O sentido do texto
É importante que o tradutor, para além de ser um bom conhecedor linguista, domine a área de conhecimento do texto
É muito frequente receber pedidos (bem-intencionados) de traduções rápidas, porque até só têm duas ou três páginas, por isso fazem-se num instante. Torço sempre o nariz, visto que a máxima quantidade não é qualidade assenta aqui como uma luva. Neste caso pode ser ligeiramente distorcida para quantidade não é complexidade, e um texto de dez linhas pode mesmo demorar duas horas a traduzir.
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É muito frequente receber pedidos (bem-intencionados) de traduções rápidas, porque até só têm duas ou três páginas, por isso fazem-se num instante. Torço sempre o nariz, visto que a máxima quantidade não é qualidade assenta aqui como uma luva. Neste caso pode ser ligeiramente distorcida para quantidade não é complexidade, e um texto de dez linhas pode mesmo demorar duas horas a traduzir.
Um pedido assim coloca um tradutor sob uma imensa pressão desnecessária, não só por descobrir imediatamente que ultrapassará o tempo de trabalho esperado por quem o pediu, como porque tal facto passará para o outro lado a ideia de que é incompetente.
Como em tudo, a experiência deixa-nos mais à vontade quer com a execução da tarefa em si, quer com a solução de pequenos detalhes semelhantes a este, pelo que opto sempre por uma de duas opções:
A – Fazer a tradução sozinha sem ninguém a espreitar por cima do meu ombro;
B – No caso de a opção A ser impossível, levar o meu tempo e ignorar os olhares inquisidores de sobrancelhas surpreendidas de quem me vê a abrir dicionários e a procurar equivalências de termos por todo o lado.
Porquê? Porque há uma falácia generalizada de que um tradutor é um nativo bilingue, conhecedor total das duas línguas de trabalho. Seria o ideal, é verdade, mas tal não é sempre possível. E, mesmo que fosse, quantos de nós, falantes nativos de Português, sabemos o que quer dizer acrimónia? Ou diuturnidade? Ou tergiversar? Exatamente.
Se, no entanto, fôssemos dotados de um dicionário inato e completo da língua portuguesa, teríamos, ainda assim, de ter em conta os vários significados de um vocábulo numa língua, consoante o contexto em que se encontram inseridos: a frase ela está com os copos não é tão fácil de interpretar quanto possa parecer à primeira vista.
É aqui que entra em acção a equivalência dinâmica baseada na paráfrase, em detrimento da equivalência formal, ou literalismo, com base na metáfrase. Aquela exige que o tradutor faça uma interpretação do significado do enunciado para conseguir reproduzi-lo na língua de chegada, em vez de conseguir uma amálgama de palavras traduzidas isoladamente e incapazes de, no conjunto e na ordem colocadas, veicularem a mesma mensagem. É, também, por esta razão que é importante que o tradutor, para além de ser um bom conhecedor linguista, domine a área de conhecimento do texto, de forma a entender o enunciado com que se depara e a conseguir comunica-lo na língua de chegada.
O número de linhas pode, portanto, ser relevante, sim, até para fins de orçamentação e de definição de prazos, mas uma tradução é muito mais do que a dimensão física do texto e implica um trabalho mais complexo do que o decalque linear de uma língua para outra, exigindo que o tradutor assuma os riscos das suas escolhas.