Governo aperta o cinto durante 20 dias para evitar défice público acima de 3%
Mário Centeno diz que houve “desvios na execução orçamental” que obrigam o novo executivo a fazer poupanças nos últimos dias do ano. Cumprimento da meta inicial de 2,7% do anterior Governo já foi descartado.
É mais um episódio do tradicional jogo de passa-culpas orçamentais que acontece sempre que há uma mudança de governo em Portugal. O novo executivo apresentou esta quinta-feira medidas extraordinárias de contenção para fazer face ao que diz serem “desvios na execução orçamental” que conduziriam a uma derrapagem do défice deste ano para um valor acima de 3%, mantendo Portugal no procedimento por défices excessivos e sujeito ao braço correctivo do Pacto de Estabilidade.
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É mais um episódio do tradicional jogo de passa-culpas orçamentais que acontece sempre que há uma mudança de governo em Portugal. O novo executivo apresentou esta quinta-feira medidas extraordinárias de contenção para fazer face ao que diz serem “desvios na execução orçamental” que conduziriam a uma derrapagem do défice deste ano para um valor acima de 3%, mantendo Portugal no procedimento por défices excessivos e sujeito ao braço correctivo do Pacto de Estabilidade.
Ao contrário de situações do passado, o novo Governo não quantifica os desvios detectados nas contas dos seus antecessores. Mas diz que não só não estava ainda assegurado um défice não superior a 3%, como a meta de 2,7%, que era ainda a traçada pelo anterior executivo nos documentos oficiais, já deixou de ser atingível.
“Houve um conjunto de desvios na execução orçamental que explicam o resultado”, disse Mário Centeno, assinalando que esses desvios estão “bastante disseminados pelo lado da despesa e da receita”. “O objectivo do défice orçamental não foi cumprido e há necessidade neste momento de medidas adicionais para que Portugal saia do procedimento dos défices excessivos.”
No entanto, questionado sobre qual o montante exacto do desvio que as novas medidas anunciadas pretendem suprir, o ministro não respondeu. O Governo apenas quantifica uma das medidas, que dá conta de uma redução de 46 milhões nos fundos disponíveis das administrações públicas em 2015, um valor correspondente a cerca de 0,03% do PIB. Mário Centeno também não deu pormenores sobre como é que o funcionamento dos serviços poderia vir a ser afectado neste final de ano, adiantando, contudo, que este é “um exercício difícil e exigente para a administração pública”, que “incide sobre compromissos e custos considerados não urgentes”.
No que diz respeito às medidas, também há uma diferença em relação a transições de poder feitas no passado. Aquilo que foi agora anunciado não tem um impacto directo nos bolsos dos portugueses e das empresas. Visados são apenas gastos dos serviços da administração pública, que ficam significativamente limitados nas últimas três semanas do ano.
O ministro das Finanças anunciou três tipos de medidas. Em primeiro lugar, “o congelamento de processos pendentes de descativações e transições de saldos de gerência não urgentes”. Em segundo lugar, “a redução dos fundos disponíveis das administrações públicas para 2015 em 46 milhões de euros”. E, por fim, Mário Centeno fez saber que não serão assumidos “novos compromissos financeiros não urgentes”.
Os recados do ministro das Finanças ao anterior executivo não se ficaram pelas contas de 2015. Mário Centeno queixou-se também do “grau de impreparação” que encontrou nos serviços do Estado para a concretização da proposta de Orçamento para 2016. Mário Centeno revelou que, até ao final do ano, serão apresentadas às autoridades europeias as linhas da proposta do Governo. Disse ainda que as Grandes Opções do Plano, que geralmente são entregues em simultâneo com a proposta de OE, chegarão ao Parlamento na primeira quinzena do próximo ano.
