“É preciso ter um grande ego para achar, quando se escreve um livro, que se vai inovar”

É oficial e público. Clara Ferreira Alves já é romancista. O livro, há tanto tempo prometido, foi finalmente publicado. Está no meio de nós. Chama-se Pai Nosso e traz o terrorismo islâmico até Portugal.

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Enric Vives-Rubio

A entrevista começou mal. Perguntámos a Clara Ferreira Alves se o “empenho” que solicitara, numa das suas últimas crónicas no jornal Expresso, ao ministro da Cultura, João Soares, obtivera resposta. Era só para aquecer, mas a autora do romance Pai Nosso recusou responder: “Faço comentário político para ganhar a vida. Não é a minha vocação. Ponto final, parágrafo. Não falo. Estou farta de política.” Mudámos de rumo, como a formiga na velha canção de José Afonso. Esquecemos a cronista e a comentadora política de “Eixo do Mal” e entrevistámos apenas a romancista estreante. Acabou bem. A entrevista.

Finalmente, um romance. Por que é que demorou tanto tempo?
Eu era muito jovem quando comecei a falar em escrever um romance. Toda a gente quer escrever um romance aos 20 anos. Era outro livro. Era um romance passado em Jerusalém. A matéria que tinha não era suficiente, e abandonei-o. Mas, como viajo muito para aquela região, fui tomando notas e apontando coisas que me interessavam do ponto de vista da ficção. Tinha resmas sobre o livro, mas ainda não tinha o diagrama do livro, era preciso encontrá-lo. Depois aconteceu o 11 de Setembro. Mudou a minha cabeça, tive a sensação de que era algo novo, de que havia uma primeira vez na História. É muito importante, quando uma coisa acontece pela primeira vez. Tem grandes consequências. E teve. Comecei a rever tudo, comecei a fazer muita pesquisa que não tinha feito, sobre as religiões, sobre terrorismo, sobre a Al-Qaeda. Gastei muito dinheiro a viajar para esses lugares, falei com muita gente. E o terrorismo começou a ser o eixo central da história. O terrorismo e a religião são os dois eixos centrais. Nos anos a seguir ao 11 de Setembro havia muita coisa que não fazia sentido e li centenas de livros para tentar perceber. Passei largos anos a pesquisar. Nos últimos cinco anos as coisas começaram a tomar forma, as personagens, a intriga. Sobretudo no último ano, quando decidi que tinha de terminar o livro. Mas, se houve uma data em que este livro começou, poderia dizer que foi no dia 11 de Setembro de 2001.

No livro, compara-se o 11 de Setembro à Revolução Francesa. Não será exagerado?
Olhe o que está a acontecer na Europa. As consequências do 11 de Setembro vão redefinir toda a história do seculo XXI, ou pelo menos da primeira metade do século XXI, como já está a acontecer. A todos os níveis. Normalmente, o terrorismo era uma coisa que acontecia aos outros. Agora, é uma coisa que acontece a nós.

Foi muitas vezes ao Médio Oriente enquanto repórter?
Sim, várias vezes, e acho que se percebe que conheço bem toda aquela região. Mas percebi que o jornalismo me ia sugar se continuasse a escrever reportagens, ia sugar-me as ideias do livro. Muitas vezes fui e não cheguei a escrever reportagens, porque guardei aquilo que ia aprendendo sobre aquela realidade para o romance. E com isto, evidentemente, perdi muito dinheiro. Não vendi.

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Pai Nosso é um romance sobre o terror nosso de cada dia, esse que parece estar em toda a parte e em lado nenhum, e que se vai tornando a radiação de fundo da nossa obsolescente contemporaneidade Enric Vives-Rubio

Portanto, o jornalismo rouba à literatura…
Rouba. Rouba nas ideias, rouba nas imagens. O jornalismo suga-nos.

