Sobre os alegados “tabus” — anticomunistas e antifascistas
Se existiu um “tabu”, anticomunista e antifascista, ele foi criado pelos socialistas democráticos de Mário Soares e Maria Barroso.
Já tudo terá sido dito sobre a presente situação política nacional. Ainda assim, parece valer a pena distinguir dois problemas de natureza diferente — que nem sempre têm sido distinguidos.
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Já tudo terá sido dito sobre a presente situação política nacional. Ainda assim, parece valer a pena distinguir dois problemas de natureza diferente — que nem sempre têm sido distinguidos.
Um primeiro problema consiste em saber se os chamados acordos da actual direcção socialista com os partidos à sua esquerda são suficientes para a formação de um governo. Segundo dizem os subscritores desses acordos, existem condições no Parlamento para viabilizar um governo socialista. Por isso, argumentam esses subscritores, ao Presidente da República cabe apenas indigitar o actual líder socialista como Primeiro-Ministro.
Acontece que o nosso sistema político não é puramente parlamentar. O Presidente da República é eleito por sufrágio directo e universal. A nossa Constituição prevê, por isso, que tenha uma palavra decisiva. Em 1987, perante uma situação muito semelhante, o Presidente Mário Soares recusou um governo com alegado apoio da maioria de esquerda de então — a maioria PS-PRD-PCP que demitira o governo de maioria relativa de Cavaco Silva.
Mário Soares preferiu convocar eleições antecipadas. Delas resultou a primeira de duas maiorias absolutas de Cavaco Silva. Embora os ataques da esquerda a Mário Soares tenham sido nessa altura bastante enfáticos, não me lembro que tenham chegado ao ponto de o acusar de “golpe de estado constitucional”.
Não pretendo com isto sugerir que o Presidente Cavaco Silva não deva indigitar o líder socialista. Pretendo apenas recordar que não é obrigado a fazê-lo. Por outras palavras, o Presidente tem toda a legitimidade democrática para decidir — ainda que, ao contrário de Mário Soares em 1987, não possa hoje convocar eleições antecipadas (o que, a meu ver, seria a solução mais adequada).
Um segundo problema, de natureza muito diferente, consiste em discutir o significado político dos acordos da actual direcção socialista com os partidos à sua esquerda. Não se trata de saber se esses acordos podem ou não existir no quadro da nossa Constituição. (Com certeza que podem, como também já argumentei aqui). Trata-se de saber o que é que esses acordos significam no plano político — quer para os socialistas, quer para os equilíbrios do nosso regime democrático.
No âmbito deste segundo problema, uma pergunta adquire particular relevância. Por que motivo estão alguns líderes socialistas a celebrar a ruptura com 40 anos de tradição socialista (de não fazer alianças com os comunistas) como “um marco histórico” que “acabou um tabu, derrubou um muro, venceu mais um preconceito”?
Receio ter de confessar uma certa perplexidade perante este entusiasmo. Uma coisa, já de si difícil, é tentar justificar uma frente do PS com a extrema-esquerda com base nas presentes circunstâncias. Outra coisa, verdadeiramente bizarra, é festejar esse acordo com os comunistas e a extrema-esquerda como o fim de um “tabu” e de um “preconceito”.
Porque, se existiu um “tabu” — anticomunista e antifascista —, ele foi criado pelos socialistas democráticos de Mário Soares e Maria Barroso. Esse alegado duplo “tabu” faz parte da identidade fundadora do próprio partido socialista.
Essa identidade fundadora era e é aliás comum a todos os grandes partidos socialistas democráticos do Ocidente. Helmut Schmidt, que morreu na passada terça-feira, foi um dos grandes líderes dessa família socialista e anticomunista. Grande amigo e apoiante de Mário Soares, foi um dos primeiros a denunciar os euromísseis soviéticos e a apelar à NATO para construir euromísseis na Europa ocidental. Não sei se ele tinha um “preconceito” ou “tabu” anticomunista. Sei que simplesmente era um socialista democrático. Por isso, era anticomunista.
Outro exemplo muito curioso é o dos partidos trabalhistas dos países de língua inglesa. Eles sempre foram anticomunistas e nunca ensaiaram qualquer tipo de aliança com os comunistas. Talvez também por essa razão, na Austrália, na Nova Zelândia e nos EUA, os comunistas nunca elegeram um único deputado. No Reino Unido, terão conseguido dois em 1922, um em 1935, dois em 1945 (num Parlamento com mais de 600 deputados).
Curiosamente também, essas democracias nunca caíram. Se não me falha a memória, vieram até salvar as outras — onde comunistas e fascistas não estavam submetidos a “tabus e preconceitos”.
Em defesa do Ocidente livre: depois dos bárbaros atentados de Paris da passada sexta-feira, é tempo de o Ocidente cerrar fileiras contra o terrorismo islâmico. Eles não nos atacam pelo que fazemos, mas pelo que somos: cidadãos livres, sob a comum protecção da lei.