A misteriosa desaparição do centro
Os portugueses, como os franceses, não gostam de liberalismo, mas suportam bem uma boa dose de despotismo.
Lamento dizer, mas não me preocupa muito a desaparição do “centro”. As forças muito bem arrumadinhas na Assembleia da República entre a esquerda e a direita são um bom retrato do que Portugal sempre foi, desde 1820 e principalmente desde a lamentada morte do Senhor D. João VI, em que a legitimidade (hoje tão discutida) se perdeu para sempre. Em França, nosso exemplo e guia, aconteceu o mesmo. Depois de 1789, esteve perpetuamente dividida em vários corrilhos que se queriam matar (e muitas vezes se mataram). O que nunca conseguiu foi criar um “consenso” sobre o que era indispensável e básico, ou seja, um regime liberal digno desse nome. Apesar de Tocqueville ou de Guizot, os franceses continuam a achar o “liberalismo” uma ideia inglesa e uma palavra porca. Tal qual como cá.
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Lamento dizer, mas não me preocupa muito a desaparição do “centro”. As forças muito bem arrumadinhas na Assembleia da República entre a esquerda e a direita são um bom retrato do que Portugal sempre foi, desde 1820 e principalmente desde a lamentada morte do Senhor D. João VI, em que a legitimidade (hoje tão discutida) se perdeu para sempre. Em França, nosso exemplo e guia, aconteceu o mesmo. Depois de 1789, esteve perpetuamente dividida em vários corrilhos que se queriam matar (e muitas vezes se mataram). O que nunca conseguiu foi criar um “consenso” sobre o que era indispensável e básico, ou seja, um regime liberal digno desse nome. Apesar de Tocqueville ou de Guizot, os franceses continuam a achar o “liberalismo” uma ideia inglesa e uma palavra porca. Tal qual como cá.
Entre 1829 e 1910, a Monarquia não passou de uma sucessão de guerras civis, insurreições, pronunciamentos, golpes de Estado ou golpes de palácio. Verdade que a partir de 1851-52 houve uma certa tranquilidade, embora descontínua e precária. A crise de 1890-1893 acabou com esse efémero intervalo de civilização. Dali em diante, o rei, os partidos do regime e o partido republicano entraram num conflito aberto que levou, como devia levar, ao assassinato do rei e à revolução. Da I República quase não vale a pena falar. Excepto para especialistas, as balbúrdias de um regime terrorista, em que um décimo de Portugal insistia em sufocar os nove décimos que sobravam, não merece nem grande atenção, nem grande interesse. No fim do “regabofe”, como lhe chamavam, veio Salazar. Os portugueses, como os franceses, não gostam de liberalismo, mas suportam bem uma boa dose de despotismo.
O partido comunista inaugurou a III República com a tentativa de transformar Portugal numa espécie de Cuba da Europa. Perdeu, mas nunca se arrependeu e não deixou ainda de intimidar a direita, que se proclama muito “social-democrata” e amiga dos pobres; por interesse, claro, e também por medo. No meio desta “hipocrisia institucional”, como dizia Sá Carneiro, o ódio persistiu e, agora, com a “austeridade” e a corrupção, voltou à superfície. Nada sairá daqui, a não ser uma tirania qualquer, com o nome ou sem ele. O dr. Cavaco não percebeu um ponto básico: em Portugal não é o consenso que produz prosperidade; é a prosperidade que produz consenso. Se houver evidentemente quem nos dê dinheiro.