Transparent, a série que trouxe um pai transgénero para a televisão
A segunda temporada da série estreia esta quinta-feira no canal TV Séries.
Actores, cameramen e produtores esgueiraram-se entre as roulotes no parque de estacionamento da praia de Zuma, em Malibu. De uma dessas roulotes saía o som de aplausos e gritos de ânimo. Era ali que a realizadora Jill Soloway estava a agradecer ao elenco e à equipa no final das filmagens da segunda temporada de Transparent, a série nascida de um dos momentos mais íntimos de Soloway e que se estreia esta quinta-feira no canal TV Séries.
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Actores, cameramen e produtores esgueiraram-se entre as roulotes no parque de estacionamento da praia de Zuma, em Malibu. De uma dessas roulotes saía o som de aplausos e gritos de ânimo. Era ali que a realizadora Jill Soloway estava a agradecer ao elenco e à equipa no final das filmagens da segunda temporada de Transparent, a série nascida de um dos momentos mais íntimos de Soloway e que se estreia esta quinta-feira no canal TV Séries.
Dias mais tarde, Transparent ganharia dois Emmy, incluindo um por realização para Soloway, tendo estado nomeada para 11 prémios.
A série da Amazon conta a história dos Pfefferman, uma família judia que lida com o facto de o seu pai, Mort (Jeffrey Tambor, que também foi premiado nos Emmy), um professor de 70 anos que revela ser transgénero - agora, ele é Maura - e o impacto desta mudança nos seus três filhos. Sendo o tema “transgénero” central, os filhos - Josh (Jay Duplass), Sarah (Amy Landecker) e Ali (Gaby Hoffmann) - são eles próprios uma fonte segura de drama. Numa cena, uma exasperada Maura lamenta ter criado filhos tão egoístas e que só pensam em si próprios.
A série é uma ideia de Soloway e baseia-se em parte no facto de o seu pai, um psiquiatra, há quatro anos ter iniciado a sua transição de género. Soloway, argumentista e produtora de Sete Palmos de Terra e United States of Tara, também realizou o filme Afternoon Delight, que lhe deu um prémio na edição de 2013 do Festival de Sundance. Apesar desses sucessos, Soloway, de 49 anos, lembra o dia em que “bateu no fundo”, só com sopa para comer e demasiado falida para levar a roupa à lavandaria. Foi assombrada por pensamentos de que não conseguiria escrever nada de importante - mas, depois, a decisão do seu pai inspirou-a.
Dado o sucesso que a série teve junto da crítica, diz, parece tudo surreal.
“Não tinha ideia do que vinha a seguir”, diz Soloway. “No que diz respeito à minha família - qual era o meu objectivo, o meu propósito. Isto parece ser tão certo”.
Soloway empoleira-se num muro enquanto dirige as personagens Maura e Ali e outras duas através de um walkie-talkie, enquanto as vê num monitor, paradas na praia.
“Olhem para o mar”.
“Os quatro - olhem uns para os outros”.
“Aproximem-se”.
“Ali, põe a mão no ombro da Rose”.
Soloway pára, salta do muro, e corre pela praia. Mostra aos actores onde devem estar e como se mexer. Corre de volta para o seu poleiro, rindo-se, explicando que tem as calças quase a cair. “O sol vai pôr-se dentro de 15 minutos”, lembrou a todos.
Sob um pôr do sol dramático, enquanto a cena na praia era concluída, a realizadora partilhou uma das citações preferidas de Judith Light (que interpreta a mulher de Mort, Shelley), e que parece adequada ao momento - é de Kierkegaard: “A vida só pode ser compreendida de trás para a frente, mas tem de ser vivida para a frente”.
Desde o dia da revelação do seu pai, conta Soloway, soube que era uma história que tinha de contar. “Isto seria aquilo que eu podia deixar, como artista, como legado”.
Com a cena terminada, os actores, o elenco e a equipa abraçaram-se. Soloway, de calças de ganga beges, um top branco, ténis e boné de beisebol, sentou-se ao colo de Tambor, pôs os braços à volta do pescoço dele e beijou-o no rosto. “Adoramo-nos”, disse Soloway. “Jeffrey é como o meu Moppa substituto” - Moppa é a alcunha que Soloway deu ao seu pai transgénero [junta as palavras mom e pappa, do inglês original].
Em 2014, Soloway disse ao New York Times que no fundo estava a fazer um “programa de acção transfirmativa” para aumentar o emprego de pessoas transgénero na série. Nesta segunda temporada, contratou uma argumentista transgénero, Our Lady J, e um realizador transgénero, Silas Howard. A assistente de Tambor, Van Barnes, é uma mulher transgénero. Tambor, numa enrevista ao site Audible, explicou que foi arranjar as unhas e que saiu vestido como uma mulher para se preparar para o seu papel.
Transparent tornou-se algo mais do que uma série de televisão, diz Soloway. “Fazemos parte de um movimento de direitos civis. Não planeámos necessariamente ser parte de um movimento, mas é onde estamos”.
Segundo Soloway, cada temporada vai focar-se num dos irmãos. Na primeira temporada, foi Sarah. Na segunda temporada, é Josh. Os planos existentes para a terceira temporada giram em torno de Ali. Na preparação desta temporada, Soloway e os argumentistas visitaram um yurt em Santa Barbara, Califórnia, onde um xamã cantou sobre eles, a uma masmorra sexual em LA (espaço para práticas sado-masoquistas), no bairro de Koreatown, e fizeram muita pesquisa sobre a República de Weimar. Há flashbacks que vão mais além do que o campo de travestismo na primeira temporada, prosseguindo até ao historial de família de Maura e da sua imigração para os EUA.
Para Soloway, a “fórmula secreta” da série é que “esta era uma família cheia de segredos e vazia de limites”.
“O segredo era o limite. E agora que não há segredo, como é que estas pessoas sabem onde começam e onde os outros acabam? Estavam tão ocupados a procurar-se a vida inteira - e isso também é verdade para mim.” A escolha de Soloway para usar um fato moderno para os Emmy e não um vestido e saltos foi deliberada. “É divertido pensar na forma como se faz a passadeira vermelha com um piscarzinho de olho de género”.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post