E o que é que a literatura dá que o jornalismo não tenha?
Tudo. Dá liberdade total, criatividade e imaginação. Podemos pegar nos factos e fazer deles o que quisermos, podemos criar personagens, podemos criar um mundo inteiramente novo. Para mim, as minhas personagens são mais reais, às vezes, do que as pessoas. Existem, mexem-se, têm uma cara, viveram comigo durante tanto tempo e continuam ainda a viver comigo. O jornalismo que eu faço é muito literário, as minhas reportagens sempre foram muito literárias, mas não se pode inventar. Por outro lado, quando se vai para a próxima história tem que se esquecer a anterior, tem que se rasurar. E agora, a voracidade é ainda maior. Uma grande reportagem, um grande texto de crítica literária – e eu escrevi muitos textos de crítica literária que estão sepultados –, não sobrevivem a não ser que estejam dentro de um livro. O jornalismo é a arte do esquecimento. A ficção é exactamente o oposto. A ficção é a duração e a memória.

Há quem defenda que o jornalismo potencia a literatura.
É uma grande oficina, é a melhor oficina. Porque um livro tem muita carpintaria, muita estrutura, muita técnica, muita gramática. Para se ter isso, é preciso ter o músculo desenvolvido, porque quanto mais se escreve melhor se escreve e quanto mais se lê melhor se escreve e quanto mais se lê melhor se lê. Não acredito muito em romances escritos por amadores que leram três ou quatro livros e que nunca escreveram profissionalmente. A não ser que sejam génios de geração espontânea. Normalmente, os grandes livros são escritos por pessoas na idade madura, que tiveram uma experiência de vida considerável, que leram muitos livros, e que já escreveram antes.

No caso do romance?
No caso do romance, que é uma maratona.

E a poesia?
Há muita gente que escreve versos, mas há muita má poesia, a maior parte da poesia não presta. A grande poesia é como a grande música. É como dizia o outro: eu escrevo com a mesmas notas de Beethoven mas não consigo compor uma sinfonia…

Teremos sempre Rimbaud…
Há muita gente a escrever com as mesmas palavras de Rimbaud, mas não escreve “Une Saison en Enfer”.

Nunca foi tentada pela poesia?

Não! Sou como o José Cardoso Pires: jamais farei um verso. Não é a minha vocação. Sempre escrevi prosa, desde criança. Meto a poesia na prosa. Mas gosto de poesia, leio muita poesia, gosto muito do Pessoa. Tal como gosto muito de música e não sei compor música. Tenho muito respeito pelos poetas mas cada macaco no seu galho.

O romance exige uma disciplina diversa?
Muito diferente. Eu escrevo de manhã, tenho de ter uma rotina de escrita, tenho de estar muitas horas sentada. Sobretudo, não consigo escrever jornalismo e ficção na mesma semana. Foi outra coisa que me impediu de publicar mais cedo. O jornalismo distraía-me. Tinha de parar de escrever jornalismo e foi isso que fiz nos últimos meses, e isso economicamente e financeiramente é complicado. Mas não consigo escrever uma crónica à segunda, pegar no livro à terça, fazer uma peça para outro sítio à quarta. Há dias em que é glorioso e a cabeça funciona bem, e há dias absolutamente atrozes em que só saem lugares-comuns. É preciso não desesperar, mas é um trabalho de grande disciplina física e mental. Nem consigo ter muita interacção com outras pessoas porque isso me distrai, tenho de estar sozinha com as minhas personagens. E faço diagramas, faço mapas. A secretária fica juncada desses diagramas, parecem fórmulas matemáticas. Não posso atender telefonemas, não posso ir jantar fora…

Socorre-se de algum ritual ou de algum lugar que favoreça essa disciplina?
Bebo litros de chá. Chá verde, chá preto. E agora, que o livro foi publicado, faz-me falta essa rotina. Sinto-me um bocado desempregada, digamos assim. O último ano foi muito solitário, por escolha própria, porque resolvi não sair de casa. Tenho que escrever frente a uma parede, sem distracções. E não tinha luz directa da rua. Houve mesmo algumas semanas em que eu não sabia se fazia sol ou se chovia, ou em que mês é que estávamos, porque estava completamente dentro da intriga, e estava a tentar sentir as emoções das minhas personagens. Ficava muito irritada quando tinha que interromper. A certa altura deixei também de atender a campainha e de ver o correio.

Mostra a alguém o que vai escrevendo?
Não, mas ando pela casa a ler alto. Às vezes é um pouco bizarro. Todo este livro foi lido alto. Como se fosse teatro.

