O medo líquido
Obama diz que a “ferramenta mais poderosa que temos é dizer que não temos medo”. Mas Bruxelas mostrou como é difícil combater o terrorismo sem alarmar os cidadãos.
Em 2006, cinco anos depois do 11 de Setembro, o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, um ex-comunista judeu que hoje tem 90 anos, descreveu a forma como o medo domina a globalização. Em Medo Líquido, diz que vivemos na incerteza, que nos sentimos sob ameaça constante e que as nossas cidades deixaram de ser símbolos de protecção para se tornarem fontes de perigo permanente.
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Em 2006, cinco anos depois do 11 de Setembro, o sociólogo polaco Zygmunt Bauman, um ex-comunista judeu que hoje tem 90 anos, descreveu a forma como o medo domina a globalização. Em Medo Líquido, diz que vivemos na incerteza, que nos sentimos sob ameaça constante e que as nossas cidades deixaram de ser símbolos de protecção para se tornarem fontes de perigo permanente.
Pessimista, Bauman antecipa um Ocidente fechado em casa com medo do terrorismo. Sensato, prevê que o medo não desaparecerá com “soluções locais”.
Ler passagens de Medo Líquido hoje, quase dez anos depois, é um espelho do momento europeu que vivemos. Dez dias após o terrível ataque terrorista em Paris, o governo belga mantém Bruxelas em estado de alerta máximo há dois dias. Há um medo concreto de “um ataque como o de Paris”, disse o primeiro-ministro. O nível 4 de alerta indica uma “ameaça séria e iminente”. A decisão foi “baseada em informação muito precisa”.
Há uma semana que há buscas de porta a porta no bairro de Molenbeek, nos subúrbios da cidade. É aqui, nestes seis quilómetros quadrados onde vivem 100 mil habitantes, que o autoproclamado Estado Islâmico radicaliza e recruta. Daqui terão saído um terço dos belgas que se juntaram aos extremistas na Síria (440, o maior número per capita da Europa). Com a detenção de mais um suspeito e a apreensão de armas e documentos, o clima de tensão e medo espalhou-se.
Bruxelas é hoje uma cidade paralisada. Não há metro, as lojas, teatros, museus e restaurantes estão fechados, as esplanadas estão vazias, as escolas não vão abrir, há mais de mil soldados nas ruas, carros blindados e camiões militares por todo o lado.
Para enfrentar o medo, a França pediu que todos saíssem para a rua. Para evitar a morte, mas aumentando o medo, a Bélgica pediu a todos que ficassem em casa.
Este domingo, Barack Obama disse o que vai na cabeça de todos: “A ferramenta mais poderosa que temos para combater o ISIS é dizer que não temos medo”. O problema é que, como diz Bauman, o medo existe e não tem fronteiras. Líquido, flui sem controlo.
Bruxelas exagerou? Tinha alternativa? Podia ter optado por uma concentração de meios militares menos forte? A ameaça é real e há suspeitos em fuga. Vários estarão em território belga. Mas Bruxelas e – por extensão natural – toda a Europa, pode ter caído numa armadilha. Elevado o alerta de segurança para o nível máximo, Bruxelas só pode baixá-lo se conseguir mostrar resultados concretos. Prender suspeitos é um deles. Em particular, os dois homens que procura desde o dia 13. Se não conseguir, vai Bruxelas continuar indefinidamente em estado de sítio, com as crianças em casa e os transportes parados?
Para esta linha ténue que separa o excesso securitário da prevenção eficaz do terrorismo, nem Zygmunt Bauman nem ninguém tem certezas. Obama tem razão. A coexistência entre liberdade e segurança não pode ser uma utopia. Mas a resposta de Bruxelas mostra como é difícil combater o terrorismo com a intenção de proteger sem ao mesmo tempo causar medo na população.