Governo não exclui imposição de igualdade de género às empresas da bolsa

Associação defende que não deve haver obrigatoriedade. Directiva europeia aponta para 33% de mulheres nos conselhos de administração.

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No mundo da finança, apenas um em cada 25 cargos de topo é exercido por mulheres. Bruno Lisita

Depois de o anterior executivo ter celebrado um acordo com 13 das empresas cotadas portuguesas para atingir uma quota de 30% mulheres nos assentos dos conselhos de administração até 2018, o recém-empossado Governo socialista está a analisar a melhor forma de atingir as metas propostas pela Comissão Europeia. A secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, não afasta a hipótese de introduzir legislação que permita alcançar as metas comunitárias em matéria de igualdade de género. 

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Depois de o anterior executivo ter celebrado um acordo com 13 das empresas cotadas portuguesas para atingir uma quota de 30% mulheres nos assentos dos conselhos de administração até 2018, o recém-empossado Governo socialista está a analisar a melhor forma de atingir as metas propostas pela Comissão Europeia. A secretária de Estado da Cidadania e Igualdade, Catarina Marcelino, não afasta a hipótese de introduzir legislação que permita alcançar as metas comunitárias em matéria de igualdade de género. 

Em discussão na reunião de segunda-feira do Conselho de Emprego e Política Social, em Bruxelas, esteve a directiva sobre a representação das mulheres nos conselhos de administração das firmas cotadas, que tem como objectivo aumentar essa presença para 40% dos lugares não executivos ou 33% de todos os lugares até 2020.

Com o intuito de aumentar participação do “sexo sub-representado” nestes lugares, Catarina Marcelino vê a quota de 33% como “o valor mínimo para influenciar as decisões”, admitindo que têm que ser dados às empresas prazos para que a medida seja implementada. Realçando que o debate passará pela concertação social, a secretária de Estado refere a possibilidade de avançar com normas que obriguem as empresas cotadas a adoptar os 33%. Apesar de assumir que legislar esta matéria “não é a única forma de alcançar este objectivo”, a governante salienta que a medida pode servir como “motor” para alterar a conjuntura.

Opinião contrária tem o director executivo da Associação de Empresas Emitentes de Valores Cotados em Mercado, Abel Ferreira, que defende que não deve haver uma imposição. O problema, considera, é que nem todas as cotadas têm a mesma dimensão nem as mesmas condições para implementar as medidas ao mesmo ritmo. Apesar disso, considera as metas propostas na directiva europeia “razoáveis” e “possíveis de alcançar”.

Em 2014, na União Europeia, as mulheres ocupavam em média cerca de 20% dos lugares dos conselhos de administração, mas em Portugal esse indicador não passava dos 9%. Considerando que a imposição apenas iria “resolver artificialmente” o problema, Abel Ferreira refere que uma ”solução equilibrada” passaria por introduzir a medida no Código de Governo das Sociedades da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM). Esse passo faria com que as empresas que não aumentassem a percentagem de mulheres nos conselhos de administração tivessem “a oportunidade de se explicar de forma pública”, argumenta.  

Desigualdade nas finanças
Bancos centrais, ministérios das finanças e também grandes empresas cotadas estão entre as organizações onde a desigualdade de género em funções de liderança é maior, conclui o estudo Igualdade de Género no Poder e nas Tomadas de Decisão, divulgado pelo Instituto Europeu para a Igualdade de Género (EIGE, na sigla inglesa). No mundo da finança, apenas um em cada 25 cargos de topo é exercido por mulheres, uma disparidade bem superior à da esfera política, onde um terço dos cargos já é desempenhado por elas.

O relatório observa que, ao contrário da política – onde se tem vindo a registar progresso – no mundo financeiro os avanços têm sido “quase inexistentes”. Tal como noutras instituições europeias, esta desproporção está bem patente na liderança dos 28 bancos centrais da União, onde entre 2003 e 2014 só Chipre, a Dinamarca e a Finlândia nomearam uma governadora em vez de um governador.

Passando das entidades públicas para as organizações privadas as diferenças não se esbatem significativamente, com o EIGE a calcular que, entre as maiores cotadas europeias, só 4% tiveram, no mesmo período, mulheres como presidentes executivas. Ainda assim, registou-se uma melhoria no que toca à representação nos conselhos de administração, já que se passou de 9% em 2003 para 20% em 2014. O instituto comunitário aponta os processos de recrutamento e as práticas de promoção influenciadas pelo género numa cultura empresarial masculina como causas da relutância em designar mulheres para estes cargos.

O “maior sucesso relativo” da representação das mulheres em cargos públicos por oposição ao mundo empresarial é explicado por maior pressão política e da sociedade civil. Se em 2003 a média da representação feminina nos parlamentos dos países da União Europeia era 22%, esta percentagem aumentou para 28% pouco mais de uma década depois.

Para esta ascensão contribuíram iniciativas de carácter legislativo como a mudança da lei eleitoral portuguesa em 2006, refere o estudo, que estipula que o género sub-representado preenchesse pelo menos 33% das listas candidatas a eleições, sancionando o incumprimento desta norma. Depois da sua implementação, a representação das mulheres no parlamento nacional passou de 21% para 27% em 2009, tendo atingido uma quota de 33% nas últimas legislativas.

A manutenção de estereótipos nos papéis desempenhados permanece, porém. No que toca a funções governativas, aos homens são mais vezes atribuídas pastas como justiça, defesa e negócios estrangeiros, enquanto as mulheres assumem mais recorrentemente ministérios como os da educação, saúde e cultura.

Em relação a Portugal, o documento dá conta ainda da “ausência virtual” do sexo feminino em posições de topo no aparelho judicial, tal como de resto acontece em Espanha e no Reino Unido.