Erdogan está em guerra contra os jornais: “Vão pagar caro”
A posição ambígua da Turquia em relação às várias partes envolvidas na guerra da Síria envenena a vida política turca, já se sabia. Mas está também a liquidar a liberdade de imprensa.
O director do jornal turco Cumhuriyet, Can Dundar, e o responsável pela delegação em Ancara, Erdem Gül, foram presos e acusados de “espionagem” e “divulgação de segredos de Estado”, por terem publicado um vídeo em que, afirmavam, os serviços secretos turcos estavam a entregar armas aos jihadistas na Síria. Mas não são os únicos jornalistas turcos ameaçados com longas penas de prisão por afrontarem o Presidente Erdogan.
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O director do jornal turco Cumhuriyet, Can Dundar, e o responsável pela delegação em Ancara, Erdem Gül, foram presos e acusados de “espionagem” e “divulgação de segredos de Estado”, por terem publicado um vídeo em que, afirmavam, os serviços secretos turcos estavam a entregar armas aos jihadistas na Síria. Mas não são os únicos jornalistas turcos ameaçados com longas penas de prisão por afrontarem o Presidente Erdogan.
Tratava-se de ajuda humanitária para a população turcomana na Síria, com a qual os turcos têm profundos laços étnicos, afirmou o Presidente Recep Tayyip Erdogan. Foi ele próprio que apresentou queixa contra Can Dundar e Erdem Gül. “Vão pagar caro”, assegurou.
Dundar e Gül podem ser condenados à prisão perpétua pela manchete de 29 de Maio do Cumhuriyet, poucos dias antes das legislativas de Junho, acompanhada de um vídeo que mostrava armas e munições, escondidas sob caixas de medicamentos, a serem retiradas de camiões dos serviços secretos turcos (MTI).
A queixa de Erdogan dizia ainda que o jornal “participou nas acções” do imã Fethullah Gülen, o ex-aliado de Erdogan que se tornou seu inimigo, e cujos seguidores no sector judicial e na polícia, iniciaram em Dezembro de 2013 uma série de investigações e processos por corrupção contra políticos e figuras próximas do poder – chegando até a um filho de Erdogan.
Erdogan e o seu primeiro-ministro, Ahmet Davutoglu, começaram a usar a expressão “Estado paralelo” ou o "Estado profundo" para se referirem à organização de Gülen – termos com uma longa história na Turquia, referindo-se às ligações de militares e forças nacionalistas e de extrema-direita para cometer atentados e outros crimes. Hoje, há um mandado de captura e uma recompensa pela prisão de Gülen, que vive nos EUA. Dundar e Gül são acusados de serem “membros de uma organização terrorista” e “revelarem segredos de Estado”.
Houve manifestações de alguns milhares de pessoas em Istambul e Ancara por causa da prisão do director e editor do Cumhuriyet e condenações da embaixada dos EUA em Istambul e várias organizações internacionais. “A liberdade de expressão é um dos princípios fundamentais da UE”, explicou uma porta-voz da União Europeia para os Negócios Estrangeiros em Bruxelas, citada pela AFP.
“Como é que chegámos ao ponto de prender jornalistas que denunciam as irregularidades do poder sob o pretexto de que são segredos de Estado”, indignou-se em Istambul o ex-jornalista e hoje deputado Eren Erdem, citado pela AFP.
Mas o Cumhuriyet não é o único jornal a ser alvo da fúria de Erdogan. Vários outros media, críticos do Governo – e próximos de Gülen – têm sido vítimas de uma enorme repressão. A Turquia nunca esteve em boa posição nos índices de liberdade de imprensa dos Repórteres Sem Fronteiras. Este ano está em 149, entre 180.
Alguns exemplos: o director do jornal em inglês Today’s Zaman, Bülent Kenes, está também a responder na justiça por “insultos ao Presidente” – uma figura se tornou frequente, desde que Erdogan assumiu o cargo – e pode ser condenado a oito anos de prisão. Ekrem Dumanli, director da versão turca, o Zaman, já tinha sido preso em 2014. No Hürriyet, um ex-director e actual colunista, Ertugrul Özkök, arrisca uma pena superior a cinco anos.
Poucos dias antes das eleições legislativas antecipadas de 1 de Novembro, em que o partido de Erdogan reconquistou a maioria absoluta, a polícia tirou do ar duas televisões do grupo Koza-Ipek, ligado a Gülen. Administradores judiciais tomaram conta do grupo e do jornal Millet, que estava a fazer uma cobertura crítica da campanha, transformando-o em mais um megafone dócil da palavra do Governo.