Bataclan: três horas no "Inferno de Dante"

Testemunhos de sobreviventes do massacre que ocorreu há uma semana na sala de espectáulos parisiense permitem fazer a reconstituição do horror vivido por centenas de pessoas,

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Sobrevivente do massacre terrorista do bataclan Philippe Wojazer /Reuters

Sexta-feira, 13 de Novembro. O Bataclan, sala de concertos parisiense, vibra ao som de um grupo de rock alternativo. De repente, ouvem-se tiros: Há três suicidas armados, sangue por todo o lado, o cheiro acre de pólvora, 89 mortos, e um assalto policial três horas depois. Uma eternidade no inferno.

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Sexta-feira, 13 de Novembro. O Bataclan, sala de concertos parisiense, vibra ao som de um grupo de rock alternativo. De repente, ouvem-se tiros: Há três suicidas armados, sangue por todo o lado, o cheiro acre de pólvora, 89 mortos, e um assalto policial três horas depois. Uma eternidade no inferno.

Vindos do deserto californiano, os irreverentes Eagles of Death Metal tocavam há três quartos de hora para uma multidão jovem e compacta – a sala parisiense pode acolher 1500 pessoas – quando o horror entrou em cena.

Eram cerca de 21h40 quando um Volkswagen Polo preto, com matrícula belga, estaciona em frente à sala de espectáculos. Três homens saem, de rostos descobertos, vestindo coletes-bomba – com TATP, um explosivo artesanal muito instável – e carregando armas de guerra. Um deles envia um sms (“Já partimos, vamos começar”) antes de atirar o seu telemóvel a um caixote do lixo.

Plantado à porta, o chefe dos seguranças, “Didi”, refugia-se dentro do edifício assim que ouve os primeiros tiros. Ao Le Monde diz que gritou “Rápido, rápido, entrem, estão a disparar!”. Os atacantes faziam as suas primeiras vítmas no passeio.

No interior, o concerto atingia o seu auge. Os americanos tocam Kiss the devil, quando se ouvem na sala, mergulhada na escuridão, detonações: no rés-do-chão, os atacantes tinham começado a disparar.

Passam alguns segundos, a banda continua a tocar. A medo. Vários espectadores, meio inquietos, meio a gozar, dizem “São petardos”. Charles e Nicolas, 34 anos: “Pensamos que eram efeitos pirotécnicos.”

Corpos desabam, o cheiro a pólvora invade o ar e ouvem-se gritos na multidão. A música pára, e o grupo consegue sair de cena. Os jihadistas disparam “ao nível do bar e da mesa de som”, relata Philippe, um jovem pai. “Eles ligaram as luzes.”

Grupos compactos de espectadores fogem pelas saídas de emergência abertas pelos seguranças, outros saem pelo tecto. Outros escondem-se onde podem: atrás de cartazes, em paredes falsas...

“Os telefones tocavam, eles diparavam”

Na plateia, a multidão atira-se para o chão. “Sentia o sangue a correr ao meu lado", conta Loïc Wiels, 33 anos, "A onda de choque das pessoas que caiam à minha volta” enquanto "os atacantes desatavam aos tiros”.

“Havia gente a passar-se, a chorar, a gritar”, diz Samuel, 42 anos, “outros que diziam ‘chiu, pouco barulho’, porque temíamos que fosse a nossa vez”.

“Os telemóveis tocavam e eles disparavam: ‘pum’. De 15 em 15 segundos: ‘pum’”. Sylvain Raballant, 42 anos, tenta chegar à porta. Uma rajada atira-o para o chão. Sobrevive. Alguns escapam quando os atacantes recarregam as suas armas. Outros, encurraladas, fazem-se de mortos, escondendo-se entre os cadáveres. “Estamos a vingar os nossos irmãos da Síria”, ouve Philippe.

Sylvain vê dois dos atiradores “vestidos normalmente, calças de ganga”. Benoit Werner diz que todos tinham uma kalashnikov.

Do balcão, Marielle Timme vê lá em baixo “um cemitério”. “Eles varreram a plateia com balas. Toda a plateia cravada de balas”. “Havia cadáveres por todo o lado”, descreve Pierre Janaszak, 35 anos.

Anthony está deitado, olha para cima e vê um “tipo barbudo” que dispara, metodicamente. “Estava à espera da bala fatal”. Mas depois os jihadistas foram para cima.

“Alguém gritou que eles tinham partido”, continua Anthony. “Deslizei por um mar de sangue espesso, rastejámos, apoiados uns nos outros... O caminho para a saída estava cheio de “obstáculos”, cadáveres.

No piso de cima, os jiahdistas continuaram a disparar. Alguns espectadores acabam num beco sem saída, como David, que ficou suspenso nas barras de uma janela aberta, a sete metros do chão e que foi mandado reentrar pelos atacantes. “Vieram ter conosco e disseram "Não vos vamos matar, sigam-nos’”, conta Stéphane ao jornal L'Humanité.

Cerca das 22h00, um comissário da brigada anti-criminalidade de Paris é o primeiro a entrar no Bataclan com o seu motorista. Com a arma de serviço, abate no rés-do-chão um dos jihadistas, cujo colete explode.

Às 22h15, a brigada de intervenção (BRI) chega ao local, conta um polícia que participa no assalto: uma primeira coluna progride em direcção ao primeiro andar, uma segunda, de polícias de elite (RAID), fica no exterior e no rés-do-chão.

"Uma carnificina”

“Quando chegámos, não ouvimos nenhum tiro”, relata o agente. Para estes polícias aguerridos, a visão é de pesadelo. Na plateia, “uma maré humana”, “o Inferno de Dante”. “Uma carnificina”, diz outro polícia. Nos bolsos dos mortos, os telefones tocam.

“Polícias com uniformes de segurança máxima dizem-nos que podemos sair”, conta Samuel. “Passamos por cima de todos os corpos, tentando não os pisar.”

Por trás de cada porta, pessoas escondidas. Os polícias verificam que nenhum jihadista se misturou com as vítimas. Pierre Janaszak: “Eles pediram-me para me pôr em tronco nu antes de sair.”

Os atacantes refugiaram-se atrás de uma porta, num corredor, com uns 15 reféns. Entre eles, Sébastien, que pouco antes tinha salvo uma mulher grávida e foi obrigado a fazer de vigia. Stéphane acha os atacantes “muito desorganizados”.

Um negociador da polícia discute por telefone com eles, em vão.

Às 00h18, o assalto começa. Os agentes da BRI forçam a entrada pela porta. Entre eles e os jihadistas que disparam estão os reféns. Os polícias avançam protegidos por um escudo. Quando todos os reféns estão atrás deles, os polícias disparam. Os dois jiahdistas explodem.

O assalto final durou apenas alguns minutos. Vai ser preciso ainda uma hora para garantir a segurança do local e deixar sair os reféns, alguns reticentes. “Não tínhamos coragem de abrir a porta ao RAID”, conta Marielle, que se escondeu numa casa de banho de um camarim, “porque não sabíamos se era a políca ou se eram terroristas”.

Omar Ismail Mostefai, 29 anos, Samy Amimour, 28 anos, e um terceiro jihadista, cuja identidade não foi possível ainda determinar, mataram 89 pessoas no Bataclan. No total, os atentados dessa noite de sexta-feira em Paris fizeram 129 mortos.

“Meti cinco dias folga lá no trabalho”, conta Samuel, “como se só tivesse feito um dói-dói.”