Goya, um maravilhoso retratista

Goya foi um mestre do retrato e a prova disso é Goya: The Portraits, a exposição da National Gallery de Londres que é já uma sensação. Uma iniciativa inédita da instituição britânica que conseguiu o empréstimo de várias das obras do espanhol espalhadas pelo mundo.

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A crítica é unânime: é a exposição do ano no Reino Unido, uma das melhores da década. Goya: The Portraits, na qual a National Gallery de Londres nos dá o mestre espanhol como retratista, é a sensação do calendário internacional das artes neste Inverno. Nunca antes, Francisco de Goya (1746-1828), considerado por muitos como o último dos clássicos e o primeiro dos modernos espanhóis, tinha tido uma exposição focada apenas nos seus retratos e é por isso também que a mostra de Londres surpreende. São 70 obras, oriundas das mais diversas colecções (privadas e públicas), reunidas pela primeira vez num só espaço. São sete salas nas quais a vida de Goya se cruza com a história do seu país.

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A crítica é unânime: é a exposição do ano no Reino Unido, uma das melhores da década. Goya: The Portraits, na qual a National Gallery de Londres nos dá o mestre espanhol como retratista, é a sensação do calendário internacional das artes neste Inverno. Nunca antes, Francisco de Goya (1746-1828), considerado por muitos como o último dos clássicos e o primeiro dos modernos espanhóis, tinha tido uma exposição focada apenas nos seus retratos e é por isso também que a mostra de Londres surpreende. São 70 obras, oriundas das mais diversas colecções (privadas e públicas), reunidas pela primeira vez num só espaço. São sete salas nas quais a vida de Goya se cruza com a história do seu país.

Há muito tempo que conhecemos muitos dos seus retratos mas provavelmente nunca olhámos para eles como um todo, até porque estes são apenas uma parte da vasta e importante obra de Francisco de Goya, que pintou até morrer, passava já dos 80 anos. Segundo os estudiosos da obra do espanhol, resistem hoje cerca de 150 retratos, um terço da obra total – quase metade está exposta na National Gallery na exposição inaugurada em Outubro e que se mantém até ao dia 10 de Janeiro de 2016.

“Até agora, os retratos de Goya têm sido estudados como uma subsecção dentro da sua obra, não tendo sido vistos ou pensados de forma isolada”, diz ao PÚBLICO a co-curadora da exposição Letizia Treves, explicando que com Goya: The Portraits, a National Gallery, considerada uma das instituições culturais mais importantes do mundo, procurou “contar a história da vida extraordinária do espanhol e os tempos turbulentos que viveu através dos seus retratos, dando vida a uma área menos conhecida da sua carreira e que foi claramente muito importante para si”.

Quando entramos na exposição, somos recebidos pelo auto-retrato de Goya aos 34 anos, muito pouco tempo antes de Goya se tornar Goya, o artista bem relacionado e desejado por todos. Foram precisos três anos para que Goya conseguisse a sua primeira encomenda importante: o Retrato do Conde de Floridablanca, o magistrado nomeado primeiro-ministro pelo rei Carlos III. Estávamos em 1783 e as portas dos círculos oficiais de Madrid abriam-se para o pintor – o Infante D. Luís de Bourbon, irmão mais novo de Carlos III, foi o seu primeiro grande patrono. Goya passou algum tempo na residência deste e foram vários os retratos de família que ali produziu, com destaque para A Família do Infante D. Luís (1784), um óleo de grandes dimensões com uma cena doméstica e que representava o primeiro retrato grande de grupo feito por Goya. Obra que recorda As Meninas, pintada em 1656 por Diego Velázquez (1599-1660): ambas retratam uma cena íntima familiar e nas duas pinturas os dois artistas representam-se na tela à esquerda. Tanto o Retrato do Conde de Floridablanca, que pertence à colecção do Banco de España, como A Família do Infante D. Luís, há décadas na fundação italiana Magnani Rocca, em Parma, integram esta exposição.

