Sai um primeiro-ministro para a mesa do canto

E sai meia dose de Governo com molho de esquerda (extrapicante)… Cavaco passou duas semanas a ler menus constitucionais para escolher um prato “coerente, credível e estável” que ele próprio conseguisse engolir.

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Há dias, o Presidente da República (informação: neste momento faltam dois meses e dois dias; aliás, dois meses, um dia, 23 horas, 59 minutos e 57 segundos, faça a sua contagem decrescente até às presidenciais de 24 de Janeiro) mandou abrir a porta a Passos Coelho e Paulo Portas. Cavaco Silva queria auscultá-los mais uma vez, por causa das tosses.

Os líderes da PàF avançaram pelo átrio de Belém com o seu ar de freiras que atravessam uma caserna de hunos, uma mistura de ofensa, pânico do futuro e beatitude com que saem à rua desde que foram chumbados no Parlamento. Até temos saudades de quando os dois nos chamavam piegas. Mas, para espanto dos pafistas, encontraram um Cavaco Silva sorridente. Isto é, com um verdadeiro sorriso e não um ricto facial, trejeitando para cima o reposteiro dos lábios no cenário dos dentes. Uma visão muito rara do Presidente de Todos os Portugueses Cada Vez Menos.

— Meus senhores, acordei bem-disposto. Sonhei com os belos cinco meses que passei em gestão e de repente lembrei-me que agora ainda estamos melhor!

— Estamos?...

— Esta crise maravilhosa enche-nos de orgulho porque é a oportunidade de mostrarmos ao mundo que temos os cofres cheios e fofas almofadas financeiras. Estamos sentados em cima dum monte de dinheiro!

Passos Coelho fez o que acontece neste tipo de relato: pigarreou. E olhou o vice de soslaio e, claro, Portas devolveu-lhe discretamente o olhar sem que o anfitrião se apercebesse de que os dois não coincidiam no diagnóstico. Enfim, só lhes faltou “tamborilar os dedos” numa mesa, com a testa “perlada de suor.” Passos começou.

— Senhor Presidente... isso dos cofres cheios é um bocado como a devolução da sobretaxa do IVA. É fácil passar dos 8 aos 80, ou dos 30 aos zero por cento... Foi uma narrativa conveniente, como diz o outro.

Cavaco Silva fixou pela janela um pedaço de nuvem em forma de carapau e mudou de cara.

— Na verdade estou furioso com os mercados e estas taxas de juro em baixa histórica. Eu bem me esforço para mostrar os perigos de um governo de esquerda e mesmo assim os investidores não mostram medo... Que cara é essa, dr. Portas?

— A culpa é também do Mario Draghi e do Banco Central: estão a colaborar com a golpada, com “a coisa”, com a gerigonça dos comunistas!

Cavaco Silva continuou:

— Eu só pedi a Deus uma verdadeira crise financeira para mostrar que só um governo de direita, mesmo em gestão, consegue pagar os desvarios da esquerda! Bom, mas chega. Queria apresentar-vos a solução para o nosso problema governativo. Sentem-se.

Passos Coelho e Paulo Portas procuraram almofadas. Não havia.

— É uma solução tão simples que não sei como é que não pensei nela antes.

— Julguei que o senhor Presidente tinha pensado em tud...

— Agora não! É claro que os dois terão de abdicar de algumas coisas. A vida é mesmo assim. Eu não abdiquei de parte dos meus 10 mil euros de reforma, seus marotos? O plano é este: você, Pedro Passos Coelho, sai do PSD e adere ao PS; o Paulo Portas preenche a ficha de inscrição no Bloco de Esquerda, a ministra das Finanças Maria Luís pede para ser do PCP e o Rui Machete entra no PEV.

Aqui, como é bom de imaginar, fez-se silêncio debaixo das arcadas supraciliares e das do Palácio de Belém.

— Sendo a partir daí vossas excelências membros da direita da maiori... membros de direito da maioria de esquerda, posso nomeá-los primeiro-ministro e vice-primeiro-ministro, que é o que eu mais quero na vida além de bolo-rei fofinho.

Paulo Portas mostrou mais uma vez o seu talento político. Sem contrariar Cavaco, deu-lhe um contra-argumento de génio:

— Mas, senhor Presidente — disse o líder do CDS — o “meu” partido, o PCP, não quer integrar o Governo de esquerda! Eu não posso ir contra o comité central, ou ainda me expulsam do partido. Os meus camaradas votam sempre em unanimidade informal, ou lá o que é.

— Hum, então nada feito. Bom, então voltamos ao princípio dr. Passos Coelho, está pronto para entrar em gestão durante cinco meses? É fixe.

— Desculpe, senhor Presidente, mas não vou ser assado vivo.

— E se eu convidasse o António Costa para um governo de gestão e marcasse eleições para daqui a um ano?

— E dá posse a um homem que negoceia com comunistas? Como é que o Costa se atreve? Está tudo maluco neste país? Um governo de maioria de esquerda?

Os três homens andavam em círculos. Cavaco maldizia a “pressa” de Jorge Sampaio, Passos Coelho vituperava Marcelo Rebelo de Sousa e a sua “equidistância” e Paulo Portas arrenegava Fernando “ai aguenta” Ulrich e a sua “normalidade de um governo PS”.

— Por que não um governo de iniciativa presidencial?

— Já ouvi e convidei metade do país e ninguém quer! Só se eu me autonomeasse primeiro-ministro e vos convidasse para vices. Eu pensei em tudo, tudo, tudo...

Depois da saída de Passos e Portas, Cavaco descobriu caminhos novos. Inscreveu-se nos sites de encontros românticos Tinder, Twoo e Ashley Madison (este para casados). Na ficha escreveu que procurava uma alma gémea da direita com quem pudesse partilhar um projecto de vida e um futuro só de direita. Nada. Dias depois, acrescentou: “De direita ou de esquerda, não sou esquisito.” Pela madrugada, um site avisou:

It’s a match! São compatíveis! Aníbal Cavaco Silva entrou em contacto com uma senhora respeitável que se chama Constituição. O apelido: da República Portuguesa. Que os dois conversem dois minutos e haverá paz numa pequena fatia da tarte do mundo.