Uma alegria indescritível na oficina Chocalhos Pardalito
Em Alcáçovas, patrões e trabalhadores comemoram a aprovação da candidatura bebendo champanhe nos chocalhos. Os chocalheiros já estão a receber um acentuado aumento das encomendas.
Ao início da tarde desta terça-feira as ruas de Alcáçovas encontravam-se vazias. Toda a gente seguia em casa ou nos cafés da freguesia os directos televisivos. Havia nervos e confiança à mistura.
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Ao início da tarde desta terça-feira as ruas de Alcáçovas encontravam-se vazias. Toda a gente seguia em casa ou nos cafés da freguesia os directos televisivos. Havia nervos e confiança à mistura.
Às 14h20 a milhares de quilómetros de distância, em Windhoek, capital da Namíbia, a presidente do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial, Trudie Amulungu, anunciava a boa nova: "Declaro que os chocalhos estão inscritos na lista. Parabéns Portugal".
A aprovação da candidatura portuguesa foi recebida com um suspiro de alívio e uma alegria indescritível, na oficina Chocalhos Pardalito, umas das quatro que resistem na freguesia alentejana, ao declínio dos instrumentos localizadores do gado. Patrões e trabalhadores comemoram a boa nova bebendo champanhe nos chocalhos. “Nunca pensei que um dia o GPS do gado tivesse projecção mundial” exultava ao telefone Guilherme Maia um dos sócios da empresa.
Por instantes, o tinido dos martelos a bater no metal e o som de fundo da bigorna de concepção ancestral, deixaram de se ouvir para acompanhar pela televisão a decisão da 10ª reunião do comité da UNESCO.
Em pouco mais de um minuto a candidatura foi aprovada e classificada de “ exemplar” à semelhança do que já tinha acontecido com o cante alentejano.
“Este reconhecimento veio dar maior visibilidade à arte” assinala o fabricante de chocalhos ao PÚBLICO. Com efeito, de há duas semanas a esta parte e antecipando a decisão da UNESCO, na oficina de Guilherme Maia, aumentaram as encomendas de chocalhos e as promessas de voltar a dotar os animais com os tradicionais instrumentos de localização.
Veríssimo Cartaxo, reformado e residente na freguesia alentejana, era outro dos que testemunhavam o momento de felicidade colectiva que percorria a comunidade onde se concentra a maior resistência ao declínio do chocalho. “O fabrico estava mesmo mal, até que apresentaram a candidatura. Agora o pessoal está mais confiante. E até a rapaziada mais nova começa a olhar para o chocalho de outra forma”, diz numa conversa telefónica.
A arte chocalheira vai ter “maior visibilidade a partir de agora” acredita Guilherme Maia, frisando que não se trata de um trabalho menor, pois cada peça exige “muito trabalho e sobretudo bom ouvido”.
A dimensão de um chocalho varia de 1 a 50 centímetros de altura. Mas antes do resultado final é necessário envolver uma chapa de ferro com outra de latão, cobri-las de barro embebido em palha e levar ao forno de concepção ancestral, a uma temperatura que varia entre 1200 e 1250 graus centígrados, até que as duas chapas metálicas se fundam. É o chamado banho de latão. Depois segue-se um meticuloso trabalho com martelo e alicates para moldar a chapa na forma oval que apresenta o chocalho. E é à forma de marteladas que o som é obtido com o respectivo badalo igualmente metálico. Segue-se o tratamento final que pode incluir, nos chocalhos de maior dimensão, uma coleira de sola artisticamente trabalhada.
Os chocalhos têm nomes diversos conforme os tamanhos. Os de formato grande destinam-se ao gado vacum e cavalar e a alguns bodes guias. Os médios aplicam-se no gado lanígero e os pequenos em animais domésticos. Hoje, os chocalhos são vendidos principalmente para fins decorativos e os compradores e coleccionadores, sobretudo estrangeiros, preferem adquirir os já usados. O preço pode variar entre os 2,5 euros e os 1500 euros para os de maior dimensão.
O declínio no uso do chocalho no gado bovino, ovino e caprino começou há três décadas. Hoje existem em Portugal apenas quatro mestres com menos de 70 anos, dois em Alcáçovas, um no Cartaxo e outro em Estremoz. Ao todo existem 13 a nível nacional, revela o antropólogo Paulo Lima coordenador da candidatura, recordando que o som produzido pelo chocalho “permitia aos pastores saber onde estava o gado e o que estava a fazer.”
O processo desta candidatura de dimensão nacional foi dinamizado pela Agência de Turismo do Alentejo e Ribatejo. Teve a colaboração da Câmara de Viana do Alentejo e a Junta de Freguesia de Alcáçovas.
Para além da importância que lhe foi atribuída pela UNESCO, “o importante é que o chocalho continue a ser útil ao gado” antes que se perca “parte da paisagem musical do mundo rural” como disse o antropólogo Paulo Lima durante uma conferência de imprensa em Vila Viçosa na semana passada. A produção de chocalhos constitui a principal indústria da povoação de Alcáçovas que os fabrica desde o século XVIII. Hoje, o fabrico destes objectos continua a processar-se exactamente do mesmo modo, e as oficinas mantêm o mesmo aspecto de há 200 anos. Mas existem referências que “tanto a arte como a técnica vêm directamente do período romano”, acrescentou na altura o antropólogo.
A próxima tarefa dos alentejanos é concentrarem-se na classificação do montado.