Entre o bop e o free
Duas novas edições cuja música se situa na fronteira, cada vez mais explorada, entre o jazz tradicional e o jazz livre.
Entre o jazz tradicional, dos standards e do formalismo académico, e o jazz de vanguarda, totalmente improvisado, situa-se um espaço que se encontra cada vez mais explorado, atraindo atenções dos mais variados quadrantes estéticos. Nele se concentra uma comunidade de músicos que recusa rótulos e barreiras formais e que procura construir uma linguagem própria, independente, a partir das infinitas possibilidades que se projectam do passado para o futuro. É esse o caso destes dois notáveis registos.
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Entre o jazz tradicional, dos standards e do formalismo académico, e o jazz de vanguarda, totalmente improvisado, situa-se um espaço que se encontra cada vez mais explorado, atraindo atenções dos mais variados quadrantes estéticos. Nele se concentra uma comunidade de músicos que recusa rótulos e barreiras formais e que procura construir uma linguagem própria, independente, a partir das infinitas possibilidades que se projectam do passado para o futuro. É esse o caso destes dois notáveis registos.
John Irabagon é um explorador incansável não apenas deste espaço mas de ambos os lados da fronteira. Apenas este ano, editou dois discos em nome próprio, Behind the Sky (com o seu quinteto) e Inaction is an Action (saxofone solo), e participou ainda em Mauch Chunk dos Mostly Other People do the Killing e Brazen Heart de Dave Douglas. Em Tales of the Unforeseen surge em grande destaque naquele que é o segundo registo do trio 3Dom Factor do lendário baterista Barry Altschul, complementado ainda por Joe Fonda no contrabaixo. Compreendido por três temas totalmente improvisados, um tema do próprio Altschul e versões de Ask Me Now, de Thelonious Monk, e Miracles, de Annette Peacock, Tales of the Unforeseen é uma fascinante explosão de invenção e criatividade que cruza jazz, passado e futuro, com livre improvisação, tudo filtrado pela visão altamente pessoal dos três músicos. Mesmo quando os temas são totalmente improvisados, o sentido de forma e dinâmica é claro e altamente estruturado, reflectindo o extraordinário talento de Irabagon, Altschul e Fonda como improvisadores.
Em Pivot: Live at the 55 Bar, Noah Preminger toma como ponto de partida dois temas do bluesman Bukka White (ou Booker T. White), Parchman Farm Blues e Fixin’ To Die Blues, virtualmente irreconhecíveis, e conduz-nos através de duas intensas explorações sónicas (cada uma com mais de meia hora) em torno de uma temática blues no jazz. Liderando um quarteto com Jason Palmer (trompete), Kim Cass (contrabaixo) e Ian Froman (bateria), gravado ao vivo de forma irrepreensível pelo engenheiro de som Jimmy Katz, Preminger surpreende-nos com uma espontaneidade e orgânica que estava anteriormente ausente da sua música. Referenciando de forma evidente o quarteto clássico de Ornette Coleman com Don Cherry, as históricas gravações live de Sonny Rollins no Village Vanguard ou as muitas explorações que Coltrane fez do blues, esta é uma música cujo maior fascínio está no processo, na própria viagem, mais do que no resultado final. Um pouco como acontece com o blues clássico. As improvisações, particularmente as de Preminger e Palmer, desenvolvem-se de forma circular, hipnotizante, explorando de forma exaustiva todas as múltiplas permutações do material base.