Ao largo de Esposende, há menos redes fantasma a pescar
Especialistas estudaram o impacto das redes perdidas no fundo do mar ao longo de 18 meses, e retiraram três toneladas de detritos da costa.
Elas pescam durante anos, e ficam séculos no mar. Deixadas para trás, involuntária ou propositadamente, pelos pescadores, em todo o mundo estima-se que haja 640 mil toneladas de redes fantasma, que continuam a matar e a alterar o ecossistema marinho. Em Esposende, o município juntou-se a vários parceiros e, no último ano e meio, desenvolveu um projecto para perceber o impacto deste fenómeno na orla marítima do concelho, toda ela integrada no Parque Natural do Litoral Norte, e conseguiu retirar cerca de três toneladas de artes de pesca inutilizadas do fundo do mar.
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Elas pescam durante anos, e ficam séculos no mar. Deixadas para trás, involuntária ou propositadamente, pelos pescadores, em todo o mundo estima-se que haja 640 mil toneladas de redes fantasma, que continuam a matar e a alterar o ecossistema marinho. Em Esposende, o município juntou-se a vários parceiros e, no último ano e meio, desenvolveu um projecto para perceber o impacto deste fenómeno na orla marítima do concelho, toda ela integrada no Parque Natural do Litoral Norte, e conseguiu retirar cerca de três toneladas de artes de pesca inutilizadas do fundo do mar.
Em Portugal, como no mundo, as redes inutilizadas são, muitas vezes, deixadas no mar: perdidas, por causa das tempestades, enroscadas nas artes de outras embarcações, que as cortam e deitam ao mar, ou danificadas e, consequentemente, descartadas pelos seus proprietários. Recurso outrora dispendioso, e por isso melhor preservado pelos pescadores, as modernas redes de fibras sintéticas são muito mais baratas e muitas vezes estes arriscam a colocá-las em zonas da costa onde – junto a cabeços rochosos, por exemplo – se estragam mais facilmente, nota o biólogo marinho Vasco Ferreira, que coordenou o projecto Redes Fantasma.
Responsável pelo Centro de Mergulho e Ecologia Marinha do Fórum Esposendense, um dos parceiros do projecto, Vasco Ferreira mergulha há mais de duas décadas. E desde cedo se apercebeu das dificuldades de convívio de peixes, e outros seres que habitam neste ecossistema, com as redes deixadas no fundo do mar. Autor do Guia de Campo - Fauna e Flora Marinha de Portugal, o biólogo encara esta iniciativa municipal como uma forma de alertar a comunidade, e principalmente os pescadores, para os efeitos invisíveis, mas duradouros, da sua actividade.
Não é que se possa dizer que os pescadores sejam insensíveis ao problema ambiental que provocam. Em vários pontos do país há empresas que recolhem redes inutilizadas, e o negócio, segundo um dos operadores, tem crescido, dado o seu valor comercial para a produção de uma nova fibra, o Econyl. Mas nas cerca de 60 campanhas de mergulho para retirada de resíduos detectados, os dois elementos da equipa trouxeram para terra um volume de detritos que, estima Vasco Ferreira, deverão pesar cerca de três toneladas, o que é apenas uma amostra da verdadeira dimensão do problema.
Na semana passada, realizou-se em Esposende um seminário sobre o projecto, que incluiu a apresentação de uma reportagem vídeo, produção do Fórum Esposendense realizada pelo próprio Vasco Ferreira. Neste trabalho, Augusto Silva, da Associação de Pescadores Profissionais de Esposende, admite que a limpeza dos fundos favorece a actividade, ao impedir a mortandade de peixe na pesca fantasma, e assume que só não se perdem mais redes porque hoje em dias os pescadores conhecem melhor as previsões do tempo e evitam, sempre que podem, deixar artes no mar em dias de temporal.
