França terá "direito de asilo" a obras de arte ameaçadas pelo Estado Islâmico
Hollande abriu mais uma frente de guerra ao EI – por via patrimonial, uma das grandes fontes de rendimento do movimento
Quatro dias após os atentados terroristas de Paris, o o presidente François Hollande fez questão de estar esta terça-feira na 70ª conferência geral da Unesco. Para anunciar uma série de medidas, entre as quais uma lei de "direito de asilo" no seu país a obras de arte ameaçadas pelo Estado Islâmico (EI). No fundo, Hollande anunciou a abertura de mais uma frente de guerra ao Daesh – uma guerra por via patrimonial, uma das grandes fontes de rendimento do movimento extremista islâmico na Síria e no Iraque, países com milhares de sites arqueológicos de importância inestimável.
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Quatro dias após os atentados terroristas de Paris, o o presidente François Hollande fez questão de estar esta terça-feira na 70ª conferência geral da Unesco. Para anunciar uma série de medidas, entre as quais uma lei de "direito de asilo" no seu país a obras de arte ameaçadas pelo Estado Islâmico (EI). No fundo, Hollande anunciou a abertura de mais uma frente de guerra ao Daesh – uma guerra por via patrimonial, uma das grandes fontes de rendimento do movimento extremista islâmico na Síria e no Iraque, países com milhares de sites arqueológicos de importância inestimável.
"O direito de asilo é válido para pessoas […] mas o asilo é válido também para obras, o património mundial. É o motivo por que esta disposição [que França vai aprovar] figurará na lei da ‘Liberdade de Criação’ que a ministra da Cultura Fleur Pellerin está a ponto de levar ao Parlamento", anunciou Hollande.
Numa comunicação ao fórum de líderes, onde foi recebido com um aplauso de quase um minuto, o presidente francês recordou como "neste momento, a organização terrorista Daesh atribui licenças de exploração e cobra impostos sobre os bens culturais que vão em seguida alimentar o mercado negro mundial". Um trânsito que usa os mercados europeus, onde entra, entre outros pontos, através das fronteiras turcas.
A França "decidiu introduzir um controlo fronteiriço à importação de bens culturais, interditando o transporte, o trânsito e o comércio do património cultural móvel que tenha deixado ilegalmente certos países", anunciou Hollande. Mas essa é apenas uma medida de contenção ao tráfico e a França quer ir mais longe, à origem do problema – quer impedir que as obras de arte cheguem a cair nas mãos dos terroristas. Para tal, Paris "trabalhará com governos legítimos e museus voluntários em planos de salvaguarda de emergência" desenvolvendo "mecanismos que permitirão o albergue temporário [em museus franceses] de obras de arte ameaçadas". Uma medida válida "pelo tempo que durem os conflitos".
Enfatizando a importância da memória e da herança cultural como força unificadora contra o extremismo violento, Hollande explicou que este plano foi elaborado, a seu pedido, pelo director do Louvre, Jean-Luc Martinez. "A história ensina-nos que são sempre os totalitarismos e os integrismos que proibem a música, que queimam os livros e destroem património, tentam apagar a memória dos que os antecederam", disse Hollande, sublinhando que "não estamos face a uma guerra de civilizações porque os assassinos não trazem traços de civilização" .
Mas Hollande começou por explicar o motivo de estar ali apenas quatro dias após os atentados de Paris. Motivos que se ligam à própria génese da Unesco, criada em 1946 e que o presidente francês vê como "a consciência moral da humanidade" : "Estou na Unesco, a organização que junta os países para a paz e a cultura. Foi por isso que me pareceu tão importante estar hoje aqui, para recordar estes valores e esta vontade que existiu depois da barbárie da II Guerra Mundial de fazer prevalecer a educação, a cultura e a ciência contra o fanatismo e o totalitarismo", explicou.
Repetindo que França não cederá ao terrorismo e que "Paris continuará a ser a cidade dos teatros, dos cinemas, dos museus e dos espectáculos", Hollande frisou que "a cultura estará sempre em casa em França".
Houve a destruição dos Budas de Bamiyan, a 240 quilómetros de Cabul, no Afeganistão, em 2001, houve Palmira, na Síria, já este ano, e tantos outros exemplos de destruíção : "Os fanáticos atacam os vivos, mas também os mortos, tudo o que é humanidade, a de hoje e amanhã, mas também a de ontem. Querem apagar tudo. A Unesco tem um papel maior na defesa de bens comuns", disse Hollande, apelando àquele organismo das Nações Unidas para que garanta a aplicação das medidas propostas por França. Nomeadamente, a criação de um fundo de dotação internacional para a "preservação da memória universal".
"As guerras nascem no espírito das homens, é no espírito dos homens que devem ser elevadas as defesas para a paz. Foi esta a intenção dos que criaram a Unesco. À barbárie dos terroristas devemos opor a invencível humanidade da cultura, que, como dizia Malraux, fez dos homens mais do que um acidente da natureza. A cultura – é por ela que a França hoje se bate."
Hollande fez também saber que a França acolhe actualmente 460 bolseiros sírios e mais de 300 iraquianos, 20 dos quais na área do património e arqueologia. "Espero que o meu país, neste contexto, possa ainda acolher mais arqueólogos e investigadores sírios." Um dos objectivos, explicou, é a digitalização e inventariação de materiais ligados a sites arqueológicos e colecções de arte. "Para ficar pelo menos um traço do que se destrói."