Não é preciso ser mulher
Ser mulher hoje, em Portugal, como em muitos outros países do mundo, nada tem a ver com o passado.
Não é preciso ser mulher. Nem é preciso ser de esquerda, nem estar na actividade política. No limite, nem é preciso ser decente. Basta não ser ordinário para não aceitar o que disse um homenzinho de óculos, num canal de televisão, a propósito de um debate parlamentar que contou com a intervenção de mulheres deputadas.
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Não é preciso ser mulher. Nem é preciso ser de esquerda, nem estar na actividade política. No limite, nem é preciso ser decente. Basta não ser ordinário para não aceitar o que disse um homenzinho de óculos, num canal de televisão, a propósito de um debate parlamentar que contou com a intervenção de mulheres deputadas.
Ser mulher hoje, em Portugal, como em muitos outros países do mundo, nada tem a ver com o passado. Quem quiser recordar o que era a condição das mulheres e os argumentos usados para as manter fora do espaço público e político pode ver o filme As Sufragistas, que recria o processo de luta pelo direito de voto, de milhares de mulheres inglesas, no início do século XX.
Para as mulheres, os progressos registados no direito da família, no controlo individual da fecundidade, no acesso à educação e a profissões tradicionalmente masculinas, no desempenho de funções de responsabilidade nas empresas, na administração e na vida política, na participação no espaço público foram o resultado da sua intervenção ao longo de décadas. O legado de Ana Vicente, escritora, feminista e católica, que recentemente nos deixou, é um dos exemplos que a propósito daquela intervenção podemos evocar.
Porém, há ainda muito a fazer. Nos domínios das condições de trabalho, ou das condições de remuneração e de progressão nas carreiras, estamos longe de uma situação de igualdade. No domínio da conciliação da vida de trabalho com a vida familiar e a educação dos filhos, necessitamos de novas políticas públicas. E se o que há a fazer é da responsabilidade de todos os homens e mulheres, aquelas que desempenham funções políticas têm especiais responsabilidades. Cabe-lhes, designadamente, alargar o espaço de participação para que mais mulheres se possam sentar como deputadas no Parlamento.
Não se leiam estas palavras como sendo contra os homens. Natália Correia dizia sobre os homens portugueses que estes eram particularmente encantadores: “amam as mulheres e tanto basta para que os achemos maravilhosos.” Mas admitia também “que há para aí uns mediocrezinhos que não gostam de ver uma mulher manifestar-se criadoramente”. Ela sabia que, em Portugal, ser mulher era muitas vezes difícil, mas não confundia os homens com os medíocres que andam por aí.
Professora de Políticas Públicas no ISCTE-IUL