Uma questão de ritmo?
Sim, e porque preciso de ler o livro no “print”, depois de escrevê-lo no computador, e tenho que ouvir as vozes. Porque a narrativa começou por ser uma arte oral, a magia da narrativa era a magia da oralidade.

Oral e em verso.
Sim, Homero. A grande literatura tem instantes de enorme poesia. Sobretudo na literatura russa, isso é muto evidente. Dostoievski ou Tolstoi, ou Chekov, têm parágrafos de grande poesia. Isso, eu acho que procuro quando escrevo, sobretudo na descrição das paisagens.

A protagonista deste livro é fotógrafa. Porquê?
É o problema de passar pelas vidas dos outros, registando-as, sem interferir. Porque o fotógrafo de guerra tem que ir em frente. Há uma fotografia de um grande repórter de guerra sul-africano, Kevin Carter, de uma criança encolhida e moribunda e há um abutre que está pousado à espera. A fotografia foi publicada no “New York Times” e houve um escândalo formidável, com leitores a perguntarem como era possível que o fotógrafo se tivesse preocupado em fotografar e em vender a fotografia, em vez de resgatar a criança. Na verdade, ele ajudou a criança, a criança não morreu. Mas os fotógrafos não estão lá para salvar as pessoas. É um problema filosófico interessante e a verdade é que esse fotógrafo se suicidou. O peso de olhar a desgraça humana, de olhar a miséria humana e de a registar, é um peso brutal nos fotógrafos de guerra, que raramente chegam a velhos. Sebastião Salgado, no filme que o Wim Wenders fez dele, diz isso. Ele agora fotografa a natureza. Porque viu o horror absoluto, e passar incólume pelo horror absoluto é impossível. Eu queria uma dessas personagens.

O problema também se põe ao jornalista que escreve.
Mas eu não queria alguém que escrevesse como personagem principal. Por isso arranjei uma personagem que depois encontra a protagonista e que é quem escreve a história. Eu queria o olhar. É o problema da neutralidade, no fundo. Como é que permanecemos neutros perante o horror, perante o terror, perante a morte. O fotógrafo tem de deslizar sobre as coisas.

O jornalista também.
O jornalista também. Por isso é que a memória é um peso terrível.

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Enric Vives-Rubio

Maria foi a personagem que aglutinou as outras?
Não. A primeira personagem que me surgiu foi a do terrorista, o Tariq. Mas eu precisava de um contraponto e, logo a seguir, a personagem da Maria começou a ganhar contornos. É difícil entrar na cabeça de um terrorista.

É difícil entrar na cabeça de seja quem for.
Mas quando você vai pela estrada, a sua sanidade e a sua percepção do mundo assentam numa realidade simples: a de que os tipos da outra faixa da estrada não vão guinar de repente e mandar o carro para cima de si. Ou quando está à beira de uma linha de metro, você funciona com base na ideia de que ninguém vai lá e, ao acaso, o vai empurrar e matá-lo. Toda a vida humana funciona com base nesta realidade, a de que não vamos deliberadamente matar-nos uns aos outros sem um motivo. O crime, em princípio, tem uma razão. Nos romances policiais há o móbil do crime. O crime sem móbil, sem aparente explicação, destrói a base da vida em comunidade.

Não será uma incapacidade ocidental, certa dificuldade de ver o móbil do terrorismo?
Nós queremos encontrar uma justificação, mas não há uma justificação. Há muitas. Acho que demonstro isso. As coisas não começaram ontem. Há a I Guerra Mundial, há o processo histórico do petróleo, há a II Guerra Mundial e o nazismo, que tem que ver já com o nascimento de Israel. E depois há o niilismo, que já vinha do anarquismo e do terrorismo no século XIX, e que está no Conrad: o professor que anda com dinamite em O Agente Secreto, que anda pelas ruas delirante com a hipótese de poder explodir-se a todo o tempo. É uma ideia nova. Que tem hoje no Daesh a sua versão mais brutal.

