O fim do 25 de Novembro
Falta saber se o fim do fim da revolução portuguesa é o princípio de um novo bloco central ou um passo decisivo para uma IV República.
O contragolpe de 25 de Novembro de 1975, que marca o fim da transição revolucionária, definiu o regime político e constitucional da democracia portuguesa durante quarenta anos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O contragolpe de 25 de Novembro de 1975, que marca o fim da transição revolucionária, definiu o regime político e constitucional da democracia portuguesa durante quarenta anos.
Na sequência da neutralização da tentativa de tomada do poder pela ala pretoriana mais radical do MFA, apoiada pelo PCP, foi possível enunciar as principais orientações do regime pós-revolucionário. Primeiro, Jaime Gama apresentou a proposta de eleição directa do Presidente da República, decisiva para integrar a instituição militar na democracia constitucional. Depois, prevaleceu a tese de Francisco Salgado Zenha sobre o Governo minoritário do PS, que se formou depois da vitória socialista na primeira eleição parlamentar. Por fim, José Medeiros Ferreira fixou a adesão às Comunidades Europeias como a prioridade do I Governo, que tornou inseparáveis a democratização e a europeização no novo regime.
Essas três iniciativas revelaram ser as traves mestras da democracia portuguesa: o regime semipresidencialista pôde assegurar a coexistência pacífica entre o Presidente da República e o Governo e a Assembleia da República, dominados pelo PS e pelo PSD, unidos também na política de integração europeia e ocidental.
A evolução do regime confirmou a posição do bloco central – reclamado pelo Presidente Ramalho Eanes e formado contra a sua vontade depois da desagregação da Aliança Democrática - como o garante da estabilidade democrática. Mário Soares dirigiu o Governo PS-PSD, ao qual se seguiu uma nova fórmula de repartição do poder com Soares como Presidente da República e Cavaco Silva como Primeiro-ministro. No final do seu último mandato, Soares deixou no poder um Governo do PS, tal como o seu sucessor, Jorge Sampaio, que presidiu à alternância entre Primeiros-ministros socialistas e sociais-democratas até à eleição presidencial de Cavaco Silva, forçado a coabitar com dois Governos socialistas sucessivos.
O ciclo do bloco central entrou em declínio depois das duas eleições de 2011: a reeleição do Presidente Cavaco Silva e a formação do Governo PSD-CDS, dirigido por Pedro Passos Coelho, foram anunciadas como a concretização – na ordem inversa: um Presidente, uma maioria, um Governo – da estratégia de bipolarização de Francisco Sá Carneiro – “uma maioria, um Governo, um Presidente”, na fórmula original. Esse quadro institucional, aliado às circunstâncias da crise e às divergências crescentes entre o PSD e o PS, traduziu-se numa erosão das regras de concertação e de distribuição do poder entre os dois grandes partidos fundadores da democracia.
A viragem decisiva foi a decisão de formar a Coligação Portugal à Frente, com listas conjuntas do PSD e do CDS. Sem sucesso, o PS procurou beneficiar da polarização entre a esquerda dividida e a direita unida para realçar a sua posição como “partido-charneira”. Na eleição de 4 de Outubro, a Coligação teve a maioria dos sufrágios e, no dia seguinte, o PSD e o CDS assinaram um Programa comum e puseram o PS perante uma escolha impossível e sem precedentes: integrar o Governo de direita. O PS respondeu com a rejeição desse Governo e a negociação de acordos parlamentares com o PCP, o Bloco de Esquerda e o Partido os Verdes que lhe devem poder assegurar condições mínimas para formar um Governo minoritário.
A coligação PSD-CDS e a maioria aritmética das esquerdas são fórmulas simétricas. Partem ambas do reconhecimento da incapacidade dos dois grandes partidos para voltarem a obter maiorias absolutas sozinhos: nesse contexto, o Presidente do PSD cooptou o CDS com as listas conjuntas e o Secretário-Geral do PS concluiu os acordos parlamentares com os pequenos partidos à sua esquerda. Paralelamente, Passos Coelho e António Costa decidiram ambos desvalorizar a próxima eleição presidencial e nenhum deles quis dar o apoio oficial do seu partido a um candidato, como sempre aconteceu no passado.
Desse modo, as estratégias convergentes de bipolarização completam a ruptura do bloco central que põe em causa o legado do “25 de Novembro”: a incapacidade do Presidente para resolver o impasse parlamentar pode prejudicar a legitimidade política do sistema semipresidencialista, a bipolarização entre a coligação eleitoral das direitas e a agregação parlamentar das esquerdas substitui a alternância entre o PS e o PSD e, last, not least, a integração europeia já não é o que era, entre a diluição dos consensos internos e a transformação da União Europeia.
A viragem marca o fim do “25 de Novembro”. Falta saber se o fim do fim da revolução portuguesa é o princípio de um novo bloco central ou um passo decisivo para uma IV República.
Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI-UNL)