Exames no final do 4.º ano já não vão realizar-se em 2016

Projecto de lei do Bloco de Esquerda deu entrada no Parlamento nesta quinta-feira e conta com o apoio da maioria parlamentar. Há aplausos de professores e pais, mas também críticas

Foto
Actualmente, o número máximo de alunos por turma varia entre 26 e 30 Nelson Garrido

Os alunos que actualmente estão no 4.º ano de escolaridade já não vão realizar exames finais de Português e Matemática em 2016. O final das provas, já a partir deste ano lectivo, vai ser proposto no Parlamento pelo Bloco de Esquerda (BE), no próximo dia 27, através de um projecto de lei que altera os diplomas aprovados por Nuno Crato, que instituíram os exames no final do 1.º e do 2.º ciclo, e que conta com o apoio do PS, PCP e Verdes ou seja, a actual maioria parlamentar. 

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Os alunos que actualmente estão no 4.º ano de escolaridade já não vão realizar exames finais de Português e Matemática em 2016. O final das provas, já a partir deste ano lectivo, vai ser proposto no Parlamento pelo Bloco de Esquerda (BE), no próximo dia 27, através de um projecto de lei que altera os diplomas aprovados por Nuno Crato, que instituíram os exames no final do 1.º e do 2.º ciclo, e que conta com o apoio do PS, PCP e Verdes ou seja, a actual maioria parlamentar. 

Nesta quinta-feira, em declarações ao PÚBLICO, o deputado socialista Pedro Delgado Alves confirmou que o PS apoiará o fim dos exames no 4.º ano já com efeitos neste ano lectivo. "Não faz sentido permitir que os alunos que estão agora a frequentar o 4.º ano ainda tenham de fazer esta prova, portanto quanto mais cedo a alteração entrar em vigor, melhor", referiu. 

Para já, o projecto do BE, que foi entregue no Parlamento nesta quinta-feira e a que o PÚBLICO teve acesso, limita-se a suprimir as provas do 4.º ano, embora no preâmbulo se reafirme o compromisso assumido no programa eleitoral de também pôr fim aos exames do 6.º ano. “Esse compromisso mantém-se para além da urgência do presente projecto e a ele voltaremos com futuras iniciativas”, frisa-se.

Em declarações ao PÚBLICO, a deputada do BE Joana Mortágua justifica esta opção não só pela necessidade de se garantir um “consenso amplo” em torno da medida, mas também porque alargar para já o âmbito das mudanças “poderia significar que este processo se prolongasse por mais tempo”, o que não é compatível com a sua “urgência”. “Para entrar em vigor já este ano lectivo não pode conter grandes alterações. Queremos que seja um processo limpo, claro e cirúrgico” e que também que dê “um sinal simbólico, o de que um parlamento diferente se traduz numa vida diferente para as pessoas, e também na educação”, frisou.

No seu programa eleitoral o PS prometeu “reavaliar a realização de exames nos primeiros anos de escolaridade”, provas que sempre contaram também com a oposição do PCP e dos Verdes. Segundo Pedro Delgado Alves, o PS está ainda a avaliar se apresentará um projecto próprio neste sentido, embora à partida  tal não lhe pareça necessário já que, no geral, o projecto do BE "merece a concordância" do seu grupo parlamentar, podendo depois ser aperfeiçoado na fase da discussão na especialidade, acrescentou.

"Não está em causa a importância de existirem instrumentos e momentos de aferição, mas estas provas, nos moldes actuais e na fase precoce em que são realizadas, constituem uma prática pedagógica que já foi abandonada por quase todos os países europeus", frisou.

Com o mesmo objectivo, pôr fim aos exames do 4.º ano já este ano lectivo, o PCP decidiu, pelo seu lado, entregar o seu próprio projecto de lei nesta sexta-feira no Parlamento para ser debatido em conjunto com o do BE, a 27 de Novembro, confirmou o deputado Miguel Tiago. O eleito comunista adiantou que o PCP votará a favor do projecto do Bloco, mas frisou que faz parte da prática parlamentar a apresentação de diplomas próprios. "O nosso preâmbulo será certamente diferente e as soluções formais do ponto de vista legislativo também podem ser diferentes. É um processo que só dignifica o debate e cujo resultado final se traduz geralmente numa lei que resulta do conjunto das que foram apresentadas com o mesmo propósito", explicou.