A certa altura, a protagonista regressa ao catolicismo. Qual é a sua relação com a religião?
Sou uma católica do tipo Graham Greene, muito pouco ortodoxa. Fui sempre. Fui educada como católica e costuma-se dizer que o catolicismo é como o comunismo: uma vez comunista, sempre comunista; uma vez católico, sempre católico. De certa forma é verdade, no meu caso. Sou católica, frequento igrejas, tenho fé. A minha racionalidade às vezes soergue-se contra isso, timidamente, mas nunca cortei com a religião católica. Tenho muitas dúvidas sobre o Vaticano, sobre a hierarquia, sobre o dogma, sobre a desumanidade de que o catolicismo dogmático hoje se reveste e, nesse sentido, sou uma católica na versão Graham Greene. Quando o li pela primeira vez, disse: eis uma razão para escrever, fazer isto! Para mim, é o mestre absoluto.

Aproveitando a deixa, tem outros mestres?
O Conrad e o Greene são dois mestres absolutos. Depois Nabokov, que é muito importante para mim, e os russos, adoro os russos: Tchekov, Tolstoi e Dostoieveski

A clássica trindade russa.
Sim, a minha santíssima trindade. Depois há a minha outra santíssima trindade: Nabokov, Greene e Conrad. Já são duas santíssimas trindades. Não sei se isto é admissível.

E em português?
Eça de Queirós, com uns laivos de Camilo, e Alexandre O’Neill. E José Cardoso Pires. Fernando Pessoa, Campos. Pessoa e Camões são os pais de todos nós, ou o pai e o pai ou a mãe e a mãe. Adoro os sonetos camonianos, gosto muito de Pessoa, não todo o Campos e não todo o Pessoa. Gosto muito do Herberto, gosto imenso do Jorge de Sena. Mas matricial, matricial mesmo, foi Graham Greene: eu quero poder trabalhar as palavras daquela maneira.

Não lhe parece que tendemos a atribuir aos escritores demasiada importância e demasiada responsabilidade?
Sim, é uma arte muito autocelebratória, muito autojubilatória, mas toda a gente faz isso. Porque as pessoas reconhecem que a escrita é uma grande arte. A escrita e a música são absolutamente a mesma coisa, são as grandes artes. E são artes combinatórias. Está tudo escrito e nada está escrito, e está tudo composto e nada está composto. É preciso ter um grande ego para achar, quando se escreve um livro, que se vai inovar.

Mas não se exige demasiado do escritor (do escritor que reflexiona e perora sobre o destino da pátria, etc.)?
Não sei, mas as pessoas atribuem qualidades délficas ao escritor, sim. Mas olhe que isso agora perdeu-se muito. Já foi mais. O mundo está cada vez mais caótico e as pessoas tentam encontrar na escrita – enfim, as que ainda lêem – uma resposta.

Ninguém se lembraria de perguntar a um músico como é que se há-de governar a república…
Pois não. O Houellebecq, por exemplo, escreve livros sobre a França, e agora até se está a meter um pouco em política, e as pessoas dirigem-se a ele à procura de soluções para a vida política na França. Isso não compete a um escritor, e espero até que ele não as tenha, porque normalmente não são soluções muito democráticas. A escrita não é um processo democrático. Não compete a um escritor ter soluções para as alterações climáticas… E normalmente, quando os escritores se metem na política, sai asneira.

Retomando a questão religiosa: será a secularização do Ocidente que nos torna incapazes de integrar racionalmente o problema do terrorismo fundamentalista e o peso da religião nas sociedades islâmicas?
Sim, a secularização, que herdámos da Revolução Francesa, a grande república laica – e eu acredito na separação do Estado e da religião –,esvaziou-nos do ponto de vista da espiritualidade. Com essa secularização forçada pelas grandes doutrinas marxistas do princípio do século XX, que evidentemente tiraram muita gente da pobreza, rechaçámos a nossa necessidade de transcendência. Secularizámos à força, e isso deixou-nos muito mais niilistas, muito mais materialistas, muito mais vazios. Também destruiu algum sentido de comunidade e destruiu a nossa capacidade para entendermos o apego religioso dos outros.

Também o capitalismo é desprovido de qualquer transcendência…
E nem faz uma tentativa de compreensão dessa transcendência, porque a transcendência contraria o lucro. O capitalismo, que é uma máquina fabulosa e triunfante, não pode consignar o desejo de transcendência dos homens porque isso ameaça a estrutura do capitalismo, o mercado. Falo disso no livro: o mercado sobrepõe-se à guerra, o mercado sobrepõe-se a tudo. A nova catedral é o centro comercial e o mercado é a nova religião. Já não temos medo de Deus, temos medo do mercado, ou dessa entidade divina e mais abstracta do que Deus: os mercados! São verdadeiramente os novos senhores do mundo e os senhores da nova espiritualidade, que é o materialismo. Nisso, o velho Marx não se enganou completamente. Se ler O Capital, encontra coisas de uma lucidez extraordinária.