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A Família do Infante D. Luís (1784) © Fondazione Magnani Rocca, Parma

Para Letizia Treves, que é também a curadora da pintura italiana e espanhola dos anos 1600-1800 na National Gallery, conhecer a obra de Goya não passa apenas pela sua vida mas também por aquelas que foram as suas referências e que de várias formas o pintor foi prestando homenagem nos seus trabalhos. A Família do Infante D. Luís é um exemplo mas há mais para descobrir nesta exposição de Londres. “É já famoso o que o Javier, filho de Goya, disse, que o seu pai tinha três mestres: Velázquez, Rembrandt e a Natureza. Velázquez é talvez o mais importante quando falamos de retratos”, explica Treves. “Não só Goya imitou o confiante trabalho com o pincel para capturar realces e texturas, como também foi buscar emprestados formatos e poses de Velázquez: para os seus retratos de Carlos III e Carlos IV com roupa de caça, Goya recorreu claramente ao retrato que Velázquez fez de Filipe IV”, continua, contando que “no final dos anos 1770, Goya estudou, copiou e gravou os retratos de Velázquez na Colecção Real Espanhola e por isso estava muito familiarizado com o trabalho do artista”. “Vale a pena recordar também que Goya aspirou a tornar-se no Primeiro Pintor da Câmara do Rei, um lugar que Velázquez havia ocupado cerca de 150 anos e para o qual mais nenhum artista espanhol tinha voltado a ser apontado.”

A reputação de Goya crescia de tal forma que este não se ficava apenas pela corte, tornando-se no pintor predilecto de todas as figuras importantes da sociedade (aristocratas, políticos, intelectuais, militares, etc.). Em 1789, depois da morte de Carlos III, Goya ocupa finalmente o ambicionado cargo de Primeiro Pintor da Câmara do Rei, nomeado então por Carlos IV.

A sua forma de pintar, que rejeitava a idealização dos retratados e introduzia elementos originais, não se sentindo obrigado a fazer com que aqueles que posavam para si parecessem bonitos ou perfeitos, fez de Goya um retratista único. “Os retratos de Goya têm uma honestidade e uma modernidade que, ainda hoje, atingem em cheio o público”, aponta Letizia Treves, que assina a curadoria da exposição com Xavier Bray, o conservador chefe da londrina Dulwich Picture Gallery. “As pessoas falam muitas vezes da intensidade psicológica dos retratos de Goya, mas a sua abordagem ao retrato foi antes de tudo a descoberta da verdade – pintar a essência da pessoa que se sentava à sua frente. Isto é o que todos os retratistas querem alcançar e é o que torna os seus retratos relevantes para nós, mesmo hoje, 200 anos depois.”

Goya fugia ao estereótipo – o próprio dizia que na pintura não havia regras. E isso fica claro ao percorrer a exposição. A cada sala, uma nova faceta do mestre. Goya arriscava. Tanto se podia focar nas feições de quem pintava como em detalhes como o calçado ou o vestuário. Goya não foi um pintor, Goya foi vários.

“Através da variedade de objectos em exposição, vê-se claramente a evolução do estilo de Goya: dos primeiros retratos nos anos 1780, aos retratos extremamente confiantes dos anos 1790 e inícios de 1800, aos últimos que pintou durante o exílio auto-imposto em Bordéus, nos anos 1820. A diversidade dos retratos de Goya é notavelmente evidente – não há um retrato que se pareça com outro e Goya consegue sempre reinventar o retrato”, aponta a curadora, explicando que cada sala desta mostra “tem uma sensação diferente”.

Diferente também é poder apreciar algumas destas obras expostas lado a lado pela primeira vez. “A National Gallery oferece a todos uma oportunidade única de ver tantos retratos de Goya, reunidos num só lugar”, destaca Letizia Treves. “É uma oportunidade de ver grupos de retratos reunidos, como é o caso do Conde de Altamira [um óleo de 1787 e que pertence à colecção do Banco de España], com a sua mulher [A Condessa de Altamira, de 1787-8, da Lehman Collection, Nova Iorque], e o filho [Manuel Osorio Manrique de Zuñiga, 1788, Metropolitan Museum of Art, Nova Iorque], juntamente com a sogra do conde [A Viúva Marquesa de Vilafranca, 1796, Museu do Prado, Madrid], e o seu cunhado, o Marquês de Vilafranca e mais tarde Duque de Alba [óleo de 1795, Museu do Prado, Madrid]”, explica a curadora.

Treves destaca ainda como Goya: The Portraits é uma ocasião, que dificilmente se repetirá, pelo menos desta dimensão, para ver ao vivo “retratos que estão normalmente em mãos privadas”. “Algumas peças emprestadas podem ser vistas pela primeira vez como é o caso de Don Valentín Bellvís de Moncada y Pizarro (Fondo Cultural Villar Mir, Madrid) ou o desenho de Francisco Otín (colecção privada). Outras, raramente viajaram – se é que alguma vez viajaram – para fora das suas casas habituais, como acontece com A Duquesa de Alba da The Hispanic Society of America, que está no Reino Unido pela primeira vez, assim como o par excepcional de retratos de Carlos IV Com Roupa de Caça e Maria Luísa com uma Mantilha Vestida, os dois do Palácio Real, em Madrid.”