O problema nunca é estritamente local. Os 16 quilómetros de costa de Esposende são frequentados por embarcações de vários concelhos, e os detritos da sua actividade são bem notórios junto dos muitos cabeços e nos locais onde ocorreram naufrágios e restos de chapa ou madeira estragam as redes, assinala o biólogo, que passou a conhecer este território com mais detalhe.
Os 165 mil euros de financiamento do projecto (que foi apoiado pelo PROMAR, do último Quadro Comunitário de Apoio) permitiram ao município adquirir equipamento de mergulho, um mini-ROV, um veículo operado remotamente, que permite filmar a maiores profundidades e um sonar de varrimento lateral, com o qual foi feito o varrimento dos fundos.
A identificação das zonas mais problemáticas pode ser uma ajuda para as autoridades com intervenção neste território marinho, como se percebe nos depoimentos de outros parceiros prestados para o vídeo de divulgação do projecto.
“O lixo marinho é um problema ambiental grave”, alerta Fernando Gonçalves, do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que tutela o parque natural, secundado por Raul Risso, capitão do Porto de Viana, que fala numa “perda desmesurada” de redes por parte dos pescadores e admite dificuldades na vigilância da actividade de todas as embarcações que operam na costa.
O biólogo Mike Weber, director da Estação Litoral da Aguda e membro do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental, outros dos parceiros do projecto, considera que o país ganharia se, a exemplo do que acontece na Coreia do Sul, fosse dado algum incentivo para que os pescadores trouxessem para terra as redes e demais detritos, abandonados por outros, que encontram no mar. “De graça, não se faz nada”, diz o pescador Agostinho Silva. Já o presidente da Câmara, Benjamim Pereira, admite que um tal sistema poderia ter um efeito positivo, mas que isso teria sempre de passar por uma parceria entre a administração central (que tutela as pescas e o território marítimo da nossa plataforma continental) e as autarquias.
Para já, Vasco Ferreira espera conseguir sensibilizar os agentes no terreno para este problema. Em termos de divulgação dos riscos das redes fantasma, para além da página na internet, que inclui um vídeo sobre o trabalho, um dos resultados deste projecto é uma exposição de fotografia que está actualmente patente em Esposende, no Centro de Educação Ambiental, mas que o município pretende fazer circular por organismos ligados à pesca de todo o país. “Este é um esforço que tem de ser feito numa lógica nacional, mas queremos servir de exemplo”, assume o presidente da câmara.
Redes podem ser reutilizadas
As redes danificadas que os pescadores trazem para terra têm uma cadeia de valorização, que passa pela utilização deste material para a produção de uma nova fibra sintética, o Econyl, utilizável por várias indústrias e que pode acabar em novos fatos de banho ou calçado. Nas sucatas Almeida, na Póvoa de Varzim, Lurdes Lopes e Armando Almeida recebem todas as semanas cerca de uma tonelada de redes que, limpas dos restos de peixes, algas e crustáceos e das cordas que não sejam de nylon, acabam por ser exportadas e podem ser usadas na produção de 26 mil pares de meias, por exemplo.
A empresa compra as redes velhas a 12/14 cêntimos o quilo e consegue vender o produto, acomodado em fardos e limpo de impurezas, a 25 cêntimos, no máximo. “Desde que começámos a pagar, eles têm mais empenho em entregar, em vez de mandar para aterro. Póvoa e Vila do Conde estão mais limpas por causa da recolha que fazemos”, nota Lurdes Lopes.
O grupo italiano Aquafil desenvolveu a fibra sintética Econyl, a partir do fio de nylon de redes danificadas e de carpetes e outros produtos têxteis. Lado a lado com a exploração comercial desta matéria-prima que já é utilizada por algumas das melhores marcas de artigos de desporto, para a produção de fatos de banho e outros artigos, a empresa apoia o projecto internacional Healthy Seas, que promove acções semelhantes às que, em Esposende, foram realizadas no âmbito do Redes Fantasma.