António (Porto), onde morreu em 8 de Março com uma septicemia.
Isabel Fernandes nunca se conformou com a morte do marido. Queixou-se à Inspecção-Geral da Saúde (IGS), que abriu um inquérito e produziu dois relatórios, um de 2002 e outro de 2005, em que se conclui que o doente tinha sido tratado de forma correcta. Ela contestou e, na sequência de novas averiguações, a IGS conclui que um dos médicos que o tratou "não agiu com a prudência e zelo que se impunha" e o clínico foi alvo de um processo disciplinar, recorda o TEDH.
A viúva queixou-se também à Ordem dos Médicos (que não considerou haver matéria para avançar com um processo) e avançou para os tribunais. Em Janeiro de 2009, o tribunal que apreciou o caso considera não haver elementos para imputar responsabilidade penal ao médico alvo de processo dsiciplinar na IGS. Antes, em Março de 2003, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (para onde Isabel tinha avançado também com uma acção cível) não lhe reconhece razão. A viúva ainda recorrer para o Supremo Tribunal Administrativo, sem sucesso (sentença de Fevereiro de 2013).
Sobre toda esta demora processual, os juízes do TEDH enfatizam que na inspecção da saúde foram necessários "dois anos" para a abertura de um inquérito, "um ano suplementar para desigar um inspector" e "quatro anos" para concluir o primeiro relatório final. Confrontada com este atraso, criticam, a viúva apenas pode avançar com os processos penal e cível quatro e cinco anos após a morte e, por isso, a audição do pessoal médico apenas se concretizou vários anos após os factos, o que "pode ter comprometido a fiabilidade dos testemunhos". Também estes dois processos se arrastaram nos tribunais, o penal, mais de seis anos, e o de responsabilidade civil, "um pouco menos de dez anos", frisam.