Isso não torna mais incompreensível o modo como o Ocidente tem cometido sucessivos erros no Médio Oriente? No livro recorda-se o “erro histórico” que foi a invasão do Iraque…
A nossa necessidade de petróleo é uma das razões desses erros. No caso do Iraque, a estupidez obscena de Dick Cheney, de Paul Bremer e de toda aquela gente, é qualquer coisa que ainda hoje me revolta profundamente. São eles os responsáveis por tudo o que está acontecer hoje, pelo buraco enorme que é hoje o Médio Oriente, e que não vai ser resolúvel nos próximos anos. Não é resolúvel militarmente, nem politicamente, e do ponto de vista económico e financeiro é uma desgraça absoluta. Acho extraordinário que o senhor Tony Blair vá para a cama todas as noites sem que a consciência lhe morda.

E agora?
Não vejo nenhuma saída. Acho que vai piorar. Vai piorar para nós, europeus. Isto está ainda a começar.

Até já querem a Turquia na UE…
Pois é! A França e a Alemanha não quiseram a Turquia porque não lhes convinha. A Turquia tornou-se entretanto uma potência, o senhor Erdogan é um ditador democraticamente eleito, e agora perceberam que a Turquia era o Estado-tampão para aquele mundo e que sem a Turquia nada se faz. Vai isso ser possível? Não sei, mas para Erdogan é certamente uma grande vitória. Porque a humilhação que infligimos aos turcos, ao rechaçá-los das negociações para a entrada na UE, foi um erro inacreditável.

Voltando a “Pai Nosso”, interessou-lhe mais debater o “conflito” e a “situação” do Médio Oriente ou escrever um romance?
Interessou-me a natureza humana: o que é que leva as pessoas a cometer determinados actos? Seja o acto de se apaixonar, seja o acto de matar. Actos emocionais extremos. No fundo são sempre os grandes temas. É evidente que há uma trama romanesca. Porque eu queria que Portugal e os portugueses fossem também actores de grandes dramas históricos. Queria que, no país onde nunca acontece nada, como dizia o Ruy Belo, acontecesse qualquer coisa. Mas, em última análise, o que me interessava era conduzir estas personagens até determinado desfecho.

Tariq aparece esporadicamente. Porquê?
Porque eu quis mantê-lo misterioso, não quis dissecá-lo. Se o fizesse, estragava o desfecho.

Das motivações dele pouco sabemos…
Estão lá todas. Sabemos dele pelos actos dele e pelas outras personagens. Era importante não desvendar completamente o mistério, que nós não vamos aqui dizer qual é.

Já há notícias de Maria?
Não, não tem que haver. Isto não é Hollywood! Às duas principais personagens, que são ela e o Tariq, não sabemos o que é que lhes aconteceu.

Poderão então reaparecer?
Uma sequela? Não creio. O próximo livro não tem nada a ver com o Médio Oriente, felizmente. Tem duas personagens portuguesas e é sobre Portugal e o império português. No século XVI e no princípio do século XX. Quero escrever também um livro sobre refugiados da II Guerra Mundial. Em Portugal, mas não só. Eu tenho para aí um milhão e oitocentos mil caracteres de coisas que nunca publiquei, por grosso. Imagine a quantidade de livros. E grandes!

Vai, portanto, dedicar-se mais a literatura?
Sim, vou tentar fazer menos jornalismo sem morrer de fome. O que é difícil.

Interessa-lhe a recepção que este livro possa ter?
Não. Tenho uma total indiferença. Escrevo para mim, escrevo porque sempre escrevo, às vezes escrevo coisas que podia publicar em jornais e não publico. Mas todos os dias escrevo.

Não receia que a sua escrita literária seja lida à luz da imagem construída na televisão e nas crónicas jornalísticas?
Eu pensei publicar este livro com pseudónimo.

E não o fez porquê?
Porque fui desaconselhada vivamente pelos meus editores.