Aplausos e críticas
A mudança é aplaudida por pais e professores. ”Sempre fui contra os exames no final do 1.º ciclo porque são negativos para as aprendizagens das crianças e para o funcionamento normal do ano lectivo, nomeadamente devido à altura em que se realizam em Maio, quando ainda não acabaram as aulas”, diz Filomena Viegas, responsável na Associação de Professores de Português (APP) por este nível de escolaridade.

Os exames finais no 4,º ano estrearam-se em 2013 e Filomena Viegas não tem dúvidas, pela experiência dos últimos três anos, que “avassalam o quotidiano dos professores a partir do princípio do 2.º período, quando as aulas passam a ser transformadas em sessões de treino para os exames”. “Os alunos não fazem mais nada, a partir dessa altura, do que repetir os testes dos anos anteriores. Temos provas disso”, acrescenta.

Filomena Viegas aponta também outro efeito perverso dos exames, já apontado pelo Conselho Nacional de Educação: apesar da percentagem de chumbos ter diminuído no 4.º ano a partir da introdução dos exames, aumentou no 3.º ano ou seja, salienta, “as crianças estão a ficar retidas no ano anterior ao do exame com o argumento de que não estão preparadas” para realizarem esta prova. A percentagem de chumbos no 4.º ano em Portugal Continental desceu de 3.8% em 2013 para 3.3% em 2014 (último ano com dados conhecidos), mas no 3.º ano subiu de 4,8% para 4,9%.

A responsável da APP defende ainda que valorizar apenas a avaliação a Português e a Matemática em idades tão precoces desvirtua o que deve ser a formação neste nível. “Devemos estar a educar as crianças para serem bons cidadãos e não só para saberem alguma coisa de Português e Matemática. E o que tem acontecido é que tudo o resto, a área de Expressões, o Estudo do Meio, as visitas de estudo, são postas em causa com os exames”, alerta.

Lurdes Figueiral, presidente da Associação de Professores de Matemática (APM), aponta no mesmo sentido. “Os exames vieram introduzir um desequilíbrio curricular ao privilegiarem, logo a partir de tão cedo, o Português e a Matemática”, adianta, lembrando que a APM sempre se opôs a estas provas por considerar “não só que não se justificam, como são contraproducentes". As aulas passaram a estar muito mais focadas na avaliação do que nas aprendizagens”, frisa também a presidente da APM, acrescentando ainda que estas provas “não são um instrumento adequado para providenciar informação sobre as dificuldades dos alunos, nem a formas de as remediar”. “Só existem vantagens para que a mudança seja feita já este ano lectivo”, frisa.

O presidente da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap), Jorge Ascensão, discorda. "Sempre defendemos que não devem ser feitas alterações legislativas com o ano a decorrer", lembra. Para Jorge Ascensão, as alterações na educação "devem ser pensadas com mais tempo, terem na base um diálogo alargado com os parceiros e um compromisso de base, de modo a que o que se faz no sector não dependa de quem está no Governo", uma prática que, frisa, tem sido um dos "flagelos" da educação. 

"Não nos parece que houvesse a necessidade urgente de pôr fim aos exames do 4.º ano, embora não estejamos de acordo com os moldes em que estão a ser realizados, nomeadamente com o facto de contarem para a nota final", adiantou. "Não concordamos que a avaliação tenha como objectivo seleccionar alunos para os chumbar ou desviar para outros percursos, mas consideramos que os exames são um importante instrumento de aferição das escolas e das aprendizagens", especificou, acrescentando que a Confap está de acordo com a revisão dos moldes da sua implementação, mas não com a sua eliminação. "Os partidos políticos deveriam procurar falar com os parceiros para se levar por diante um debate profundo sobre o que é preciso fazer em matéria de avaliação em todo o percurso educativo, incluindo os moldes de acesso ao ensino superior", defendeu.

Posição diferente tem Isabel Gregório, presidente da Confederação Nacional Independente de Pais e Encarregados de Educação. “Sempre considerámos que não existem razões para existirem este tipo e exames. Mais vale que o tempo nas aulas seja aproveitado para avançar no programa e aprofundar e consolidar conhecimentos. E os professores lá estarão para avaliar se o aluno tem ou não condições para transitar”, justifica, para sintetizar de seguida: este é um projecto que conta “com todo o nosso apoio”.

Notícia corrigida às 18h52, por via da posição da Confederação Nacional das Associações de Pais