Brasil e UE propõem mecanismos de mercado no acordo climático de Paris
Proposta surge em momento crítico das negociações, quando ainda há centenas de divergências a resolver.
O Brasil e a União Europeia (UE) querem um novo mecanismo de mercado para facilitar o cumprimento dos objectivos do novo tratado climático que está a ser discutido numa cimeira da ONU em Paris. Numa proposta conjunta apresentada esta terça-feira, ambos propõem um sistema semelhante ao mecanismo de desenvolvimento limpo, do Protocolo de Quioto, no qual alguns países ganham créditos de emissões de CO2 ao investirem em projectos limpos fora das suas fronteiras.
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O Brasil e a União Europeia (UE) querem um novo mecanismo de mercado para facilitar o cumprimento dos objectivos do novo tratado climático que está a ser discutido numa cimeira da ONU em Paris. Numa proposta conjunta apresentada esta terça-feira, ambos propõem um sistema semelhante ao mecanismo de desenvolvimento limpo, do Protocolo de Quioto, no qual alguns países ganham créditos de emissões de CO2 ao investirem em projectos limpos fora das suas fronteiras.
O novo instrumento chamar-se-á mecanismo de desenvolvimento sustentável e aplicar-se-á também a entidades – tanto públicas como privadas – que possam contribuir para os compromissos de redução de emissões de um determinado país.
Os projectos têm de fomentar o desenvolvimento sustentável do país anfitrião e devem proporcionar um benefício adicional ao que já está previsto nas suas promessas de acção para a luta climática. A quase totalidade das nações da ONU apresentou, antes da cimeira de Paris, contribuições nacionais para conter o aquecimento global.
Apenas os países com metas absolutas de redução de emissões poderão beneficiar desses créditos. Já o alvo dos investimentos não está definido. O próprio texto da proposta revela um desacordo entre o Brasil e a UE, com uma menção entre parêntesis – ou seja, não consensual – de que apenas seriam os países desenvolvidos a receber os projectos.
Na contribuição nacional que apresentou às Nações Unidas, o Brasil comprometeu-se a reduzir em 37% as suas emissões de CO2 até 2025, em relação a 2005. A UE quer atingir uma redução de 40% até 2030, em relação a 1990. Ambos seriam beneficiários do novo mecanismo.
As reduções obtidas com o investimento não poderiam ser contabilizadas, ao mesmo tempo, no país em que ocorreram e naquele que deu o apoio financeiro.
A proposta da UE e do Brasil também contém uma provisão para garantir a integridade ambiental de mercados internacionais de carbono. A UE tem o seu comércio europeu de licenças de emissões desde 2005. Outras experiências em estado mais embrionário estão a surgir noutras partes do mundo, incluindo na China. A ligação entre mercados regionais, no futuro, é uma possibilidade real. O que Brasília e Bruxelas querem é que, nestes casos, haja um sistema "robusto de contabilidade para evitar que haja contagens duplicadas".
A proposta introduz uma novidade nas discussões para um novo tratado climático em Paris, num momento crítico das negociações. Desde segunda-feira, ministros de 196 países têm estado envolvidos em reuniões para tentar eliminar cerca de 800 pontos de divergência na versão preliminar do acordo. É uma tarefa ciclópica, virtualmente impossível.
A presidência francesa da conferência climática dividiu as negociações em vários grupos e as discussões estavam previstas avançar pela noite de terça-feira. França pretendia apresentar um novo texto negocial esta quarta-feira, às 13h, reflectindo as discussões dos grupos e com uma aproximação das diferenças restantes.
A cimeira tem apenas até sexta-feira para chegar a um acordo. Mas a experiência destas reuniões anuais das Nações Unidas sobre o clima é a de que os pontos mais importantes só são decididos à última hora, depois de uma noitada de negociações, ultrapassando o fim previsto.
Transversal a grande parte das divergências é a questão da diferenciação das responsabilidades entre países desenvolvidos e em desenvolvimento, consagrada em 1992 na Convenção Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas. "Não estamos aqui para reescrever a convenção", disse Edna Molewa, ministra do Ambiente da África do Sul, numa conferência de imprensa do grupo Basic (Brasil, África Sul, Índia e China).
As quatro grandes economias emergentes deixaram claro que continuam a entender que os países desenvolvidos devem fazer um esforço maior do que os demais para conter o aquecimento global. "Estamos desapontados com o nível de ambição [das contribuições] dos países desenvolvidos", disse o ministro do Ambiente, Florestas e Alterações Climáticas da Índia, Prakash Javadekar.
Mas o grupo Basic garante que está em Paris com uma posição construtiva. "Esta conferência de imprensa demonstra que os países em desenvolvimento estão a trabalhar para o sucesso desta conferência. Estamos a demonstrar flexibilidade", disse Xie Zhenhua, representante especial da China para as alterações climáticas.
Nos corredores do centro de exposições de Le Bourget, nos arredores de Paris – onde decorre a cimeira –, é nítida a diferença de opinião sobre a questão da diferenciação. "E aqueles ainda são países em desenvolvimento?", indaga um membro de uma delegação europeia.
Para os países mais pobres, a distinção é clara e está fora de questão amenizá-la. "Em algum momento, isto iria prejudicar-nos", opina Telma Manjate, ponto focal de Moçambique nas conferências climáticas da ONU. "Países muito vulneráveis, como Moçambique, precisam de apoios para se prepararem para o futuro", completa.
"A nossa prioridade é a adaptação. Temos secas, cheias e ciclones tropicais. Chegamos a ter os mesmos eventos ao mesmo tempo", acrescenta Telma Manjate.
A questão do financiamento aos países vulneráveis exemplifica como a diferenciação está presente em quase todas as discussões. Os países desenvolvidos comprometeram-se a contribuir com pelo menos 100 mil milhões de dólares anuais a partir de 2020. Mas em Paris estão a falar, agora, de uma base mais alargada de doadores.
Algumas economias emergentes também já se comprometeram a ajudar. A China, por exemplo, prometeu três mil milhões de dólares anuais, e o Brasil também tem em vista apoiar outros parceiros do Sul. Mas não querem que este apoio entre em qualquer conta, sendo apenas voluntário.
Por outro lado, os países do Basic exigem dos países desenvolvidos que cumpram a meta dos 100 mil milhões anuais. "Estamos no tempo de gerir soluções, e não de adiar decisões", disse a ministra brasileira do Ambiente, Izabella Teixeira.
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