Os "horríveis minutos" de um acto de guerra contra a França

Presidente francês afirma que a série de ataques foi "coordenada e planeada a partir do exterior", e promete que o país responderá "sem misericórdia".

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O Bataclan foi evacuado pela polícia Benoit Tessier/Reuters

Com a memória do ataque contra o jornal satírico Charlie Hebdo ainda viva, mas já fora das conversas do dia-a-dia nos cafés e nos transportes públicos, Paris foi atirada na noite de sexta-feira contra uma parede de terror como já não acontecia numa capital da União Europeia desde meados da década passada. <_o3a_p>

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Com a memória do ataque contra o jornal satírico Charlie Hebdo ainda viva, mas já fora das conversas do dia-a-dia nos cafés e nos transportes públicos, Paris foi atirada na noite de sexta-feira contra uma parede de terror como já não acontecia numa capital da União Europeia desde meados da década passada. <_o3a_p>

Se os ataques de Madrid, em 2004, e Londres, no ano seguinte, tiveram como alvo os sistemas de transportes públicos, a noite de terror em Paris teve como objectivo deixar gravado na mente de uma nação que ninguém está a salvo, em lado nenhum – num jogo de futebol, na esplanada de um restaurante, numa sala de concertos, no meio da rua numa conversa entre amigos.<_o3a_p>

Para além de afirmar que a série de ataques foi "coordenada e planeada a partir do exterior", o Presidente francês, François Hollande, resumiu a raiva, a dor e a frustração do país numa acusação que não pode deixar de ter implicações para a luta contra o extremismo islâmico na Síria e no Iraque: foi "um acto de guerra" do autoproclamado Estado Islâmico, que deve ter uma resposta "sem misericórdia".<_o3a_p>

Depois dos sangrentos ataques de sexta-feira, o Estado Islâmico apontou a França como o seu "principal alvo", dizendo que o país vai "continuar a sentir o cheiro da morte por ter liderado a cruzada, por se ter atrevido a insultar o profeta, por se ter gabado de combater contra o islão em França e de atacar muçulmanos no califado com os seus aviões".<_o3a_p>

A explosão de violência em Paris começou à porta do Estádio de França, um dos estádios que vão servir de palco ao Campeonato da Europa de futebol dentro de sete meses. Quando faltavam dez minutos para as 21h30, numa altura em que as selecções de França e da Alemanha já disputavam um encontro amigável há 20 minutos, um homem aproximou-se da entrada, com bilhete para assistir ao jogo, e tentou passar pelos seguranças vestido com um colete armadilhado. <_o3a_p>

O seu objectivo estava lá dentro – a possibilidade de se fazer explodir no meio das 80.000 pessoas que praticamente lotavam o estádio. Mas a acção foi travada por seguranças, e o atacante acabou por accionar os explosivos do lado de fora do estádio. Nos 50 minutos que se seguiram, dois outros atacantes (um dos três grupos que actuaram em coordenação em vários pontos da cidade, segundo o procurador de Paris, François Molins) accionaram também os seus explosivos, um deles perto de uma outra porta do estádio e um terceiro a 400 metros de distância, junto a um restaurante McDonald's. <_o3a_p>

O facto de nenhum dos atacantes ter conseguido entrar no estádio fez com que este atentado em particular não tivesse causado um número elevado de mortes – para além dos próprios suicidas, há registo de uma vítima mortal.<_o3a_p>

Quase ao mesmo tempo que o primeiro terrorista se fazia explodir junto ao Estádio de França, um outro atacante que circulava num automóvel Seat Leon espalhava o caos pelas ruas da cidade, alvejando clientes de bares e restaurantes em pelo menos três locais distintos – na rua Alibert foram mortas 15 pessoas; cinco no cruzamento entre as ruas Faubourg-du-Temple e Fontaine-au-Roi; e 19 na Rua de Charonne.<_o3a_p>

Ao todo, até ao início da noite de sábado, o procurador de Paris disse que há 129 mortos confirmados e 352 feridos, 99 deles "em estado muito grave".

<_o3a_p>"Dez horríveis minutos"
O ataque mais mortífero ocorreu no interior da sala de espectáculo Le Bataclan, onde a banda de rock norte-americana Eagles of Death Metal tocava para mais de 1000 pessoas. Às 21h40, enquanto os outros dois grupos de terroristas se faziam explodir junto ao Estádio e atiravam indiscriminadamente contra bares e restaurantes da cidade, três homens saíram de um automóvel Volkswagen Polo e entraram no Bataclan com "armas de guerra", segundo a descrição do procurador de Paris.

