Como ser menos estúpido, segundo os psicólogos

O que é que queremos dizer quando chamamos estúpido a alguém? Três psicólogos estudaram a questão e publicaram os seus resultados na revista Intelligence.

Foto
O actor britânico Rowan Atkinson na pele de Mr. Bean JOHN MACDOUGALL/AFP

Num qualquer dia, o ser humano médio defronta-se com uma data de comportamentos invulgares. Uma bizarra forma de vestir, uma conversa estranha, um gesto insólito ou qualquer outra coisa que realmente não se encaixa nos cânones dos comportamentos aceitáveis. Entre as infracções mais comuns e que tendem a fazer-nos reflectir mais do que qualquer outra, há aquelas que gostamos de qualificar de estúpidas.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Num qualquer dia, o ser humano médio defronta-se com uma data de comportamentos invulgares. Uma bizarra forma de vestir, uma conversa estranha, um gesto insólito ou qualquer outra coisa que realmente não se encaixa nos cânones dos comportamentos aceitáveis. Entre as infracções mais comuns e que tendem a fazer-nos reflectir mais do que qualquer outra, há aquelas que gostamos de qualificar de estúpidas.

Aquela coisa que aconteceu. Aquela coisa que aquela pessoa fez. Foi tão… estúpida.

Usamos a palavra com imensa liberdade e, no entanto, sem nunca – ou raramente – pararmos para considerar exactamente o que é que queremos dizer com isso. Temos pelo menos uma ideia daquilo que não significa: o facto de chamar estúpida a uma pessoa não implica que essa pessoa não seja esperta. Afinal de contas, há muita gente com um QI elevado que consegue, apesar disso, fazer coisas que consideramos “estúpidas".

Mas isso não responde à questão de saber o que “estúpido” quer dizer, nem qual a importância que damos  à forma como utilizamos esta palavra. Falhar uma paragem de comboio, ou chocar contra um poste na rua, simplesmente porque a pessoa estava a ler um livro cativante – apesar de dizermos que isso é estúpido, é com certeza outra coisa, algo de mais preciso.

Intrigado por estas questões, Balazs Aczel, professor do Instituto de Psicologia da Universidade Eötvös Loránd de Budapeste (Hungria), quis saber mais. Interessou-se pelo estudo do estranho mundo dos comportamentos não inteligentes precisamente porque tem sido surpreendentemente pouco explorado, declara. E concebeu então um estudo.

Aczel, juntamente com Bence Palfi e Zoltan Kekecs, outros dois especialistas de Psicologia da Universidade Eötvös Loránd, coligiu uma amostra de histórias – 180, ao todo – a partir de sites de notícias, blogues, fóruns e outra literatura publicamente disponível, onde era descrita uma acção que poderia ser caracterizada como estúpida.

As histórias foram a seguir apresentadas a mais de 150 pessoas, a quem foi pedido para preencherem um questionário. Para cada história, as pessoas responderam a uma série de perguntas, que incluíam algumas como: “Descreveria esta acção particular como sendo estúpida?” E caso a resposta fosse afirmativa, perguntava-se então: “Numa escala de um a dez, quão estúpida diria que é?”

Os participantes tinham ainda de explicar por que é que pensavam que uma dada acção era estúpida escolhendo para o efeito uma entre muitas categorias. E o que os cientistas descobriram foi que as pessoas tendem a concordar acerca daquilo que merece ou não ser chamado estúpido. A taxa de concordância foi, aliás, notável: à volta dos 90%.

A equipa também constatou que existem aparentemente três situações face às quais temos tendência para aplicar a palavra estúpido. Há três cenários, caracterizados por tipos específicos de comportamento, que fazem as pessoas estremecer ou rir ou levar as mãos à cabeça.

O primeiro é o que Aczel e os seus colegas chamam a “ignorância confiante”. Acontece quando a capacidade que uma pessoa pensa ter para fazer algo ultrapassa de longe a sua real capacidade de o fazer – e está associado ao mais alto nível de estupidez.

Imagine-se, por exemplo, um condutor embriagado que pensa erradamente que é perfeitamente capaz de manejar o volante do seu carro. Ou um ladrão que, pensando roubar um telemóvel, mete a mão a um dispositivo de GPS, permitindo assim que a polícia o localize imediatamente.

As pessoas não acham apenas que este tipo de comportamento é estúpido; parecem associá-lo ao nível máximo de estupidez. Estes exemplos mereceram uma nota média de estupidez de 8,5 em 10, bastante mais alta do que qualquer outro.

