Putin não tem lugar na coligação de Hollande
1. François Hollande pode dar-se por satisfeito com os resultados da sua “febre diplomática”, como lhe chamou Daniel Vernet, antigo director do Monde, com o objectivo de criar uma “ampla e única coligação” destinada a destruir o Estado Islâmico? A resposta é sim e não. Recebeu em Washington a compreensão e a solidariedade de Obama, mas não conseguiu acertar com ele uma “coligação” que inclua a Rússia ou um entendimento sobre o regime de Damasco. Obama não abandonou o caminho que definiu, há mais de um ano, para enfrentar o caos na Síria e o Estado Islâmico: aumentar a intensidade dos ataques aéreos, tentar uma negociação politica com os principais actores regionais (que já começou em Viena ao abrigo da ONU), na qual a Rússia tem um lugar à mesa; rejeitar qualquer hipótese de sobrevivência do Presidente sírio Assad, hoje apoiado pela Rússia e pelo Irão. Obama lembrou também ao seu homólogo francês, que nunca lhe regateou apoios em momentos de dificuldade, que a Rússia continua a bombardear os opositores do regime de Damasco. Hollande fez boa cara, reconheceu que o líder sírio é um problema e não uma solução, precisamente a posição de Paris antes dos atentados. A França estava apenas envolvida, e de forma limitada, na operação contra o Estado islâmico no Iraque. Só depois de 13 de Novembro passou a visar o Daesh na Síria. Obama não fez referência pública ao caso, mas a Casa Branca não esconde alguma “irritação” com os seus aliados europeus, lembrando que, ao longo do último ano, 95% dos ataques aéreos na Síria foram feitos pela aviação americana, sendo a proporção no Iraque de dois terços.
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1. François Hollande pode dar-se por satisfeito com os resultados da sua “febre diplomática”, como lhe chamou Daniel Vernet, antigo director do Monde, com o objectivo de criar uma “ampla e única coligação” destinada a destruir o Estado Islâmico? A resposta é sim e não. Recebeu em Washington a compreensão e a solidariedade de Obama, mas não conseguiu acertar com ele uma “coligação” que inclua a Rússia ou um entendimento sobre o regime de Damasco. Obama não abandonou o caminho que definiu, há mais de um ano, para enfrentar o caos na Síria e o Estado Islâmico: aumentar a intensidade dos ataques aéreos, tentar uma negociação politica com os principais actores regionais (que já começou em Viena ao abrigo da ONU), na qual a Rússia tem um lugar à mesa; rejeitar qualquer hipótese de sobrevivência do Presidente sírio Assad, hoje apoiado pela Rússia e pelo Irão. Obama lembrou também ao seu homólogo francês, que nunca lhe regateou apoios em momentos de dificuldade, que a Rússia continua a bombardear os opositores do regime de Damasco. Hollande fez boa cara, reconheceu que o líder sírio é um problema e não uma solução, precisamente a posição de Paris antes dos atentados. A França estava apenas envolvida, e de forma limitada, na operação contra o Estado islâmico no Iraque. Só depois de 13 de Novembro passou a visar o Daesh na Síria. Obama não fez referência pública ao caso, mas a Casa Branca não esconde alguma “irritação” com os seus aliados europeus, lembrando que, ao longo do último ano, 95% dos ataques aéreos na Síria foram feitos pela aviação americana, sendo a proporção no Iraque de dois terços.
Quando o Presidente francês se encontrou com o seu homólogo russo no Kremlin já só falou de “cooperação” e não de “coligação”. Putin viu na visita uma oportunidade para abrir uma brecha na frente ocidental, saindo do isolamento em que se colocou depois da crise ucraniana. Saudou a França, invocando De Gaulle e o seu espírito independente. A diplomacia francesa, diz o Monde, admite que Paris “está mais inclinada para conversar com Putin do que o Presidente Obama”. Mas Hollande não vai afastar-se sozinho do consenso transatlântico em relação a Putin. Os líderes europeus sabem que qualquer intervenção militar não se pode dar ao luxo de dispensar o apoio norte-americano. E sabem também, como escreve Judy Dempsey, do Carnegie Europe, “que devem provar que são suficientemente fortes para garantir a separação entre a sua política relativamente à Ucrânia e os ataques terroristas em Paris”. Nesta matéria, Hollande terá de corrigir o tiro.
