O português que indica o caminho às naves espaciais

Começou como estagiário numa empresa que trabalha com a Agência Espacial Europeia e agora chefia uma equipa de navegação espacial. Vasco Pereira divide-se entre duas missões: a LISA Pathfinder, que quer provar uma das previsões da relatividade de Einstein, e a ExoMars, à procura de vida em Marte.

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Na madrugada de 1 para 2 de Dezembro, Vasco Pereira vai estar no centro de controlo espacial de Darmstadt, na Alemanha, com os olhos postos em Kourou, na Guiana Francesa. Do outro lado do Atlântico, na base da Agência Espacial Europeia (ESA), a missão LISA Pathfinder deverá ser lançada para o espaço. Esse é o ponto alto de seis anos de trabalho na Airbus Defence and Space para o engenheiro aeroespacial português. Em Inglaterra desde 2009, Vasco Pereira é o chefe da equipa de orientação e navegação espacial na empresa que desenvolveu o satélite da ESA. O propósito científico é histórico e passa por tentar detectar, pela primeira vez no espaço, as ondas gravitacionais previstas pela teoria da Relatividade Geral formulada por Albert Einstein em 1915.

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Na madrugada de 1 para 2 de Dezembro, Vasco Pereira vai estar no centro de controlo espacial de Darmstadt, na Alemanha, com os olhos postos em Kourou, na Guiana Francesa. Do outro lado do Atlântico, na base da Agência Espacial Europeia (ESA), a missão LISA Pathfinder deverá ser lançada para o espaço. Esse é o ponto alto de seis anos de trabalho na Airbus Defence and Space para o engenheiro aeroespacial português. Em Inglaterra desde 2009, Vasco Pereira é o chefe da equipa de orientação e navegação espacial na empresa que desenvolveu o satélite da ESA. O propósito científico é histórico e passa por tentar detectar, pela primeira vez no espaço, as ondas gravitacionais previstas pela teoria da Relatividade Geral formulada por Albert Einstein em 1915.

Na empresa onde começou como estagiário, há já seis anos, Vasco Pereira tem-se dedicado ao desenvolvimento do satélite que vai estudar “as perturbações que podem estar relacionadas com as ondas gravitacionais”.

As ondas gravitacionais são pequenas ondulações produzidas no tecido do espaço-tempo. A breve mas brutal expansão do Universo fracções de segundo após o Big Bang, há 13.800 milhões de anos, terá produzido ondas gravitacionais. A matéria também deforma o espaço-tempo, o tecido que constitui o próprio Universo, por isso as estrelas, os planetas, os buracos negros ou galáxias inteiras produzirão estas ondas gravitacionais. Quando elaborou a Teoria da Relatividade Geral, Einstein não se referia às ondas gravitacionais primordiais, porque o conceito de Big Bang não existia nessa altura. Falava, em vez disso, de perturbações, ou ondulações, no espaço-tempo provocadas por qualquer objecto com massa em movimento, em particular objectos muito maciços como os buracos negros.

São as ondas gravitacionais originadas desta última maneira que o satélite LISA Pathfinder vai tentar detectar experimentalmente. “As ondas gravitacionais que tentarão ser identificadas são de todo o Universo, dado que as fontes mais típicas destas ondas serão explosões de supernovas ou buracos negros”, explica o investigador português. É a primeira vez que se vai à sua procura no espaço, sublinha por sua vez a ESA no seu site, o que poderá abrir uma nova janela de exploração do Universo. Em terra, a gravidade exercida pelo nosso planeta, por exemplo, iria mascarar os resultados da experiência.

A LISA é dividida em duas partes: uma científica e outra de propulsão, explica Vasco ao PÚBLICO, numa conversa via Skype. “Assim que sair do foguetão Vega, a nave vai ficar à sua mercê e terá de conseguir encontrar o Sol”, começa por contar o engenheiro aeroespacial de 31 anos. Os algoritmos que determinam a procura do Sol para que os painéis consigam obter a energia necessária ao funcionamento do satélite de duas toneladas são da responsabilidade da equipa do português. O objectivo é alcançar um dos pontos de Lagrange — o L1, um local especial do ponto de vista gravitacional no sistema orbital composto pela Terra e pelo Sol. Está situado a 1,5 milhões de quilómetros do nosso planeta, em direcção ao Sol, e para lá chegar, o satélite terá de ganhar velocidade e “escapar-se da trajectória da Terra”, aumentando o tamanho da sua órbita em relação ao nosso planeta.

“É como se tivéssemos um cordel com uma bola na ponta e, à medida que o vamos acelerando, se a certa altura largarmos o cordel, ele vai muito mais longe do que se for a uma velocidade inferior”, compara Vasco Pereira. É para que a velocidade elevada seja atingida que existe o sistema de propulsão.

