A decisão coerente da direita
A moção da rejeição é um registo simbólico. Para guerras futuras.
A decisão dos partidos da direita de apresentarem uma moção de rejeição ao programa do Governo minoritário do PS era inevitável. E nem se percebe como pode ter havido quaisquer dúvidas sobre o assunto, depois do forte combate que PSD e CDS travaram contra a solução política que, in extremis, acabou por ser aceite pelo Presidente da República.
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A decisão dos partidos da direita de apresentarem uma moção de rejeição ao programa do Governo minoritário do PS era inevitável. E nem se percebe como pode ter havido quaisquer dúvidas sobre o assunto, depois do forte combate que PSD e CDS travaram contra a solução política que, in extremis, acabou por ser aceite pelo Presidente da República.
É verdade que o clima de animosidade política e social abrandou, mas isso não significa qualquer sentimento de conformismo por parte do eleitorado dos dois partidos. Pelo contrário, significa que PSD e CDS têm necessidade de conter o radicalismo das suas hostes para passar a outra fase da resistência com que, obviamente, vão marcar a governação socialista apoiada por bloquistas e comunistas. A moção de rejeição é o momento simbólico, não para enterrarem o machado de guerra, mas para dizerem aos seus apoiantes que tudo tentaram a nível político e institucional para vencer esta batalha. Vencidos, mas não convencidos, levam a votos a sua tese da “ilegitimidade” do Governo de António Costa, sabendo que não vai passar, mas cientes de que é isso (ainda) que o seu eleitorado deseja ouvir.
Nos próximos tempos não é provável que o argumento da “usurpação” e da “golpada” seja o mote principal dos discursos da direita, mas o registo histórico da moção de rejeição poderá ser desenterrado sempre que os abalos à esquerda fizerem tremer o Governo. A qualquer sinal de instabilidade, lá estará a “ilegitimidade” à espreita em todo o esplendor da sua gloriosa linha argumentativa e como mote para a reivindicação de eleições antecipadas.
É por tudo isto que esta decisão é inevitável e coerente. Tanto mais que os programas de Governo só vão a votos caso sejam apresentadas moções de confiança ou de rejeição. Ora como, para já, António Costa não tenciona avançar com uma moção de confiança, a ausência de uma iniciativa de sentido contrário serviria, na prática, para caucionar uma solução que a direita abomina. Uma omissão que PSD e CDS pagariam caro por parte do seu campo eleitoral e cujos louros Costa não deixaria de reclamar.
Não se sabe por quanto tempo mais Passos Coelho e Paulo Portas continuarão juntos, mas entenderam-se nesta decisão. E fizeram tudo bem, acertando posições entre si antes de as levarem aos respectivos partidos, onde não havia unanimidade. Surgiu até um argumento absurdo segundo o qual a derrota da moção de rejeição poderia assumir contornos de “humilhação” para a direita, quando, na verdade, o silêncio é que corria o risco de ser lido como uma espécie de rendição. Sinais (muito ténues) de que já há quem não queira cortar todas as pontes com o PS? Indícios de mal-estar sobre o alegado “radicalismo” das lideranças? Pode ser tudo isto, mas Passos e Portas não abandonarão o barco enquanto sentirem que a reconquista do poder é capaz de surgir ali ao virar da esquina. Não depende só deles, é certo, mas não é uma missão impossível.