Um suplício

Rufus Wainwright não vai além do pastiche kitsch de Massenet e Puccini.

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A originalidade da ópera de Rufus Wainwright, Prima Donna, é nenhuma

Pelos vistos há agora uma vaga, ou duas vagas cruzadas, de pop goes classical e classical goes pop. Em rigor há precedentes históricos: na década de 1970 houve Tommy, a ópera-rock dos The Who, os Deep Purple in Concert ou Pictures at An Exhibition, dos Emerson, Lake and Palmer, versão pop-electrónica dos Quadros numa Exposição de Mussorgski.

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Pelos vistos há agora uma vaga, ou duas vagas cruzadas, de pop goes classical e classical goes pop. Em rigor há precedentes históricos: na década de 1970 houve Tommy, a ópera-rock dos The Who, os Deep Purple in Concert ou Pictures at An Exhibition, dos Emerson, Lake and Palmer, versão pop-electrónica dos Quadros numa Exposição de Mussorgski.

A diferença agora é não só de ordem quantitativa, porque os exemplos são muitos mais, mas também qualitativa, de legitimação, nomeadamente a nível de discursos críticos e de modos de edição. Assim, nomeadamente, a Deutsche Grammophon, etiqueta clássica por tradição, já antes assinara um contrato com Elvis Costello — songwriter infinitamente superior aos outros aqui citados, diga-se, que incluiu North, disco usual de canções, mas também Il Sogno, partitura coreográfica sobre o Sonho de Uma Noite de Verão. A mesma Deutsche Grammophon “infligiu-nos” também umas recomposed Quatro Estações devidas a Max Richter (e esse é exemplo de travessia do clássico para o pop) como agora esta Prima Donna de Rufus Wainwright.

Wainwright é uma vedeta respeitável pelo modo como sempre afirmou publicamente a sua orientação sexual, tendo-se mesmo um tema como Gay Messiah tornado emblemático, qual canção porta-estandarte. Também gosta de ópera, tendo nela mesmo uma predilecção em que se patenteia um modo particular e muito vincadamente gay de culto pela diva, bem explícito nesta sua ópera.

A originalidade de Prima Donna é nenhuma, desse culto da diva — uma diva retirada que prepara o seu regresso — à música, que não passa de um pastiche kitsch de Massenet e Puccini, e embora a obra seja relativamente breve torna-se infindável e um verdadeiro suplício. Em abono da verdade há algum detalhe na orquestração, mas já agora acrescente-se que, sendo o libreto em francês, e sendo os cantores anglófonos, o sotaque se torna insuportável. E, quanto ao produto discográfico, acrescente-se ainda que não há mesmo limites para o kitsch, com as fotografias de Wainwright e do seu marido vestidos respectivamente de Verdi e Puccini. Intragável!