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Lá dentro, gritaram palavras de ordem sobre a Síria e o Iraque e começaram a disparar contra a multidão em pânico e a executar muitos dos que ficavam para trás. Os três atacantes morreram assim que a polícia lançou um assalto, um baleado e dois depois de terem accionado um cinto de explosivos. Os números espelham o terror vivido na sala de espectáculo: "À hora que vos falo, temos 89 vítimas mortais e muitos feridos", disse ao início da noite de sábado o procurador François Molins.<_o3a_p>

Ao mesmo tempo que os três atacantes entravam no Bataclan, um outro terrorista fazia-se explodir no restaurante Comptoir Voltaire, na Avenida Voltaire, mas sem provocar mortos entre civis.

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O concerto dos Eagles of Death Metal durava há pouco mais de uma hora quando algumas pessoas ouviram o que pensaram ser efeitos sonoros do espectáculo. Mas rapidamente perceberam que alguém disparava indiscriminadamente sobre a assistência.<_o3a_p>

"Foi um banho de sangue. Durou dez minutos. Dez horríveis minutos em que toda a gente estava no chão a tapar a cabeça", descreveu Julien Pearce, um repórter da rádio Europe 1.<_o3a_p>

Pearce descreve homens "muito jovens", de rosto descoberto e com espingardas automáticas. "Vários homens armados chegaram ao concerto. Dois ou três homens, sem máscaras, chegaram com o que pareciam ser Kalashnikovs e dispararam indiscriminadamente sobre a multidão". Os atacantes "tiveram tempo suficiente para recarregar pelo menos três vezes", recordou o jornalista.<_o3a_p>

Um jornalista do Le Monde, que mora nas traseiras do Bataclan e que desceu para tentar ajudar os feridos, acabou por ser alvejado. "Abri a porta do prédio. Havia um homem deitado no passeio. Com um outro homem que não conheço, puxámo-lo para o abrigar na entrada. Levei com a bala nesse momento. Lembro-me de sentir como que um petardo a explodir no meu braço esquerdo", contou o jornalista. "Creio que o atirador estava numa janela no Bataclan."<_o3a_p>

Uma das pessoas que estavam no concerto foi narrando o ataque no Facebook. "Ainda estou no Bataclan. Primeiro andar. Ferimentos graves! O ataque está a ser rápido. Há sobreviventes lá dentro. Estão a abater toda a gente. Um por um", escreveu Benjamin Cazenoves.<_o3a_p>

No sábado, começaram a surgir outros relatos de sobreviventes. "Estou vivo", disse Gregoire Philonenko à filha Valentine quando a viu depois de ter conseguido sair do Bataclan. É ela quem conta os momentos de pânico que o pai e o irmão viveram durante o ataque que interrompeu o concerto dos Eagles of Death Metal. A banda só tinha tocado três temas quando foram ouvidos tiros. Também pensaram que fazia parte do espectáculo. "Mas 30 tiros depois toda a gente se deitou no chão. Ouviram o barulho de uma granada e pensaram que a polícia estava a chegar para os salvar", contou à Reuters. "Muitas pessoas começaram a levantar-se. Foram todos mortos. Pensavam que iam ser salvos mas foram mortos."

O próprio pai de Valentine pensava que não iria sobreviver. "Ele pensava que estava morto. Fingiu-se de morto, mas achava mesmo que ia morrer." O pai de Valentine estava deitado no chão quando um dos terroristas se aproximou dele e o pontapeou na perna para confirmar se estava mesmo morto. Fê-lo uma, duas, três vezes. "O homem parou ao lado dele e disparou a 30 centímetros do meu pai. Matou o homem que estava ao lado dele, com um tiro na cabeça."

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No Facebook, José Lira, um brasileiro que estava no restaurante Le Petit Cambodge, recordou os disparos. "Por volta das 21h30, quando terminávamos de comer, começaram os estampidos. Estávamos numa mesa, o som da metralhadora muito próximo, vi faíscas do outro lado da calçada." Lira pensou tratar-se de um espectáculo de rua. "Mas os tiros não paravam e começaram a atingir os pratos e as garrafas em toda parte, e impulsivamente lancei-me no fluxo das pessoas que corriam do restaurante para um supermercado ao lado. Lá dentro, dei-me conta que estava com dois de meus amigos, dos outros cinco não sabíamos. Ao fundo, éramos umas 20 pessoas, ninguém sabia o que se passara. Um de meus amigos sangrava, talvez de estilhaços que lhe atingiram a testa. Dez minutos depois, chegaram os bombeiros e saímos."<_o3a_p>

O dia seguinte foi de choque, disse à BBC François Sergent, que vive perto de um dos restaurantes atacados. "Toda a gente está numa espécie, diria, de grande incredulidade. Ninguém próximo de mim foi vítima do que aconteceu na noite passada. Mas o bairro, as ruas em que ando todos os dias – foi um grande choque para todos nós esta manhã."

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