Lá vai o Vodafone Mexefest ao ritmo dos Chairlift

Esta sexta, o Coliseu de Lisboa vai ser um pouco Brooklyn. É a energia nova-iorquina dos Chairlift a contaminar um festival em trânsito entre a Avenida da Liberdade e a Rua das Portas de Santo Antão. Com Benjamin Clementine, Patrick Watson, Ariel Pink, Ducktails, Petite Noir, They're Heading West...

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Foi há cerca de dez anos que Caroline Polachek, Patrick Wimberly e Aaron Pfenning chegaram a Nova Iorque, vindos da bucólica Bouler, no Colorado, onde se haviam conhecido na universidade local. Como tantos outros aspirantes a artistas que afluem quotidianamente à cidade, tinham a ambição de aí se estabeleceram. “No início, não foi fácil”, diz-nos a cantora Caroline. “Nem sequer entendia o que atraía tanto os meus amigos para aquela cidade, mas depois, aos poucos, fui percebendo. A verdade é que ao fim de algum tempo estava submersa no ambiente artístico e isso é contaminador. Ou seja, de repente estamos rodeados de pessoas que desejam o mesmo que nós, e isso por um lado pode ser aflitivo, mas por outro pode ser muito sugestivo.”

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Foi há cerca de dez anos que Caroline Polachek, Patrick Wimberly e Aaron Pfenning chegaram a Nova Iorque, vindos da bucólica Bouler, no Colorado, onde se haviam conhecido na universidade local. Como tantos outros aspirantes a artistas que afluem quotidianamente à cidade, tinham a ambição de aí se estabeleceram. “No início, não foi fácil”, diz-nos a cantora Caroline. “Nem sequer entendia o que atraía tanto os meus amigos para aquela cidade, mas depois, aos poucos, fui percebendo. A verdade é que ao fim de algum tempo estava submersa no ambiente artístico e isso é contaminador. Ou seja, de repente estamos rodeados de pessoas que desejam o mesmo que nós, e isso por um lado pode ser aflitivo, mas por outro pode ser muito sugestivo.”

No caso deles, esse poder de sugestão funcionou. Aaron separou-se profissionalmente do projecto, depois de se ter separado sentimentalmente de Caroline, mas os outros dois continuaram mergulhados na atmosfera produtiva de Brooklyn, que então começava a dar sinais de ser o pulmão criativo da cidade, ao lado de projectos musicais como os MGMT, Yeasayer, Vampire Weekend ou Dirty Projectors, que iriam marcar os anos vindouros. Ao contrário destes, a sua postura era assumidamente pop, embora contaminada por uma estética indie. Com os anos, foram criando o seu espaço: lançaram dois álbuns, e agora, quase uma década depois de terem chegado a Nova Iorque, têm um álbum pronto, Moth – a editar em Janeiro – que está totalmente fecundado pela cidade. “É o nosso álbum nova-iorquino”, acaba por dizer-nos Patrick Wimberly.

Será, em parte, sobre esse disco que o concerto desta sexta-feira, no Coliseu dos Recreios, incidirá, sem esquecer obviamente os álbuns Does You Inspire You (2008) e Something (2012). Há dias tocaram, pela primeira vez, na Cidade do México, tendo apresentado algumas das canções do novo álbum, e o resultado deixou-os esfuziantes. “Nunca tínhamos tocado no México, não sabíamos o que iriamos encontrar, mas ficámos rendidos porque as pessoas reagiram bem às novas canções”, refere Patrick, enquanto Caroline sublinha que este regresso aos palcos com novo repertório a fez recordar dos primeiros tempos. “Estávamos ansiosos porque temos uma nova formação  um guitarrista, um percussionista, eu nos teclados, por vezes e o Patrick nas electrónicas  que foi concebida a pensar neste álbum, e ver a reacção das pessoas foi óptimo, pela excitação e porque conseguimos criar uma atmosfera positiva, com toda a gente relaxada. Foi uma experiência libertadora, que é aquilo que, no fim de contas, desejamos sempre.”

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A costela da cidade
Ao contrário dos anteriores discos, em que existia uma ideia global subjacente desde o início, desta feita os Chairlift começaram por sessões de improviso, sem saberem muito bem o que iria acontecer. “Neste caso tomámos uma decisão que acabou por ser determinante para a feitura do disco: termos o nosso próprio espaço e montarmos um estúdio”, revela Patrick. “Corri a cidade à procura desse lugar, mas em Nova Iorque não é fácil encontrar um lugar onde se possa fazer barulho durante o dia”, ri-se ele, acrescentando que acabaram por descobrir uma velha fábrica abandonada recuperada onde se alugavam pequenos espaços. “Quando nos mudámos e começamos a compor, percebemos de imediato que iria ser um disco muito nova-iorquino, no sentido de traduzir as nossas vivências mais quotidianas da cidade”, expõe.