Entre as suas visitas à Casa Branca e ao Kremlin, o Presidente francês recebeu no Eliseu David Cameron (segunda-feira, num encontro que não estava inicialmente previsto) e a chanceler alemã. É aqui que há matéria para reflectir.
2. O Governo britânico, no seu afã em torno da hipotética saída da União Europeia, tem mantido alguma distância em relação aos problemas de segurança europeus, facto que já mereceu inúmeras críticas no seu país. Não participou no esforço diplomático de Merkel e Hollande junto de Putin por causa da Ucrânia, que se traduziu na imposição de sanções cada vez mais duras a Moscovo. Até à crise ucraniana, Londres e a maioria dos países europeus só tinham face à Rússia a “estratégia do negócio”. Na Síria, o Reino Unido teve até agora uma participação quase simbólica, com meia dúzia de aviões da base militar de Chipre. David Cameron parece agora muito mais disponível para regressar ao palco europeu, ajudando a combater o Daesh ao lado da França e dos EUA. Está a tentar convencer Westminster de que a participação britânica contra o Estado Islâmico é fundamental. Não vai ter a vida facilitada. Esta nova versão do isolacionismo que se manifesta no Partido Conservador não lhe garante um apoio unânime. A opinião pública ficou “cansada” das guerras de Blair. Não pode contar com os votos do Labour, ele próprio envolvido numa guerra interna por causa da Síria. Jeremy Corbin é contra, alguns dos membros do seu governo-sombra são a favor.
A França, parece ir ao encontro do Reino Unido, lembrando outros momentos da História dos dois países. Na sexta-feira, o ministro da Defesa francês, Jean-Yves Le Drian, publicou no Guardian um apelo dramático à solidariedade britânica, lembrando a sua grande capacidade militar e lembrando o Tratado de Lancaster House, assinado há cinco anos entre os dois países, já com Cameron mas ainda com Sarkozy, com um vasto programa de cooperação militar a todos os níveis.
3. O encontro porventura mais importante decorreu na quarta-feira, depois da visita a Obama, com a chanceler alemã. Merkel manteve um cuidadoso silêncio, apenas quebrado para partilhar a dor da França. A surpresa do seu encontro com Hollande não foram apenas as palavras, foi a dimensão da ajuda militar que a Alemanha está disposta a dar à França no Mali, com 650 homens para substituir os franceses na força de paz da ONU e aviões Tornado de reconhecimento, abrindo a porta para mais ajuda se vier a ser necessária. Judy Dempsey escreve que “o terrorismo e os refugiados estão a mudar o papel de Merkel na Europa.” Foi ela também quem conseguiu levar os seus parceiros europeus a uma reacção dura contra Moscovo quando rebentou a crise ucraniana, considerando a politica agressiva de Putin uma ameaça à segurança europeia. Tem mantido o leme. Se nos lembrarmos de que, há três anos, a chanceler ignorou a intervenção francesa no Mali, porque era uma guerra de França que os alemães não estavam disponíveis para financiar, ou o seu comportamento no Conselho de Segurança quando se absteve, ao lado do Brasil ou da China, na votação de uma resolução que permitia a intervenção na Líbia, Merkel percorreu um longo caminho. A forma como enfrentou a crise dos refugiados é outro exemplo desta mudança na forma como ela própria vê a responsabilidade da Alemanha. Apesar das críticas internas, manteve o rumo, apenas ajustando a abertura à realidade. Dificilmente aceitaria uma mudança em relação a Putin. A Europa já anunciou que pode prolongar as sanções por mais seis meses. As suas decisões não são consensuais. O Handelsblatte, o mais reputado jornal de economia, escrevia na sua síntese noticiosa do dia que a Alemanha “está a mudar da ‘paz’ para ‘um bocadinho de guerra’”. A opinião pública prefere o “pacifismo alemão” a intervenções para as quais não vê qualquer utilidade. Merkel já não.
Numa semana muita coisa mudou na Europa face à tragédia de Paris. França, Reino Unido e Alemanha são fundamentais para tentar encontrar um terreno comum e a aliança transatlântica continua a ser uma dimensão indispensável da segurança europeia. Hollande, um Presidente fraco que conseguiu erguer-se à altura da tragédia, conquistou o apoio da generalidade dos franceses e a solidariedade dos europeus. Terá agora de ser consistente com o que prometeu.