“A coisa mais estúpida que uma pessoa possa fazer é sobrestimar-se”, diz Aczel. “E o que isso nos diz é que não é preciso ter um QI baixo, na opinião das pessoas, para agir estupidamente. Basta ter uma má percepção das suas próprias capacidades.”

O segundo cenário em que usamos a palavra estúpido é quando alguém faz alguma coisa porque perdeu, em certa medida, a capacidade de agir de outra maneira. Aczel fala aqui em “falta de controlo” e caracteriza a situação como sendo o resultado de “comportamentos obsessivos, compulsivos ou de toxicodependência”. Dá como exemplo uma pessoa que decide cancelar os seus planos para se encontrar com um bom amigo para poder ficar em casa a jogar jogos de vídeo.

Ao terceiro tipo de comportamento que as pessoas qualificam de estúpido Aczel dá o nome de “falta de atenção – falta de sentido prático”. Trata-se de situações em que alguém faz uma coisa claramente irracional, mas por uma de duas razões: ou porque não estava a prestar atenção ou, simplesmente, porque não estava ciente de alguma coisa importante.

Pense-se em alguém que, depois de ter enchido de mais os pneus do seu carro, acaba na berma da estrada com um pneu rebentado. Ou essa pessoa estava desatenta enquanto encheu os pneus ou então nem sequer sabia à partida que precisava de estar atenta enquanto o fazia. Temos tendência de qualificar ambos estes cenários de estúpidos, embora os consideremos menos estúpidos do que os exemplos anteriores.

De certa forma, o trabalho de Aczel faz pensar na célebre e frequentemente citada cena do filme Forrest Gump, na qual Tom Hanks, quando lhe perguntam se é louco ou simplesmente estúpido, responde a gracejar: “É a estupidez que faz o estúpido” (“stupid is as stupid does”).

De facto, o estudo fornece importantes lições para todos nós, porque aquilo que optamos por qualificar de estúpido tem na realidade um impacto significativo no nosso próprio comportamento. Como escrevem Aczel e os colegas no seu artigo [na revista Intelligence]: “Estas categorias de estupidez podem permitir potencialmente prever quais são os estados exteriores ou interiores que fazem aumentar a probabilidade de nos comportarmos de maneiras que os outros possam vir a qualificar de estúpidas. Por exemplo, a ingestão de certas substâncias ou uma aceitação social excessiva [por parte dos outros] podem promover níveis de autoconfiança desproporcionados em relação às competências reais. O facto de executar tarefas habituais ou várias tarefas ao mesmo tempo podem causar distracção. Os estados afectivos intensos podem conduzir a comportamentos descontrolados. Os nossos resultados parecem sugerir que estes contextos ambientais ou internos nos tornam mais susceptíveis de fazer disparates. A interacção de diferenças individuais e de factores exteriores pode servir para prever a propensão das pessoas a apresentar comportamentos que outros qualificariam de estúpidos.”

As lições podem ser particularmente pertinentes para as pessoas que se acham muito espertas. A este propósito, Daniel Kahneman, prémio Nobel e professor de Psicologia na Universidade de Princeton (EUA), descobriu, utilizando perguntas de aritmética, que a inteligência pode fazer com que seja mais difícil encontrar respostas simples.

Kahneman ainda não conseguiu explicar por que é que isso acontece, mas especula que as pessoas inteligentes poderão ser menos capazes de se auto-avaliar, o que as tornaria mais vulneráveis. Quando confrontada com um problema matemático, por exemplo, uma pessoa inteligente poderá partir do princípio de que não irá cometer os mesmos erros de raciocínio que os seus pares — o que, por sua vez, a torna mais propensa a cometê-los.

Essa hipótese — o facto de pensar que estamos acima dos erros quando na realidade não estamos – encaixa bem na mais flagrante forma de estupidez agora identificada por Aczel: a categoria da “ignorância confiante”.

E também parece apontar para uma outra lição útil. O facto de agirmos de uma forma que não seja considerada estúpida é um objectivo comum à maioria das pessoas razoáveis, mas muitas delas poderão estar a ignorar um atributo crucial que as poderia ajudar a atingir mais facilmente essa meta: a modéstia.

“Se não quisermos fazer algo estúpido, convém provavelmente não termos expectativas exageradas acerca das nossas capacidades”, diz Aczel. “A pior coisa a fazer é agir de forma confiante quando o nosso comportamento não deixa de ser irracional. Mais estúpido que isso, impossível.”

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post