Quando montaram o estúdio, a sua relação com a própria cidade transformou-se. “De repente, é como se tivesse um trabalho das nove às cinco, o que nunca me aconteceu. Tomo café, vou para o estúdio às 10h ou 11h, fico por lá a trabalhar, e regresso a casa lá para as 19h ou 20h, para jantar com a minha mulher.” Já Caroline salienta que “apanhava o comboio todas as manhãs para o estúdio, andava pelas ruas de maneira descontraída", e que "isso tornou-se parte integrante da feitura do disco”. E acrescenta: “Eu sei que é difícil de compreender em abstracto, mas é como se o disco acabasse por representar para mim o que significa ser uma jovem mulher em Nova Iorque em 2015. Quando começámos a trabalhar, tinha este sentimento de que gostava que Nova Iorque fosse o centro do que iríamos fazer, mas era qualquer coisa de subconsciente. Não o digo tanto ao nível das letras, mas da emoção, do espírito da música, qualquer coisa positiva e calorosa, mas que também que capta a coexistência no caos. Mas foi apenas depois de começarmos a trabalhar a sério que percebemos que era um disco sobre a cidade.”

Fala-se com eles e percebe-se que a criação do novo álbum é recente, e que as suas reflexões acerca do mesmo ainda são imprecisas. “É verdade que ainda não tivemos muito tempo para ponderar sobre o que fizemos, ainda não ganhámos o distanciamento suficiente”, ri-se Caroline, “talvez porque desta feita tenhamos operado de forma diferente. Os nosso primeiro e segundo álbuns foram feitos em Nova Iorque, mas parece-me que o sentimento do lugar nunca foi transposto para a música. Quando olho para esses discos, é como se vislumbrasse uma espécie de colagem de diversos lugares. Com este disco foi diferente. Sentimos que a energia da cidade, a sua costela multicultural, está lá.”

O single de avanço já conhecido, Ch-ching, é uma espécie de R&B digitalizado de sensibilidade pop, que parece evocar algumas das produções do último álbum de Beyoncé, a celebridade com quem colaboraram no final de 2013. “Foi uma magnífica experiência”, recorda Patrick, “conhecia a sua irmã Solange e às tantas a Beyoncé veio ver um espectáculo nosso, falámos sobre o facto de estarmos a montar um estúdio e ela virou-se para nós e disse-nos que gostava de trabalhar connosco. Na semana seguinte estávamos todos em estúdio.”

“Ela convidou-nos porque gostava da nossa música, é simples”, resume Caroline, recordando a história à volta da canção No angel, que integra o último álbum de Beyoncé. “Na altura em que estávamos a falar sobre o trabalho que havíamos feito com ela naquela semana, recordei-me que tinha uma canção no meu computador, que havia composto num hotel em digressão por Inglaterra, e à qual faltava apenas um verso. Pensei que poderia ser um bom tema para os Chairlift, mas seria incrivelmente sensual na voz de Beyoncé, e assim acabou por acontecer. Foi um pouco estranho, aquela canção, criada no meu computador, na privacidade, acabar assim”, ri-se ela, “mas foi também um orgulho.”

Química
No ano passado, Caroline dedicou-se a um projecto a solo, a que deu o nome de Ramona Lisa, lançando o álbum Arcadia, disco que a própria descreve como “intimista, caseiro, feito no computador.” Patrick, por sua vez, também não parou depois da última digressão, produzindo, misturando e tocando para outros artistas como Solange, Tune-Yards, Kelela ou os Wet. Quando voltaram a trabalhar juntos, a química regressou. “Depois desse projecto sem instrumentos, amplificação e homens por perto”, ri-se ela, “soube-me bem mergulhar em algo completamente diferente, vibrante, multidimensional e futurista, como são os Chairlift. Ao mesmo tempo foi óptimo voltar aos instrumentos acústicos e sentir essa vibração. Este não é um disco computorizado.”

“Os dias iniciais em estúdio foram retemperadores”, acrescenta Patrick. “A Caroline ia improvisando com o seu teclado e eu ia introduzindo ritmos, sem sabermos muito bem o que dali iria resultar, mas na semana seguinte percebemos que tínhamos a base para um futuro trabalho. Conseguimos criar de novo um lugar onde nos podíamos divertir e isso é óptimo. Gostava que essa alegria e essa satisfação passassem para as pessoas quando nos ouvirem em disco ou no palco.”  

Quem os viu no único concerto que deram em Portugal – no festival Primavera Sound, em 2012 – sabe do que são capazes. A sua música tanto pode ser elegante como exuberante, movendo-se por entre dinamismos rítmicos eficazes e arranjos nada óbvios, mas em palco o que fica é o som orgânico pop e a vocalização magnífica de Caroline, algures entre a expressividade luxuriante e o charme mais contido.

Cada canção é povoada por muitos elementos, mas o que sobressai no final é o lado mais empírico, como se o duo se libertasse de qualquer constrangimento de criar pop de uma forma emocional directa. “Patrick tem uma aproximação diferente à música, é mais tecnicista e cuidadoso, está sempre a tentar fugir das coisas mais imediatas, enquanto eu sou mais intuitiva e gosto do impacto directo”, diz Caroline. “No fim de contas, parece-me que é por isso que funcionamos bem os dois.”