Chegou ao fim o Governo que durou 27 dias
Mesmo com um executivo em gestão, Passos Coelho concretizou a venda da TAP.
Nem um mês durou o XX Governo Constitucional liderado por Passos Coelho. Foram 27 dias e algumas horas em que o executivo tentou aparentar normalidade perante o derrube consumado no Parlamento, 11 dias após a tomada de posse. Este é o Governo com o mandato mais curto desde o 25 de Abril, ultrapassando os 43 dias do V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, que tomou posse a 8 de Agosto de 1975 e terminou o seu mandato a 19 de Setembro de 1975.
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Nem um mês durou o XX Governo Constitucional liderado por Passos Coelho. Foram 27 dias e algumas horas em que o executivo tentou aparentar normalidade perante o derrube consumado no Parlamento, 11 dias após a tomada de posse. Este é o Governo com o mandato mais curto desde o 25 de Abril, ultrapassando os 43 dias do V Governo Provisório, chefiado por Vasco Gonçalves, que tomou posse a 8 de Agosto de 1975 e terminou o seu mandato a 19 de Setembro de 1975.
Neste período de 27 dias, o Governo de Passos Coelho concretizou a venda de 61% da TAP e aprovou medidas que pretendiam prolongar cortes de salários e a sobretaxa para o próximo ano. As propostas quanto aos salários e à sobretaxa foram travadas pela maioria de esquerda – caucionada pelo presidente da Assembleia da República – que consideraram uma exorbitação de competências de um executivo em gestão.
Quando tomou posse, a 30 de Outubro, Passos Coelho fez um discurso como se não estivesse a ser preparado à esquerda o derrube do Governo apoiado por PSD-CDS, que seria consumado dias depois. O primeiro-ministro apelou à “construção de entendimentos a todas as forças políticas, cívicas e sociais” e enumerou duas prioridades: o combate às desigualdades sociais e impulsionar a modernização administrativa. E prometeu desenvolver uma “política positiva que contraria o medo com a esperança e o cinismo com o trabalho dedicado ao serviço de todos os portugueses”.
Apesar de ser constituído por um elenco governativo em boa parte herdado do anterior executivo PSD-CDS, o tom era o de aparente normalidade. Foi nesse espírito que o recém-empossado ministro da Administração Interna, João Calvão da Silva, visitou o centro de Albufeira varrido por um forte temporal que causou uma vítima mortal e avultados danos materiais. Considerou o temporal uma “lição de vida”, ao defender que os comerciantes deveriam ter um seguro, em vez de gastarem o dinheiro “aqui e além”, e disse que o homem que morreu “se entregou a Deus”. Causou embaraço.
Cinco dias depois de tomar posse, o XX Governo Constitucional aprovou, em Conselho de Ministros, o programa e as medidas extraordinárias sobre os cortes na função pública e a sobretaxa de IRS para 2016, tendo em conta que não haverá um Orçamento do Estado em vigor a partir de 1 de Janeiro do próximo ano. Essas propostas de lei acabaram por ficar na gaveta. É que entretanto o programa de governo foi chumbado e o executivo entrou em gestão.
No momento de as propostas serem agendadas para debate no Parlamento, o PS, PCP, BE e PEV vetaram-nas por considerarem que excedem as competências de um governo em gestão. Acabaram por ser transformadas em projectos de lei das bancadas parlamentares do PSD e do CDS, que são debatidas esta quinta-feira à tarde, em conjunto com outros projectos do PS.
Com um chumbo prometido, Passos Coelho usou o tempo máximo – dez dias – para agendar o debate do programa de governo. No arranque da discussão, o então primeiro-ministro ensaiava já o discurso contra as “jogadas políticas de poder” – os acordos à esquerda só seriam assinados no dia seguinte – e anunciava que iria fazer oposição.
Apesar de a convergência à esquerda estar em fase de conclusão, Passos Coelho manteve as prioridades do Governo – a demografia, o combate às desigualdades sociais, a defesa do Estado social, a modernização administrativa, a reforma da Segurança Social e o reforço da competitividade da economia.
No segundo e último dia de debate, o vice-primeiro-ministro, Paulo Portas, reforçou a ideia de um próximo governo PS com a “maioria negativa” ser “politicamente ilegítimo” e prometeu uma oposição não colaborante com o PS.
Um pouco antes, António Costa assinava com PCP, BE e PEV os acordos, em separado, apelidados de “posição conjunta”. A moção de rejeição socialista ao programa de governo seria aprovada por 123 votos (PS, BE, PCP, PEV e PAN), mais sete do que a maioria necessária, contra 107 das bancadas do PSD e do CDS. O Governo era demitido e entrava assim num período de gestão.
Dois dias depois, enquanto o Presidente da República iniciava uma série de audições, Passos Coelho, na pele de líder do PSD, desafiava António Costa para uma revisão constitucional extraordinária com vista a antecipar as legislativas. Mesmo prevendo a resposta negativa do secretário-geral do PS, o líder social-democrata tornava clara a posição de que os socialistas baseiam o seu futuro governo numa “fraude eleitoral” e num “golpe político”. Nesse momento, o primeiro-ministro também assumia que não gostaria de ficar meses a fio em gestão até que pudessem ser convocadas eleições, já que seria um governo que teria contra si uma “maioria absoluta do Parlamento".
Mesmo em gestão, e dias depois de ser derrubado no Parlamento, o Governo concluiu o processo de venda da TAP. “Tratou-se de uma situação absolutamente inadiável. Faz parte das responsabilidades de quem governa, em qualquer circunstância não deixar que aconteçam danos gravosos ao país", justificou a ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque.
Nas últimas semanas, os membros do Governo foram discretos, mas estiveram na rua em acções como visitas a instituições (o caso da ministra da Cultura, Igualdade e Cidanania, Teresa Morais), na apresentação da Estratégia de Desenvolvimento 2015 – Douro Sul, em que esteve João Taborda da Gama, secretário de Estado da Administração Local, ou no acompanhamento do processo da Volkswagen, como deu nota pública a secretária de Estado da Economia, Vera Rodrigues.
No último dia de gestão, o Governo teve de dar explicações no Parlamento sobre a questão do crédito fiscal da sobretaxa de IRS. Na Comissão de Orçamento, Paulo Núncio foi forçado a admitir que se criou a percepção de que haveria devolução de parte da sobretaxa aos contribuintes, sobretudo durante a campanha eleitoral, mas recusou qualquer intenção de manipular politicamente os dados.
Nesta quinta-feira, o XX Governo fez a sua última reunião de Conselho de Ministros e Passos Coelho ainda se reuniu pela última vez com o Presidente da República, três horas antes de este dar posse ao novo Governo liderado por António Costa.
Com a tomada de posse do XXI Governo Constitucional, os membros do executivo cessante que foram eleitos deputados voltam ao Parlamento. Passos Coelho e Paulo Portas já deverão estar esta sexta-feira na primeira fila das bancadas do PSD e do CDS.