À espera de uma oposição democrática
A agonia da direita, uma estrada de má-fé argumentativa, uma estrada de pobreza intelectual, foi, na discussão do programa do Governo, um embaraço para a democracia. A democracia precisa de oposição democrática, circunstância que pressupõe a aceitação de premissa da aceitação da democracia, circunstância negada sem pudor em cada intervenção durante os dias 2 e 3 de dezembro.
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A agonia da direita, uma estrada de má-fé argumentativa, uma estrada de pobreza intelectual, foi, na discussão do programa do Governo, um embaraço para a democracia. A democracia precisa de oposição democrática, circunstância que pressupõe a aceitação de premissa da aceitação da democracia, circunstância negada sem pudor em cada intervenção durante os dias 2 e 3 de dezembro.
O retrato que a direita traça da ilegitimidade do Governo é um espelho assustador de uma facção que tínhamos por abolida do sistema desde 1976.
O Governo traçou claramente outra ilegitimidade, essa que seria não dar voz à esmagadora maioria dos votos convertidos numa maioria parlamentar positiva, essa que seria não se concentrar na igualdade, no crescimento económico, no emprego, no combate à pobreza, na devolução da dignidade a quem foi explorado e dispensado, ou essa de dizer "basta" a um ataque ideológico à classe média e aos mais pobres dos mais pobres, onde se encontram, para vergonha de quem tenha vergonha, um número assustador de crianças.
Infelizmente, a oposição tem tudo isto por desinteressante ou a assunção do seu enorme embuste eleitoral como um pormenor. Antes concentrou-se na pior das mediocridades: um amuo perante a perda do bem que tem por mais precioso — o poder — apoiado no pior da política, a demagogia recheada de mentira e de deslealdade discursiva para com a República.
Essa postura teve o seu apogeu no discurso sound bite de Paulo Portas, o homem que se afirmou ofendido como cidadão perante um primeiro-ministro que anunciou, apoteótico, como não eleito e apenas onde está porque o Presidente da República está com o terrível constrangimento de não poder dissolver a Assembleia da República. Não vale a pena falar do resto do discurso de Paulo Portas. Foi o habitual. Rima e essas coisas.
Não chego a ficar ofendida nem como deputada, nem como cidadã, com a insanidade antidemocrática da direita tão bem retratada pelo líder do CDS que há tanto tempo desconhece o voto popular. Constato apenas a demissão definitiva da direita pela voz de Portas, que até tem razão: o primeiro-ministro não é eleito, os deputados é que são eleitos.
Paulo Portas, a quem não falta inteligência, sabe que até já foi proposto na revisão constitucional de 1982 pela AD que o primeiro-ministro fosse o líder do partido mais votado, proposta chumbada, e sabe que a Constituição é clara quando faz depender a formação de Governo dos resultados eleitorais convertidos em mandatos parlamentares, iguais e sem privilégios de tradição.
É avassalador para quem preza a democracia ouvir Portas falar do facto de Cavaco não poder dissolver a AR como um constrangimento que terá ajudado à formação deste Governo e não como uma regra constitucional, corretíssima, que pretende, precisamente, que o Presidente não possa dissolver uma AR recém-eleita, defraudando assim a vontade do povo.
Fica para memória futura que Portas queria mesmo que a lei fundamental do Estado permitisse revogar o povo.Como disse Portas no seu discurso de (auto) demissão do sistema, é da vida. Talvez lhes e lhe passe a angústia de terem sido demitidos pelo povo, porque a democracia precisa de uma oposição democrática.