Na segunda-feira, Mário Centeno esteve em Bruxelas para participar pela primeira vez na reunião do Eurogrupo. Aos ministros das Finanças dos outros países da zona euro garantiu que o novo Governo tenciona cumprir as regras orçamentais europeias e que, especificamente em relação a 2015, o objectivo continuava a ser registar um défice inferior a 3%, que permita a saída de Portugal do procedimento por défices excessivos.
Mário Centeno deixou claro, todavia, que a viabilidade da concretização desse objectivo dependia da análise à situação orçamental que estava a ser realizada pelo executivo.
No Parlamento, os deputados eleitos pelo PS têm vindo a apontar para a existência de dificuldades para, no último mês do ano, conseguir garantir que o défice fica abaixo dos 3%, tendo em conta aquilo que aconteceu nos primeiros três trimestres do ano. O deputado Paulo Trigo Pereira afirmou que, no caso de o último trimestre de 2015 mostrar o mesmo desempenho que o período homólogo do ano anterior, o défice público será na totalidade deste ano de 3,1% do PIB.
Do lado do PSD a interpretação dos dados disponíveis é completamente diferente. O deputado António Leitão Amaro diz que, para cumprir a meta de 3%, basta que se mantenha a “velocidade de descida” registada nos défices trimestrais. Já o líder da bancada social- -democrata, Luís Montenegro, afirmou que esta quinta-feira foi "um dia importante, em que o actual Governo reconhece de forma clara que o caminho orçamental era o adequado”. Sem comentar o valor preciso para o défice deste ano, disse que, se houvesse um problema nas contas, “não eram apenas estas medidas que são de mera gestão e que já estão em vigor” que o resolveriam. Do lado do CDS-PP a deputada Cecília Meireles apontou o dedo ao PS por estar a querer ficar com os louros do cumprimento da meta do défice. "Se o PS agora quer vir dizer que todo o mérito no cumprimento desta meta reside nestas três semanas de governo que faltam para acabar 2015, eu digo que podemos fingir que acreditamos, o PS pode fingir que o fez, os portugueses tirarão as conclusões", afirmou, destacando como "importantíssimo" esse objectivo para Portugal poder sair do procedimento por défice excessivo. Com Sofia Rodrigues
As três medidas do Governo
Congelamento de descativações e transições de saldos de gerência
Em todos os orçamentos, há verbas que, embora disponíveis, apenas podem ser verdadeiramente utilizadas pelos diversos ministérios, se tal for requerido pelo ministério do sector e autorizado pelo ministro das Finanças. São as chamadas "cativações", que têm atingido, nos OE dos últimos anos, valores situados entre os 5% e os 25% de determinados tipos de despesa. O que o Governo agora anunciou foi que os pedidos de descativação que estejam neste momento pendentes ficam desde já congelados. O congelamento das descativações é uma medida usada com muita frequência, quando se sente a necessidade de apertar mais as contas no final do ano. A situação é semelhante naquilo que diz respeito à utilização pelos serviços de excedentes obtidos no ano anterior. Também aqui a autorização tem de ser dada pelas Finanças, que decretaram agora o seu congelamento para os casos não urgentes.
Redução dos fundos disponíveis
Neste caso, ao contrário do congelamento de verbas que já estavam cativadas, o que o Governo está a fazer é mesmo cortar despesas que estavam em princípio disponíveis para serem utilizados pelos serviços. Em causa, diz o executivo, estão 46 milhões de euros. Não foi dado qualquer pormenor sobre o tipo de despesa que poderá vir a ser alvo de reduções.
Proibição de novos compromissos
O ministro das Finanças diz que, no caso de despesas que se considerem “não urgentes”, os serviços da administração pública não vão poder assumir novos compromissos durante as semanas que falta até ao final do ano. Uma medida que, dado o curto período de tempo que existe até ao fim de 2015, não deverá ter um impacto significativo no funcionamento dos serviços, mas que serve acima de tudo para que não haja a tentação de, nos casos em que ainda haja disponibilidade financeira, antecipar despesas para tornar mais fáceis as contas para o ano seguinte.