Morreu Setsuko Hara, a “eterna virgem” do cinema japonês

A actriz preferida de Yasujiro Ozu morreu em Setembro aos 95 anos de idade, deixando uma centena de filmes numa carreira breve mas intensa.

Foto
Setsuko Hara com o actor Chishu Ryu no filme de Yosujiro Ozu, Viagem a Tóquio Foto AFP/Jiji Press

Para milhões de cinéfilos mundiais, Setsuko Hara ficará para sempre a imortal Noriko de Viagem a Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu, a nora viúva que deu aos Hirayama na sua viagem à capital o carinho e as boas-vindas de que os próprios filhos não foram capazes. E que admitia com um sorriso triste à cunhada mais nova que “a vida é apenas feita de desilusões”.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Para milhões de cinéfilos mundiais, Setsuko Hara ficará para sempre a imortal Noriko de Viagem a Tóquio (1953), de Yasujiro Ozu, a nora viúva que deu aos Hirayama na sua viagem à capital o carinho e as boas-vindas de que os próprios filhos não foram capazes. E que admitia com um sorriso triste à cunhada mais nova que “a vida é apenas feita de desilusões”.

A actriz japonesa morreu a 5 de Setembro, aos 95 anos de idade, mas a notícia apenas foi divulgada pela família na semana passada – a discrição do anúncio é singularmente apropriada para uma personalidade que se retirou no auge da sua carreira e se manteve teimosamente ausente do olhar público, de um modo como talvez só Greta Garbo tenha conseguido no mundo ocidental.

E coube a Ozu, com quem a actriz trabalhou em seis filmes, definir a sua importância no cinema local do pós-Segunda Guerra Mundial: “Até certo ponto, todos os actores japoneses podem interpretar o papel de um soldado, e todas as actrizes japonesas o papel de uma prostituta. Mas é raro encontrar uma actriz que possa interpretar o papel de uma filha de boas famílias”, disse o realizador.

Não por acaso, Hara ficou conhecida como a “eterna virgem”, não apenas devido aos seus papéis, mas também por nunca ter casado nem ter tido filhos.

Como escreveu em 2011 o falecido crítico e especialista no cinema japonês Donald Richie, Hara tanto foi o exemplo da modéstia e do recato feminino, das mulheres que arcavam com toda a estrutura da rígida sociedade nipónica em plena consciência das suas desigualdades, como a corporização da “nova mulher japonesa” do pós-guerra, optimista e determinada. Actriz de enorme popularidade, rodou mais de uma centena de filmes e trabalhou com todos os grandes cineastas da sua época, como Akira Kurosawa, Mikio Naruse ou Keisuke Kinoshita. Mas foi a sua colaboração com Ozu ao longo de seis filmes – Primavera Tardia (1949), Early Summer (1951), Viagem a Tóquio, Twilight in Tokyo (1957), O Fim do Outono (1960) e Late Summer (1961) que definiu a imagem da actriz fora do Japão.

Hara retirou-se do cinema em 1963, aos 43 anos de idade, depois de uma última participação em Chushingura, de Hiroshi Inagaki; ao anunciar o seu abandono, alegou nunca ter gostado de representar e de o ter feito apenas para sustentar a família, embora vários rumores tenham circulado ao longo das décadas sobre os verdadeiros motivos da sua reclusão em Kamakura, nos arredores de Tóquio. Disse, na altura, que queria voltar a ser apenas Masae Aida, revertendo ao nome com que nascera em 1920; Setsuko Hara era o nome artístico atribuído no início da sua carreira, em 1935, pelos estúdios Nikkatsu, onde fora levada pelo cunhado, o realizador Hisatora Kumagai.

Não por acaso, o romancista Shusaku Endo escreveu que a sua presença no écrã fazia perguntar: “Poderá realmente existir uma mulher assim no mundo?”. A resposta é positiva, independentemente do nome.