Novas fronteiras no combate ao VIH
Temos hoje uma nova ferramenta e com ela uma oportunidade de colocar o nosso país na vanguarda do combate ao VIH.
Surgiu nos últimos anos uma nova estratégia de prevenção do VIH conhecida como profilaxia pré-exposição (PrEP). A PrEP consiste na toma de um medicamento antirretroviral (o Truvada, usado para tratar pessoas que vivem com VIH), para prevenir a infecção em pessoas seronegativas. Vários estudos recentes demonstraram que, quando tomada devidamente, esta estratégia de prevenção tem uma eficácia perto dos 100%.
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Surgiu nos últimos anos uma nova estratégia de prevenção do VIH conhecida como profilaxia pré-exposição (PrEP). A PrEP consiste na toma de um medicamento antirretroviral (o Truvada, usado para tratar pessoas que vivem com VIH), para prevenir a infecção em pessoas seronegativas. Vários estudos recentes demonstraram que, quando tomada devidamente, esta estratégia de prevenção tem uma eficácia perto dos 100%.
Estes estudos foram conduzidos sobretudo em homens que têm sexo com homens (HSH). Isto porque a infecção por VIH neste grupo continua a aumentar em todo o mundo ocidental. Em consequência, a Organização Mundial da Saúde (OMS) passou, este ano, a recomendar a disponibilização da PrEP para os HSH em risco: com um historial de sexo anal desprotegido, mais do que dez parceiros sexuais num ano, casais serodiscordantes (em que uma das pessoas é seropositiva e a outra não), ou mesmo em grupos de especial risco como trabalhadores sexuais.
Nos Estados Unidos, a PrEP foi disponibilizada para os HSH há mais de quatro anos com um empenhado apoio do Centros para o Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC). Os resultados são claros: zero novas infecções entre os utilizadores da PrEP! A ministra da Saúde francesa anunciou já este Novembro que a França será um país onde a PrEP ficará disponível a curto prazo. No Reino Unido existem clínicas que vendem PrEP e já há muitos HSH que estão a importar do estrangeiro. Na Bélgica, Holanda e Alemanha existem estudos de implementação que estão a disponibilizar PrEP aos HSH neste preciso momento.
Em Portugal, as novas infecções por VIH entre HSH têm vindo a aumentar de forma preocupante. De acordo com dados do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), a incidência nos HSH em Lisboa é de 3,36 em cada 100 por cada ano. Ou seja, a cada ano que passa, mais de três em cada 100 HSH infectam-se. Ainda este ano, Henrique de Barros, ex-coordenador Nacional da Luta Contra a Sida e reputado epidemiologista, demonstrou que entre os HSH portugueses cerca de 80% têm indicação para iniciar PrEP, o que quer dizer que deveriam estar já a fazer PrEP, pois correm um elevado risco de se infectarem.
O sucesso da PrEP entre os HSH norte-americanos percorreu o mundo e os movimentos cívicos ligados ao VIH estão hoje na linha da frente reivindicando a generalização da PrEP. Em muitos países como o Reino Unido, onde a PrEP não é comparticipada, existem já redes de HSH seronegativos que importam Truvada genérico da Índia e o tomam de forma “selvagem” – isto é, sem apoio de uma consulta médica, onde possam vigiar os efeitos secundários desta medicação e realizar o teste do VIH e de outras infecções de forma periódica.
Ficamos a saber também neste Novembro que em Portugal já há HSH a fazerem o mesmo e até já criaram um grupo de apoio nas redes sociais. A “PrEP selvagem” pode ser um perigo para a saúde de quem a utiliza mas é também um sinal de que os HSH estão atentos aos riscos que correm e dispostos a fazer alguma coisa para os combater.
No entanto, apesar da ciência, das autoridades de saúde mundiais e da experiência que já existe, a PrEP continua a não estar disponível em Portugal. A imprensa já abordou o tema, as associações e movimentos da área do VIH já o discutem há alguns anos. Mas as nossas autoridades de saúde continuam inertes. A sua passividade e recusa em distribuir PrEP em Portugal custa-nos a todos um pesado fardo: a cada dia, semana e mês que passam surgem novas infecções. Novas infecções é um eufemismo para nos referirmos a pessoas que vão viver o resto das suas vidas sob medicação crónica. São décadas futuras de antirretrovirais, consultas e análises clínicas que todos nós iremos pagar.
Neste dia 1 de Dezembro de 2015 assinalámos a memória de todos os que morreram vítimas desta epidemia. E ao mesmo tempo estamos mais perto do que nunca de podermos colocar um ponto final nesta tragédia global. Temos hoje uma nova ferramenta e com ela uma oportunidade de colocar o nosso país na vanguarda do combate ao VIH. Faltam a vontade política e a determinação dos nossos responsáveis pela saúde. A partir de agora todos os dias contam, pois em todos esses dias há novas infecções que poderiam ser evitadas com esta nova estratégia. Uma estratégia que promete virar a página na longa história da luta contra a sida.
Médico, activista do GAT-Portugal (grupo de activistas em tratamentos para o VIH/SIDA)