Morreu a actriz brasileira Marília Pêra, uma mulher forte de personagens fortes

Problemas de saúde levaram-na a afastar-se dos ecrãs no último ano. Nascida numa família de actores com um pai português, tornou-se conhecida nas novelas da Globo, mas teve uma carreira de igual sucesso no teatro e no cinema.

Fotogaleria

A actriz brasileira Marília Pêra, que participou em várias telenovelas exibidas em Portugal nas últimas décadas, morreu neste sábado, aos 72 anos, na sua casa no Rio de Janeiro. A notícia foi dada pelo jornal O Globo, que indica que a causa da morte ainda não é conhecida. Vários órgãos de comunicação avançam, no entanto, que nos últimos meses lutava contra um cancro no pulmão.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

A actriz brasileira Marília Pêra, que participou em várias telenovelas exibidas em Portugal nas últimas décadas, morreu neste sábado, aos 72 anos, na sua casa no Rio de Janeiro. A notícia foi dada pelo jornal O Globo, que indica que a causa da morte ainda não é conhecida. Vários órgãos de comunicação avançam, no entanto, que nos últimos meses lutava contra um cancro no pulmão.

Marília Pêra tinha-se afastado dos ecrãs há cerca de um ano, depois de lhe ter sido diagnosticado um desgaste ósseo na região lombar. Além de actriz, com uma carreira de mais de 60 anos de grandes sucessos na televisão, no teatro e no cinema, era cantora, bailarina, produtora e coreógrafa.

Nos obituários emocionados deste sábado, a imprensa brasileira chama-lhe “uma das grandes damas do teatro e da televisão do Brasil”, embora a sua carreira no cinema não possa ser relegada para segundo plano. A comprová-lo está o facto de, no último mês de Agosto, Marília Pêra ter recebido o prestigiado Troféu Oscarito, uma espécie de Óscar de carreira do Festival de Gramado, no Rio Grande do Sul, um dos maiores e mais importantes do país.

Marília Pêra tem neste momento um filme nas salas, Chico – Artista Brasileiro, em que participa lendo em voz off excertos do último romance de Chico Buarque, O Irmão Alemão, lançado no ano passado, e uma série no ar na televisão brasileira – Pé na Cova, em que contracena, por exemplo, com Miguel Falabella, um amigo próximo. Para 2016 tinha previsto o lançamento de um disco com canções românticas como Ne me quitte pas.

Em Portugal ficou conhecida sobretudo por novelas como Rainha da Sucata (1990), Cobras & Lagartos (2006), Duas Caras (2007) e Ti Ti Ti (2010), todas exibidas na SIC.

Filha de peixe
Marília Pêra nasceu em 1943 no bairro do Rio Comprido, Rio de Janeiro, numa família de artistas. Os pais, o português Manuel Pêra e a brasileira Dinorah Marzullo, ambos actores, tiveram um papel decisivo nas suas opções de carreira, assim como a avó, a também actriz Antônia Marzullo.

“Ser actriz era tão comum porque eu fui criada dentro das coxias mesmo, me preparei assim”, disse numa entrevista ao site da Rede Globo em que falava da sua infância “privilegiada” no teatro. Costumava dizer que o seu começo tinha sido tão precoce que a estreia se dera aos 19 dias, numa peça em que precisavam de um bebé. Aos quatro anos, lembrava muitas vezes, já entrava na Medeia, de Eurípedes, um dos títulos maiores do teatro clássico, e era a sua própria mãe que a “matava” em palco, noite após noite.

"Minha formação vem do meu pai. Ele tocava piano, violino, era actor, foi carpinteiro, alfaiate de teatro", lembrou a actriz na mesma entrevista. “Adorava música erudita. Por causa dele estudei 11 anos de piano e comecei o meu aprendizado de ballet clássico. Meu pai me trouxe o teatro e música."

A sua formação em dança, entre os 14 e os 20 anos, permitiu-lhe, no início da carreira, participar em vários musicais como My Fair Lady (1962) e O Teu Cabelo não Nega (1963), onde fazia de Carmen Miranda, figura a que, aliás, haveria de voltar várias vezes ao longo do seu percurso profissional.

No entanto, teria de esperar por 1965, e pelo arranque da “fábrica” de telenovelas Globo, para se tornar verdadeiramente conhecida. A actriz fez parte do elenco que inaugurou a estação e protagonizou as novelas Rosinha do Sobrado e Padre Tião, demonstrando a sua aptidão natural tanto para o drama como para a comédia.

Uma linha ténue
Mas ainda que a televisão ocupasse boa parte da sua agenda, Marília Pêra nunca fechou a porta ao teatro nem ao cinema. O final da década de 1960 foi particularmente proveitoso para o primeiro, com a actriz a participar em peças como Se Correr o Bicho Pega, de Oduvaldo Vianna Fillho e do Prémio Camões Ferreira Gullar; A Ópera dos Três Vinténs, de Bertold Brecht e Kurt Weill; e Roda Viva, de Chico Buarque. A estreia no cinema aconteceria em 1968, com O Homem que Roubou o Mundo, realizado por Eduardo Coutinho, que muito mais tarde haveria de a dirigir no aclamado documentário Jogo de Cena (2007).

“Com Coutinho aprendi como é ténue a linha entre o que você é e o que você finge ser”, disse na maratona de entrevistas que deu a propósito do prémio carreira do Festival de Gramado.

Cacá Diegues (Tieta do Agreste, 1996, e Dias Melhores Virão, 1990) e Paulo César Saraceni (Amélia, 2000) estão entre os realizadores com quem trabalhou, grupo em que merece destaque Hector Babenco, o homem por trás de Pixote, a Lei do Mais Fraco (1980), filme que lhe daria projecção internacional e que lhe permitiu vestir a pele daquela que viria a ser uma das personagens mais icónicas da sua carreira, a prostituta Sueli. Com Walter Salles rodou Central do Brasil (1999), em que contracena com Fernanda Montenegro.

Habituada a interpretar no ecrã e nos palcos grandes figuras femininas – foi Carmen Miranda mas também a diva Maria Callas, a cantora Dalva de Oliveira, a estilista Coco Chanel e a primeira-dama brasileira Sarah Kubitschek , Marília Pêra sabia como construir uma personagem, diziam os críticos. Juliana, a vilã da minissérie O Primo Basílio (1988), adaptação de Gilberto Braga e Leonor Brassères do romance homónimo de Eça de Queiroz, é prova disso. Dizem os amigos que tinha uma personalidade forte que a ajudava a moldar as suas personagens, sempre marcantes.

“Um dia, quando parar de trabalhar tanto, quero juntar um autor, um roteirista para contar essa historinha”, confessou em 2006 ao jornal Folha de São Paulo, falando na possibilidade de rodar um filme autobiográfico. Não chegou a fazê-lo.