Parecer contraria despacho de Maria Luís sobre salário de inspector-geral das Finanças
Documento aprovado pelo ex-secretário de Estado da Administração Pública mostra que Maria Luís Albuquerque não podia ter autorizado inspector-geral a manter salário do Tribunal de Contas.
A autorização dada no mês passado por Maria Luis Albuquerque ao inspector-geral de Finanças para que possa ganhar mais 1110 euros mensais, com efeitos retroactivos a Janeiro, contraria um parecer dos seus serviços que foi homologado pelo secretário de Estado da Administração Pública há oito meses.
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A autorização dada no mês passado por Maria Luis Albuquerque ao inspector-geral de Finanças para que possa ganhar mais 1110 euros mensais, com efeitos retroactivos a Janeiro, contraria um parecer dos seus serviços que foi homologado pelo secretário de Estado da Administração Pública há oito meses.
O parecer em causa foi solicitado no dia 4 de Fevereiro, por e-mail, pelo então secretário de Estado do Orçamento, Hélder Reis, ao então secretário de Estado da Administração Pública, Leite Martins, ambos membros da equipa da ministra das Finanças. O primeiro tutelava a Inspecção-Geral de Finanças (IGF) e o segundo tinha a seu cargo a Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público (DGAEP), entidade para a qual reenviou o pedido de Hélder Reis, a fim de o mesmo aí ser apreciado.
O pedido visava a emissão de um parecer sobre “a possibilidade dos nomeados para cargos de direcção superior, que tenham uma relação jurídica de emprego público, poderem optar pela remuneração do cargo de origem”. A questão tinha sido suscitada no mês anterior por um pedido do novo inspector-geral de Finanças, Vítor Braz, que acabara de ser nomeado pela ministra das Finanças em regime de comissão de serviço pelo período de cinco anos.
Vítor Braz estava a cumprir uma comissão de serviço como auditor-chefe do Tribunal de Contas, a qual terminaria no final de 2016, e requerera autorização para receber o vencimento correspondente a este cargo, em vez daquele que cabe ao cargo de inspector-geral de Finanças. A diferença entre um e outro era de 1110 euros mensais, dado que no tribunal a sua remuneração ilíquida era de 4.844 euros, sem despesas de representação, enquanto na IGF teria direito apenas a 3.734 euros mais 778 euros de despesas de representação, num total de 4512 euros. Ficando com a remuneração base de auditor chefe manteria as despesas de representação, o que daria 5652 euros, ou seja mais 1110 euros.
Face às dúvidas jurídicas sobre a possibilidade de alguém nesta situação manter a remuneração anterior, o assunto foi colocado à DGAEP. A resposta veio pouco depois, num parecer de seis páginas, e não podia ser mais clara: “No que concerne ao caso concretamente colocado pelo secretário de Estado do Orçamento, considera-se que o dirigente em cargo de direcção superior em causa não poderá optar pela remuneração do cargo de origem, caso este seja de natureza transitória, apenas podendo exercer o direito de opção pela remuneração correspondente à situação jurídica-funcional de origem constituída por tempo indeterminado”, conclui a jurista autora do parecer.
Sendo certo que Vítor Braz pretendia receber pelo cargo de auditor-chefe no qual se encontrava em comissão de serviço — situação que, segundo o documento, “se caracteriza pela transitoriedade e pela ‘provisoriedade’” — , tal nunca seria possível, uma vez que só pode optar dessa maneira quem antes se encontre numa situação constituída por tempo indeterminado.
Nos termos do parecer, nas situações como a do actual inspector-geral “não se coloca sequer a questão do ex-titular do cargo poder optar pela remuneração do mesmo, uma vez que com a cessação da comissão de serviço [que ocorre “caso se verifique a tomada de posse seguida de exercício, a qualquer título, de outro cargo ou função”] cessaram os direitos decorrentes do seu exercício, designadamente o direito à remuneração correspondente”.
Com esta conclusão concordou dias depois a chefe de divisão Isabel Figueira e a directora-geral da DGAEP, Joana Ramos. No dia 10 de Março foi a vez de Leite Martins — que antes de ser secretário de Estado ocupara o lugar de inspector-geral de Finanças — exarar a sua concordância com o parecer, determinando simultaneamente a sua remessa ao secretário de Estado do Orçamento.
Maria Luis acabou por assinar, mas a 22 de Outubro, o despacho que permitia a Vítor Braz receber a remuneração de origem. “Na sequência do meu despacho nº 442/2015, de 6 de Janeiro de 2015, e face ao pedido apresentado antes daquela data, autorizo o dirigente nomeado por esse despacho a optar pela remuneração do cargo de origem, determinada nos termos dos nºs 3 e 5 do artigo 31º da Lei nº 2/2004, de 15 de Janeiro, com efeitos à data da respectiva designação”, lê-se no despacho, assinado pela então ministra das Finanças e publicado no Diário da República a 5 de Novembro. O dirigente nomeado pelo despacho nº 442/2015 é precisamente o inspector-geral de Finanças.
Como a competência para autorizar a opção requerida por Vítor Braz era de Maria Luis Albuquerque, o parecer que a impedia dificilmente terá deixado de ser remetido ao seu gabinete. O PÚBLICO questionou a agora deputada sobre se teve, ou se devia ter tido, conhecimento deste documento, mas não obteve resposta.
Em Novembro do ano passado, já o Conselho Consultivo da Procuradoria-geral da República se pronunciara em abstracto sobre a questão analisada pela DGAEP, concluindo exactamente no mesmo sentido, como o PÚBLICO noticiou no passado dia 2.
O despacho de Maria Luis Albuquerque que autoriza Vítor Braz a receber a remuneração de base do Tribunal de Contas, com efeitos a partir de Janeiro deste ano, foi assinado no dia 22 de Outubro, já depois das eleições legislativas, e foi publicado no Diário da República no dia 5 de Novembro.
Face ao parecer da DGAEP, o PÚBLICO contactou Vítor Braz na semana passada. Em resposta, o seu gabinete remeteu para um comunicado pouco antes publicado no site da IGF. No documento, não assinado, nem datado, lê-se que o despacho de Maria Luís Albuquerque “não atribui automaticamente qualquer remuneração, apenas constitui condição para o interessado poder obter o reconhecimento, inclusive pela via judicial, da validade da sua pretensão”.
Vítor Braz sublinha que “aufere a remuneração correspondente ao cargo que actualmente exerce” e diz que só irá optar pelo salário anterior "após o reconhecimento do respectivo direito pelo órgão jurisdicional competente, contribuindo para a certeza e segurança jurídicas em matéria que afecta quer os seus direitos e garantias, quer os dos restantes dirigentes da administração pública”.
O documento cita o artigo 31.º do Estatuto do Pessoal Dirigente, segundo o qual é possível “mediante autorização expressa no despacho de designação, optar pelo vencimento ou retribuição base da sua função, cargo ou categoria de origem”, embora reconheça que este não é o entendimento da PGR e da DGAEP.
Em defesa da posição de Vítor Braz, o comunicado salienta que estes pareceres não foram homologados pela ministra das Finanças e sustenta que a autorização de opção pela remuneração de origem "é prática comum na designação de dirigentes da administração pública", exemplificando, entre outros, com os casos dos dirigentes do Instituto Nacional da Propriedade Industrial, designados pela ministra da Justiça em Julho deste ano.