Hollande em Moscovo para tentar mediar uma coligação incerta
A Rússia e o Ocidente encontraram no Estado Islâmico um inimigo comum, mas dois anos de desconfiança mútua podem ser demasiado para que a cooperação aconteça.
O Presidente francês, François Hollande, tem esta quinta-feira em Moscovo aquele que é, provavelmente, o encontro mais difícil do seu périplo diplomático pós-atentados de Paris. Porém, para o seu homólogo russo, Vladimir Putin, esta será também uma rara oportunidade nos últimos dois anos de conseguir espaço de manobra junto do Ocidente, que tem encarado Moscovo como um “pária” na arena internacional.
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O Presidente francês, François Hollande, tem esta quinta-feira em Moscovo aquele que é, provavelmente, o encontro mais difícil do seu périplo diplomático pós-atentados de Paris. Porém, para o seu homólogo russo, Vladimir Putin, esta será também uma rara oportunidade nos últimos dois anos de conseguir espaço de manobra junto do Ocidente, que tem encarado Moscovo como um “pária” na arena internacional.
Desde os atentados de Paris que um dos exercícios preferidos dos analistas tem sido o de especular se a emergência de um inimigo comum — materializado no autoproclamado Estado Islâmico — poderia levar a uma reaproximação do Ocidente e da Rússia. É com esse objectivo que Hollande se encontra com Putin. Porém, sem um apoio inequívoco dos restantes parceiros ocidentais, é incerto que a integração russa numa coligação nos céus da Síria se materialize.
Washington manteve as distâncias em relação a este tema, com o Presidente Barack Obama a sublinhar no início da semana que “a Rússia permanece à margem” da actual coligação. De Berlim chegou, segundo a Reuters, uma recomendação da chanceler Angela Merkel para que Hollande se mantenha firme em relação às sanções actualmente aplicadas à Rússia pela anexação da Crimeia e pelo apoio militar dado aos movimentos separatistas que controlam grande parte do Leste da Ucrânia.
Desde que começou a intervenção militar na Síria que a Rússia tem sido criticada pelo Ocidente por parecer mais preocupada em atingir alvos dos grupos de opositores a Bashar Al-Assad do que do Estado Islâmico. Desde 13 de Novembro que, porém, esta prática parece ter mudado, com a aviação russa a bombardear mais intensamente bastiões do grupo jihadista, como Raqqa, a capital oficiosa do califado, e até a coordenar os ataques com a França, que o Ministério da Defesa russo apelidou recentemente de “aliada”. O Kremlin aproveitou ainda para divulgar imagens de mísseis com a inscrição “Por Paris”.
Mas se uma coordenação dos bombardeamentos não está totalmente afastada, tudo fica mais complexo quando se perspectiva um diálogo para uma solução política na Síria. O afastamento de Assad mantém-se como condição prévia a qualquer negociação para uma transição política, na óptica do Ocidente, enquanto Moscovo não quer predeterminar o destino do líder sírio.
Do ponto de vista do Kremlin, os atentados de Paris e a consequente emergência do Estado Islâmico como inimigo número um na Europa, configuram uma oportunidade para desanuviar as relações entre a Rússia e o Ocidente. Nos canais de televisão próximos do Governo russo — um importante barómetro do pensamento nos corredores do Kremlin —, a retórica antiocidental foi amplamente reduzida e substituída pela apresentação do terrorismo islamista como inimigo comum. O reconhecimento de que o Estado Islâmico foi responsável pela queda do avião russo no Sinai, quatro dias depois dos atentados de Paris, veio colocar os dois acontecimentos no mesmo plano.
Em editorial, o diário Vedomosti traçou comparações entre a aliança que na II Guerra Mundial derrotou a Alemanha nazi e a potencial coligação que pretende pôr fim ao Estado Islâmico. “Durante a II Guerra Mundial, a ameaça do nazismo forçou a URSS e o Ocidente a fecharem os olhos às suas diferenças ideológicas. Será que o EI se irá tornar o novo Hitler, pela derrota do qual o Ocidente estará disposto a mudar a sua posição sobre a Ucrânia e as sanções?”
No encontro desta quinta-feira, Hollande e Putin têm de ultrapassar dois anos de queda abrupta das relações entre a Rússia e o Ocidente, muito por conta do conflito na Ucrânia. A mera especulação de que as sanções possam servir como moeda de troca pelo apoio russo na Síria foi suficiente para colocar as capitais bálticas e do Leste europeu em alerta. O primeiro-ministro estónio, Taavi Roivas, foi um dos que avisaram que a “cooperação noutros locais não pode significar concessões europeias na sua vizinhança”.
Um cenário deste tipo é afastado pela maioria dos analistas, que apostam sobretudo no pragmatismo das diplomacias nos dois lados. Os 28 Estados-membros da União Europeia vão decidir no final de Janeiro se o actual quadro de sanções será renovado por mais seis meses — algo que, tendo em conta o contínuo incumprimento do plano de paz ucraniano, deverá acontecer.
“Deve haver temas em que se coopera, porque é do interesse de ambos, e temas em que se discorda”, disse recentemente a propósito deste assunto o antigo embaixador americano em Kiev, Steven Pifer, durante um programa da Rádio Europa Livre. O actual analista do Instituto Brookings deu mesmo um exemplo concreto deste tipo de práticas: “No final dos anos 1980, quando trabalhei na embaixada americana em Moscovo, estávamos muito próximos de um tratado de controlo de armas, havia até progressos em questões de direitos humanos, mas ao mesmo tempo estávamos a canalizar armas e dinheiro para o Afeganistão para conter o Exército soviético.”