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A estrela da exposição é mesmo a pintura a óleo da Duquesa de Alba (1762-1802), uma das mulheres mais destacadas da sociedade espanhola e com quem Goya mantinha uma relação muito próxima. Vestida com o traje tradicional espanhol, a duquesa, já viúva, aponta o dedo indicador para o chão onde se lê, ao contrário, “solo Goya”. “Este é um dos seus retratos mais conhecidos e não desilude”, diz a curadora, destacando a “presença dominante” da duquesa “que monopoliza a sala” onde a obra está pendurada, “apesar de estar em frente à rainha Maria Luísa”. “É justamente um dos ícones do retrato europeu do século XVIII”, continua Letizia Treves, que chama a atenção também para o retrato de Josefa Bayeu, a mulher de Goya, e cuja obra pertence a uma colecção privada. “Este desenho mostra um lado mais privado de Goya. É um esboço íntimo da sua mulher, de perfil, sentada numa humilde cadeira de cozinha”, explica. “A privacidade deste desenho, que provavelmente nunca foi pensado para ser exposto em público, é um maravilhoso contraponto aos retratos mais pomposos de Goya da aristocracia espanhola, pelos quais era mais conhecido.”

É por isso que a sala preferida de Letizia Treves nesta exposição é aquela dedicada aos colegas artistas e amigos de Goya. “Os retratos nesta sala estão entre os seus mais francos, íntimos e realistas: é como se Goya estivesse realmente numa conversa com os retratados”, aponta. “Os retratos variam de escala e de suporte, de um desenho a giz vermelho do historiador de arte Juan Agustín Ceán Bermúdez (colecção privada), na qual podemos ver o requintado controlo de Goya no uso de giz; à pintura de pequena escala de um homem que se pensa ser Asensio Julià (Museo Thyssen-Bornemisza, Madrid), que a determinado momento pertenceu ao comerciante francês Paul Durand-Ruel e em cuja posse foi provavelmente visto por Édouard Manet; a toda uma série de retratos de artistas (entre os quais, um dourador, um arquitecto e uma actriz)”, acrescenta. “Nestes retratos dos amigos pode-se ver que Goya estava livre de qualquer constrangimento – ele sentia que podia representar estas pessoas da maneira que mais desejasse, e essa liberdade está reflectida na sua ousada e expressiva técnica de pintura.”

Reunir estas sete dezenas de obras não foi um trabalho fácil, conta a curadora. “Esta exposição não tem precedentes quase de certeza por causa da dificuldade em conseguir os empréstimos certos: não só os retratos vêm emprestados de todo o mundo, como o verdadeiro desafio foi fazer a selecção dos melhores e escolher aqueles que contam a história de forma satisfatória.” A maior quota pertence ao Museu do Prado, que "foi excepcionalmente generoso" ao emprestar dez peças para a exposição.

Pinturas, desenhos, uma litografia, miniaturas em cobre e retratos com figuras múltiplas em grandes telas. “As obras vieram de todo o mundo – e foi difícil convencer as pessoas a participarem com as suas obras-primas de Goya. A exposição esteve em preparação dez anos e as negociações dos empréstimos às vezes foram tensas”, relembra Treves com sentido de dever cumprido. “Há muito poucas obras que acabámos por não conseguir que nos emprestassem”.

No final, na sétima sala, o último quadro que vemos é o retrato de Mariano Goya e Goicoechea, o neto que Goya foi capaz de pintar pouco antes de morrer. É o último trabalho que se conhece do pintor, feito provavelmente no Verão de 1827, quando Goya tinha 81 anos – pertence ao Meadows Museum, em Dallas, nos Estados Unidos.

Replicar esta exposição para outro museu não parece ser opção e por isso estes serão mesmos os últimos dias para ver este conjunto que a crítica já considerou admirável. A resposta do público também tem sido impressionante, garante a curadora, explicando que "a venda de bilhetes reflecte exactamente isso", apesar de não revelar ainda quaisquer números. Goya: The Portraits nunca foi pensada com uma segunda exposição em mente. O desafio de convencer museus e coleccionadores de todo o mundo a participar com os seus retratos de Goya teria sido ainda maior se tivéssemos de considerar pedir as obras emprestadas para múltiplas exposições.”

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O neto de Goya, Mariano Goya y Goicoechea. A última obra conhecida do pintor © Photograph by Michael Bodycomb