Assim que o ponto de L1 for alcançado, apenas restará o módulo científico, um bloco hexagonal composto por dois cubos, que por sua vez albergam lá dentro dois pequenos corpos que vão servir para os testes (as duas “massas de teste”). Quando o satélite estiver estável no ponto de L1, essas duas massas serão libertadas no interior dos cubos, ficando em queda livre. Através de lasers, far-se-ão medições rigorosas do movimento das massas de teste, para assim medir “as variações de posições entre elas e as perturbações a que podem ser submetidas”.

Mais tarde— numa possível missão futura que a ESA ainda não aprovou —, três satélites podem vir a ser lançados com destino a três pontos de Lagrange distintos, a milhões de quilómetros de distância entre si. E, aí sim, aprofundar as medições das minúsculas perturbações no espaço-tempo previstas na teoria de Einstein.

O trabalho de Vasco Pereira ficará concluído quando o LISA Pathfinder chegar ao ponto de L1, aproximadamente 50 dias após o lançamento a 2 de Dezembro. Até agora, o desafio foi desenvolver e testar “milhares de simulações” de algoritmos de controlo para navegação e orientação espacial. “Basicamente, o meu trabalho define-se assim: onde e como está o satélite e, depois, como, quando e para onde vai.”

Marte também em mira
Das ondas gravitacionais para Marte: Vasco Pereira acumula funções na empresa Airbus Defence and Space e, desde Julho de 2014, que também se dedica à navegação da ExoMars, missão conjunta da ESA e da Agência Espacial Russa (Roscosmos). O objectivo é procurar vida — passada ou presente — em Marte e, para isso, uma equipa da Airbus Defence and Space está a desenvolver um rover, um veículo de controlo remoto que é também um laboratório móvel.

Para já existem apenas “modelos preliminares” do robô e a montagem da versão final poderá ser acompanhada através de câmaras colocadas numa sala asséptica, concluída há cerca de dois meses. “Se queremos ir à procura de elementos que provem a existência de água em Marte, temos de ter o cuidado de não os levar já agarrados ao rover”, justifica.

A integração dos algoritmos desenvolvidos no veículo é a função de Vasco Pereira. E um equipamento criado de raiz para percorrer Marte tem de responder a muitos problemas específicos, entre os quais a grande amplitude térmica entre a noite e o dia que se verifica no planeta. “O material vai ter de sobreviver a temperaturas de 120 graus Celsius negativos até 50 graus” e, por isso, terá de ser testado e receber a garantia de que está apto para passar por essas variações de temperatura, e por outras.

A radiação também é um dos “pontos críticos” da missão, a par das poeiras e das tempestades de areia às quais é preciso resistir — a sorte do astronauta interpretado por Matt Damon no filme Perdido em Marte (de Ridley Scott) é ditada, precisamente, por uma tempestade de areia.

O recente anúncio de descoberta de água salgada em Marte, por uma equipa de cientistas da agência espacial norte-americana NASA, é “mais uma garantia de que vale pena tentar lá ir”, acredita Vasco Pereira. O rover da missão ExoMars, contudo, “poderá ter uma noção melhor daquilo que é Marte”, se comparado com o robô Curiosity, a passear-se pelo planeta vermelho desde 2012. O veículo da ESA terá uma broca maior e permitirá a recolha de amostras até dois metros de profundidade, centrando-se na biologia. Em preparação estão simulações para perceber como é que o robô vai sair do módulo de aterragem (lander), assim que este tocar no planeta vermelho, agora que a região marciana de Oxia Planum foi escolhida como local de chegada.

Os anos de 2016 e 2018 são decisivos para esta missão — na qual também trabalha outro português, Nuno Silva, responsável pelo departamento de dinâmica de voo da Airbus Defence and Space. Para Março do próximo ano está agendado o lançamento do satélite responsável pelas comunicações entre a Terra e os aparelhos da missão ExoMars. A bordo do módulo de demonstração Schiaparelli seguirão alguns instrumentos científicos. Contudo, a principal função será a de elemento de comunicação entre a Terra e o rover, cujo lançamento está previsto para Maio 2018 (e a chegada a Marte, só em Janeiro de 2019).

O tempo, na indústria espacial, assume uma dimensão determinante: para que uma missão se concretize é preciso saber esperar. “É difícil ver a luz ao fundo do túnel quando passa um ano e parece que não acontece nada”, confessa Vasco Pereira.

No caso da missão LISA Pathfinder, a espera que antecede o lançamento está quase a terminar: no início de Outubro, o satélite chegou à Guiana Francesa, ao Centro Espacial de Kourou. “Ver que só falta colocar o combustível nos tanques e no foguetão e garantir que não há problemas meteorológicos nesse dia é uma sensação muito reconfortante”, admite o investigador português, que assistirá a tudo à distância, no centro de controlo espacial da ESA em Darmstadt. “E vê-lo a funcionar será ainda mais reconfortante.”